31.12.09

Dias 4,5 e 6 - Holá!

Quem vai para o sul das ilhas Canárias, saindo de Las Palmas, é como quem sai da Praia para ir ao Tarrafal, até na distância: é uma viagem da cidade, centro de negócios, para uma região de turismo clássico. No sul, o ar, o chão e o mar, estão impregnados de Turismo. Tudo é virado para o Turismo, tudo! Campos de golf aqui e ali, no meio da rocha (que isso sim é igualzinho o nosso país), milhares de residências a acompanhar a orografia do lugar, várias marinas, milhares de turistas, praias repletas, nenhum vendedor ambulante a atazanar a vida de cada qual, imensos restaurantes, bares, empregados frenéticos a distribuir o idiomático "holá!". Clientes são tratados como clientes, ou seja, como pessoas que querem um serviço e estão dispostos a pagar por ele.

Sobre o Turismo aqui, o que me chama atenção é o seguinte: o Turismo está integrado com as cidades, sejam elas mais de negócio, ou mais puramente de lazer, a cidade está presente. Ou seja, para além desses horríveis hotéis-fortalezas, que são do mais separatista que há, existe um serviço de Turismo que é acedido tanto pelo turista que veio em pacotes, ou aquele que veio de carro dar uma volta, como ao habitante das outras cidades que querem ter um fim-de-semana na relax, ou à população local que quer desfrutar do seu próprio lugar. Em Cabo Verde o que está a acontecer é seguinte: deixem os operadores construírem os seus hotéis-prisões como queiram, mas os Governos (Central e Locais), por favor que se concentrem no desenvolvimento das cidades para onde estamos a chamar o Turismo. Santa Maria é um exemplo que isso não aconteceu e não está para acontecer. Ou está?

30.12.09

Dia 3 - Tiques

Se fossemos uma região ultra periférica, como é denominada as Canárias, mudaríamos de roupa e sapatos a cada estação nas lindas lojas Zara, Cortefiel, Massimo Duti, Clarks, e mais uma data deles. Teríamos uma casa IKEA desde o tapete na porta de entrada até à vassourinha que limpa o cocó da sanita. Teríamos um carro novo a cada 4 anos. Teríamos uma dezena de marcas de cereais para o pequeno-almoço, os meninos estariam a engordar no McDonalds, os adolescentes passariam o seu tempo a comprar novos jogos de consola. Quem tivesse a sorte de ter um bom emprego poderia inclusive comprar um Porche! Isso tudo é possível nas Canárias. Claro que toda essa economia assenta-se num equilíbrio muito frágil, que incita ao consumo constante, a maioria a crédito, que ao mínimo abalo dos mercados, a coisa pode despenhar-se, como ficou demonstrado pela recente crise. Todavia, isto daqui tem toda esta opulência comercial, que até me intriga pela dimensão da sua população (cerca de 2M), mas é que o Turismo é uma fonte de rendimento a sério aqui.

Se fossemos uma região ultra periférica, com muita força de vontade e carácter de espírito, optaríamos por ver os museus, as galerias de arte, visitar as populações mais afastadas, passearíamos na linda avenida marítima, teríamos umas tantas opções de desporto e seria possível fazer um turismo interno de qualidade, a poucas horas de carro ou autocarro. Porque isto tudo também é possível nas Canárias. A questão do desenvolvimento das cidades mais avançadas é que, ao lado da loucura comercial, onde uma pessoa é convidada a cada passo a comprar, comprar e comprar, existe uma oferta de qualidade de actividades relacionadas com a Natureza e com a Cultura. E não é o que temos pedido para a nossa terra? Desenvolvimento com respeito pela Natureza e pela Cultura. Embora esteja a achar que esta vertente nas Canárias não é de todo exemplar, mas pelo menos já existe essa consciência e as estruturas vão sendo mudadas, para permitir mais Energias renováveis, mais espaços amplos de lazer, mais vias pedonais, enfim, mais conforto para as pessoas. Estamos a tempo de não estragar...embora ache que temos que estragar para aprendermos que estamos a estragar.

28.12.09

Dia 2 - Noite

Para mim a noite ilustra o cosmopolitismo das cidades e tenho a tendência em gostar mais ou menos dos lugares de acordo com isso. É quando passamos de turistas (seres desprovidos de interesse, que observam à distância) a visitantes, com estórias para contar do nosso país, com os nossos gostos e descobertas. É onde sabemos dos detalhes que não vem nos guias turísticos, conhecemos os habitantes reais, os artistas, a gente divertida, que conhece os cantinhos da cidade, os seus suores, as suas palpitações. É quando começamos a destruir as nossas ideias pré-concebidas do lugar, isso se tivermos a coragem de comunicar com os autóctones, claro.

Comparo cada detalhe com a minha cidade da Praia. Para quando teremos uma zona boémia, onde estarão restaurantes bonitos, de bom gosto, especializados, bares bonitos, pubs, ruas agradáveis, seguras, que convidem as famílias a sair e a fazer da nossa cidade um lugar com gente, que se cruzam, que contam estórias, divertem-se e recriam a cidade? O Plateau é o candidato natural. Tem tudo o que essas baixas dessas cidades cosmopolitas tem, ou tinha, já que as lojas chinesas quase levaram tudo, e o que não levaram destruímos com as nossas próprias mãos. Uma pergunta: porquê que, as lojas chinesas em outras cidades são lojas com outras qualquer e na nossa cidade pilham completamente os edifícios?

26.12.09

Dia 1 - Viagem

O boeing dos TACV cheira mal e tá roto. Dá pra acreditar que os braços das cadeiras estão remendadas com fita adesiva?! E os estofos rebentam pelas costuras?! Não houve televisão e a generosa refeição foi substituída por uma sandes, mas isso acho muito bem, já que todas as companhias do mundo fazem economias, porque não a nossa? O pessoal de bordo foi o melhor. Entretanto senti aura de pobreza. Pobre TACV!

Quem teve a ideia de comparar as Canárias com Cabo Verde? Calminha compatriotas, que há muito que temos que fazer. Pelas Infraestruturas temos um quadro imediato de comparação entre os países. Isto daqui é um GRANDE aeroporto, onde estão estacionados dezenas (disse dezenas!) de aviões, tem uma enorme gare e todos os requintes de grandes aeroportos. As estradas até a baixa falam por si: múltiplas faixas, pontes, rotundas, iluminação, sinalética e muitos carros indo e vindo. Todas as grandes superfícies tão cá, que também dá a dimensão da coisa: IKEA, Media Mart, Carrefour, etc.

Em relação ao Turismo, a tal coisa que falamos, falamos, falamos, mas não há meio de termos uma política clara para o sector, aqui podemos ter boas referências. Cá pra mim a maior referência é esta: se decidimos que Turismo é a nossa grande aposta também, há uma coisa que temos que começar a fazer: falar a sério.

Aparentemente temos todos os potenciais para aspirar este nível de desenvolvimento, até porque estamos nas boas graças da União Europeia e dos Estados Unidos, mas temos que encontrar um meio de engajar mais a sociedade. Definitivamente temos de parar de ser pequenos de pensamento e discutir em conjunto as vias mais adequadas. A começar por muito juizinho em 2011 (eleições nacionais).

Dia 0 - Férias

Tempo de interromper a rotina diária, das coisas que já se faz automaticamente, para mudar, ver outros lugares, pensar livremente e, talvez, mudar de rumo. 2010 parece-me simbólico suficiente para pensar em mudanças. O meu maior desejo é ver a vida cultural da minha cidade a florescer. Tenho bons feelings.

24.12.09

Quinta-Essência

Vou de férias!!!.

Para o novo ano, novas perguntas, novos desafios. Durante as férias será tempo para reflexão e, claro, muita paródia. O novo ano, dizem, vai ser rico em Cultura, porque atingimos a responsável idade de 35 anos. Tomara que se repita o magnífico Kriol Jazz, também espero ver a Bienal de Dança, pessoalmente vou trabalhar em outras coisas inéditas, quero ver um bom Teatro, já se faz um Audiovisual por aí, Bento Oliveira está na Praia, gostaria de ver a minha idolatrada Luísa Queirós e Manuel Figueira, quero ver mais quadros pretos de Tchalé, este ano foi rico em Música, 2010 quero mais, a Literatura teve um grande ano, mas escritores novos já se fazem necessários. O nosso ministro da Cultura é que continua uma tocha apagada, a gastar os recursos do Estado em salário, combustível e outras benesses, a leste de todo o sector que tem em mãos para gerir.

O novo ano, dizem, vai ser de luta política, com pau, pedra e o que estiver à mão. Vamos conhecer quem afinal são amigos e quem são inimigos. Vamos ver a cara da ambição e os meios que se utilizam para a cumprir. José Maria Neves vai estar incrivelmente charmoso e Carlos Veiga vai estar incrivelmente raivoso, tá visto. Os jotinhas vão ser ministros em 2011. Em 2010, devem treinar os tiques de discurso, comprar fatos novos, gravatas giras e actualizar os sapatos. Nunca comprem meias brancas, por favor, aliás acho que nem se vende mais. Serão ministros iPod, iPhone, televisão a cabo, com gostos bem mais caros. Já prediz o meu compadre, é possível que os Tuaregs entrem para o próximo Governo. Lindo país pobre!

O novo ano, proponho à malta do visual, vamos discutir mais a arte contemporânea, a nossa. Podemos ter uma, não podemos? Ou se calhar nem falemos em Arte Contemporânea, porque já se fala numa nova etapa, que se chama de Arte Alter-Moderna, onde os novos médias jogam um papel central. Pois, com os novos médias, temos mais oportunidades, em termos económicos, mas em termos mentais ainda precisamos trabalhar muito. A Universidade de Cabo Verde precisa acertar com os cursos de Arte, senão, mais uma vez, a nossa conversa da Arte continua a ser essa paupérrima produção que vemos por aí. É duro fazer a Arte, sem referências (ou só com as externas) e sem ambiente de produção, discussão e competição.

O novo ano será o ano do início do fim da crise (espero). Gosto de crises, porque são oportunidades de rupturas, mudança de direcções, sacudimento de poeira, redefinição de paradigmas e escolha de novos parâmetros. É só ter coragem.

Um excelente Novo Ano a todos. Ousem mais, berrem mais, queiram mais e FAÇAM mais.

23.12.09

Quarta-Parede

(Perguntaram-me o que é quarta parede. No teatro é a parede imaginária que separa o palco do público. Significa pois a linha imaginária entre a ficção e a realidade. Os espectadores e os actores criam em suas cabeças uma ilusão de realidade na encenação. Quando se "rompe" a quarta parede costuma resultar em efeitos interessantes, quanto baste, claro. Quarta parede aqui significa a mesma coisa: a linha ténue entre a ficção e a realidade)

Se nos derradeiros anos Filú, anos de delírio, o Natal assumiu proporções de espectáculo, este ano de Ulisses, por ter criticado tanto os excessos de Filú, poupou tanto nos adereços que o Natal na cidade está para lá de mixuruca. O problema é que, para compensar esta pobreza, criam-se umas pequenas aberrações, como é o caso de uma feira (se é que se pode chamar aquilo de feira) de artesanato em frente à Presidência da República (atentem bem onde: Presidência da República!). Para mim é o seguinte: ou não se faz nada, se a onda é poupar, ou quando se faz, vamos ter um pouco de - não é pedir muito - bom gosto!

Depois passei em outra pseudo-feira no Palácio da (in)Cultura. A falta de senso de bonito é de bradar. Mas já disse um dos meus amigos arquitectos: somos geneticamente de mau gosto visual. Aliás este é um assunto que pode ser tratado na rubrica "Quinta-Essência", de como a nossa Cultura tem uma componente visual tão fraca. Somos bons de música, bons de literatura oral, bons de outras coisas, mas visualmente somos uma lástima.

Fora do Plateau então, a cidade não existe. Fico a perguntar-me, entre os megas projectos para a marginal da Praia, a intenção (esmorecida) de criar ruas pedonais, as grandes promessas de Ulisses de um cidade cosmopolita, para quando na verdade uma cidade à medida dos seus habitantes. É que na Praia vive a maior parte dos quadros formados do país, muitos intelectuais, a maior parte dos professores universitários, todos os dirigentes políticos, toda uma sociedade de pessoas refinadas, que vivem exclusivamente no círculo das suas casas. Parece que não se incomodam com esta pobreza de espírito que envolve a cidade e nem contribuem a ponta de um corno para que algo mude. Enfim, é sempre a velha estória, entre o que imaginamos ser e o que somos na realidade, vai uma parede muito grossa.

22.12.09

Terças

Pai
Juro que acho estranho esta altura do ano, aqui em Cabo Verde. Acho particularmente uma piada os Pai Natal, vestidos a rigor (que tecido é aquele, lã, flanela?), de enorme barba branca postiça, botas, gorro e tudo o que (acham que) tem direito. Da neve então nem falemos. Como a natureza não vai em modas, não vira inverno onde não é de virar, ontem fez tanto calor, que queria ver até onde esta alienação estúpida podia aguentar. Mas de certeza que havia algum Pai Natal por aí a sofrer, porque sofrer é preciso para imitar os outros. O Zema é que tem aproveitado e vai andando por esses cutelos distribuindo a sua benção às criancinhas, velhos e desfavorecidos. Consigo até ver a sua mão reverenda a pousar providencialmente nas cabeças coitaditas.

Filho
Esses meninos estão bem diferentes dos meninos que fomos. Mas também eu fui bem diferente do que o meu Pai foi. Isso deve ser desenvolvimento, creio. Vejo os de agora EXIGIREM determinados brinquedos aos pais, que no meu tempo nem havia para comprar. Víamos na televisão, mas os meninos agora vê-nos nas prateleiras, aliás podem até tocar e experimentar e os vendedores fazendo as demonstrações. Fiquei como um tótó a ver para um helicóptero que voa a sério! E o pessoal da Saúde emitiu um alerta aos pais para terem critérios a escolher as prendas aos meninos, tais como evitar muita arma. Bravo! Só que ninguém irá escutar estas súplicas.

Espírito
À parte a irritação comercial do Natal, convenhamos que é uma altura que abre os corações. Adoro o jantar com a família. Amo os encontros com os amigos e este ano até o pessoal fez trocas de prendas com amigos secretos, guloseimas, um vinho a rimar, música e boa disposição generalizada. Bom espírito realmente. É preciso esquecer um pouco o mundo cruel e encontrar momentos como esses, de alma. É preciso, para mim pelo menos, fazer um grande esforço para não me irritar profundamente com esta data, que enriquece os comerciantes, engrandece as Igrejas e deixa os pobres a parecer mais pobres e à margem da quentura, do riso e da alegria dos lares que podem.

Resta-me desejar Paz, que é o minério mais valioso do mundo.

21.12.09

Segundas-Versões

Com semelhantes irritantes e absurdamente longas horas sem electricidade, não há boa-vontade que aguente! Tive de Sábado para Domingo sem luz em casa. Tou hoje sem luz no trabalho (embora o motor). Chega, chega, chega!

As negociações prosseguem para um grande consórcio para a Electra, onde o nome do INPS vem à baila. Muito bonito, li com atenção as boas intenções do Governo, mas eu só tenho uma questão: projecto? Onde está o projecto, apresentação pública, documentos para consulta pública, etc.? Muito queixamos de participação da sociedade na vida pública do país, mas há que dar espaço. É que os dirigentes já decidiram que é bom (enquanto a Oposição já decidiu que é mau), mas no entanto não oiço a sociedade. Qual é a opinião da Ordem dos Engenheiros? O que pensa a Pró-Praia? Que pensam os economistas (para além do achismo que li no jornal)? Será mesmo uma segunda versão da Electra ou será a mesma versão com mais dinheiro para (literalmente) queimar?

Na Quebra-Canela levanta-se um monstro de betão em cima do mar, que fere qualquer princípio de estética, ambiente, urbanismo, para além de abrir o precedente que vai permitir toda a absurdez naquela zona. Sociedade calada.

Sociedade de burros!

17.12.09

Quinta-Essência

Ainda ontem comentamos, nós não nos juntamos por nada que há! O nosso prédio poderá desabar que os condóminos, quem nem devem ser chamados de tal, porque como tal não se comportam, nada farão. Poderá a cidade ser engolida pelo lixo, a Electra nos deixar sem luz uma semana, os buracos permaneceram no estrada por meses, o homem tirar a pila e mijar à frente dos olhinhos dos nossos meninos, que nada, absolutamente nada, nos move para uma movimentação civil. Viram com a Dengue? Treta pegada. Tava na moda, coisa que até o Primeiro-Ministro saiu à rua, pois não ficava bem todos os bacaninhas também não saírem à rua. E a população, puro susto que provocou um espasmo de comunitarismo, mas de seguida, as coisas continuaram a mesmice, tanto é que tou para descobrir qual dos meus vizinhos teima em pendurar o lixo na varanda! Porra, que cena que me irrita todas as manhãs ao sair de casa!!

Qual a causa desta deficiência grave de consciência de comunidade? Será por nos ter sido negada a cidadania por séculos? Mas então não estará aqui um caso de psicologia social a ser estudada? Uma ponte aqui com a conversa tida com outro ilustre amigo, que falava da falta de seguimento das nossas acções, ou seja, identificamos um problema, fazemos grandes campanhas de informações, e até algumas acções bonitas, mas depois não há seguimento avaliação e replanificação das nossas acções. Será por isso que alguns dossiers não andam nem pra frente, nem pra trás? Neste caso então seria um caso a estudar, mas depois seria de planificar acções com a intenção de mudar este nosso estado de apatia social, do deixar andar, mijar e cagar.

16.12.09

Quarta-Parede

Isso de Carlos Veiga pretender recandidatar-se a Chefe de Governo deste país, tem um quê de controverso. O grande busílis para ele é encontrar um discurso de Oposição que não lhe faça parecer um grande cara-de-pau. Carlos Veiga, para o bem e para o mal, tem inexoravelmente uma tremenda responsabilidade neste país, como tem e terá sempre José Maria Neves. Esses homens tomam decisões que nos mudam definitivamente e quem tem o poder de mexer com a vida dos outros, deve saber que quando abre a boca deve, se não assertar, assegurar-se que não atira qualquer coisa cá pra fora.

Não Dr.Carlos Veiga, Cabo Verde não ganhou um segundo pacote MCA por mérito da "fiscalização" do MPD, até porque este partido conseguiu uma coisa inédita no passado que foi desacreditar o país face à Comunidade Internacional. Tenho a certeza que não se esqueceu por isso não nos faça de trouxa, e nem se faça de cara-de-pau. A César o que é de César. Temos só que parabenizar o governo do PAICV por esta vitória, não querendo dizer que a sua ficha ficou limpa. Este Governo, também, vai tendo grandes responsabilidades em muitos males que padecemos e isso também não esqueço. Política precisa de elevação e isso começa por grandes líderes. Desejamos uma boa Oposição que será naturalmente a alternativa em 2011, mas esta Oposição precisa de se encontrar rapidamente. Até agora tem sido um discurso corrosivo, não colaborativo, nada inovador, completamente esvaziada de visão e sempre, sempre, sempre no encalço do Governo, em vez de se posicionar em frente, num plano novo, que nos dê novas perspectivas também.

Esperava mais, juro!

14.12.09

Segunda-Versão

O meu acto de paridura da KATHARSIS manteve-me fora das lides blogosféricas, mas retomo sempre. Desta vez retomo com uma sensação que o blog já precisa de uma segunda-versão...bem, um novo ano e logo se vê.

Por falar em KATHARSIS, a minha mais recente dedicação, obrigado aos que apareceram, comentaram e deram sugestões para melhoradas aqui e ali. Continuo a perguntar-me sempre o que fará as pessoas saírem de casa. Continuo a querer sempre ter gente nas exposições, para verem e ouvirem, para comentarem, arriscarem uma análise, uma crítica. Continuo a sonhar com a ajuda de jornalistas para, depois de apresentada a coisa, que façam textos, que critiquem, analisem, façam links com outros projectos. Enfim...

Definitivamente, há que encontrar uma segunda versão das coisas. As do momento não tem funcionado muito bem. Muita conversa surda-muda. Muitos desamores sem nenhuma razão aparente. Este faz, aquele outro acha que tá mal feito, mas entretanto aquele outro não faz porque senão este vai também dizer que tá mal feito, assim de seguida. Temos uma visão ridiculamente curta e não vemos que, nem todos juntados, não damos conta dos desafios que estão aí, na cidade, no país, no mundo. Fiz a minha cota parte. Tentei todo o tipo de colectivo e resultou um ano, mas no ano seguinte já apareciam as questões crioulas de identidade de cada qual com as suas própria pessoas, os seus fantasmas e as suas frustrações. Parto solo daqui em diante. Eis uma segunda versão.

Entretanto vão aparecendo segundas-versões de tudo nesta cidade: um delicioso restaurante indiano (dizem, preciso comprovar) a contrariar a mesmice gastronómica por cá; o projecto Paradela a insistir que Cabo Verde tem que fazer cinema (APOIO!); Voz Di Povo que devolveu a dignidade à noite do Plateau; projectos de literatura que vão aparecer no novo ano; os meus amigos do teatro que trabalham como toupeiras; Abraão Vicente a tentar trazer Bento Oliveira para a Praia, um dos mais desconhecidos génios visuais deste Cabo Verde contemporâneo. Falta mesmo é juntar tudo e sair por este mundo fora, de cara levantada, cheios de orgulhos, a dizer para todos, fazemos o nosso. Faltou mais.

10.12.09

É HOJE

A Fundação Amílcar Cabral e a Associação de Jornalistas de Cabo Verde, têm o prazer de a/o convidar para a inauguração da exposição Kathársis, de César Schofield Cardoso, João Paradela e Soizic Larcher no próximo dia 10 de Dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, às 19h na AJOC.

Sinopse
Em Outubro de 2009 nasce Katharsis, um projecto multidisciplinar que nasceu da vontade de explorar através de linguagens artísticas os debates sobre o Tarrafal e o preso político ideológico.
Trata-se essencialmente de uma homenagem a esta condição que infelizmente é actual. Homenageia-se os homens perseguidos, torturados e encarcerados; as mulheres, mães e filhos, esposam e viúvas, filhos, órfãos, vítimas que, estando em liberdade, sofrem o mesmo castigo infligido por déspotas e regimes totalitários.
Katharsis é uma instalação, é o cruzamento entre linguagens artísticas e de olhares dos criadores, um convite à reflexão sobre a condição humana.
Katharsis inaugura do próximo dia 10, dia internacional dos direitos humanos, às 19h na sede da AJOC, Plateau - Cidade da Praia.

Ficha Técnica
Direcção Artística César Schofield Cardoso
Filmes César Schofield Cardoso e João Paradela
Interpretação/Pintura Soizic Larcher
Direcção de Produção Samira Pereira
Co-Produção Fundação Amílcar Cabral e Associação de Jornalistas de Cabo Verde

Hoje a cidade vai bombar!

Expo KATHARSIS, Mostra de Cinema de Direitos Humanos e Concerto Remna. Grande prenúncio de Sexta-Capital

Quinta-Essência

Tem mal escrever como se fala num café ou em casa? O que faz com que a palavra escrita tenha que ser catequética?

É abismal a distância que vai do nosso mundo oral ao escrito. Oralmente, somos faladores, divertidos, sarcásticos, maus, ao passo que quando passamos à escrita somos uma coisa chata, que tem que ser formal, ser sistemática, senão tem classificação menor, não vale. Será por isso sermos paupérrimos de literatura? Pois que, da passagem do oral à escrito, fica-nos o mundo todo pra trás.

Na rua, em casa, no trabalho, na intimidade somos pornográficos a toda a hora, facilmente mandámos à merda, quando não é a mãezinha que entra na conversa sem o mínimo de sacralidade, porra então nem sequer é palavrão. Mas, na escrita somos os pontífices do catolicismo e, sei, as palavrinhas merda e porra já te causaram desconforto, porque é assim, é estranho vermo-nos ao espelho escrito.

Deve ser por isso que, não poucos estrangeiros, tendo primeiro conhecido o nosso país por escrito, pelas nossas belas descrições de morabeza, pelos nossas leis tão avançadas e bonitas, pelo romanceio de histórias suaves e gente castiça, se espantem a sério quando se confrontam com uma grande crueza que somos. E de palavras principalmente.

9.12.09

Quarta-Parede

O post da segunda, que tem a ver com machões que cumprem a sua macheza batendo nas mulheres, precisa de algumas correcções e observações. A primeira observação é que, definitivamente, o tema da Violência Baseada no Género (VBG) é uma lata de porcaria que ninguém quer destapar, daí que o trabalho da ICIEG e campanhas como o Laço Branco sejam tão importantes, para que ao menos se fale no assunto. Da fala até a acções concretas, digo, legislação e isso tudo, vai um bom caminho ainda, porque o tema não é trivial, pelo contrário, está inscrito na nossa convivência social, como estão outras coisas “normais”.

Voltando ao post, ele contêm imprecisões, porque ao que parece os tais vilões identificados em conversa informal, continuam vilões, mas não são da iniciativa do Laço Branco. Ora daí ter causado uma certa polémica, que também ela é interessante: é justo pensar em expulsar reconhecidos agressores, ou pelo contrário, faz ainda mais sentido tê-los na iniciativa, como forma de auto-redenção, como alguém já sugeriu? É justo exigir comprovativos de não-agressão a quem queira se ingressar na iniciativa, ou o objectivo é precisamente ter todos, agressores e não-agressores.

O post teve a imprecisão acima indicada, mas serviu para libertar certas ideias, precisamente porque foi escrita como se de Radar se tratasse, como alguém notou-me. Ficamos a saber, por exemplo, que há pessoas que acham que essas iniciativas são meros “show off”. Serão mesmo ou terão um real interesse social? Enfim, penso que qualquer debate sobre o tema, mesmo com imprecisões, é melhor que debate nenhum, até para banalizar o debate sobre o tema. A impressão que fiquei é que estão todos muito sensíveis quando se aborda a questão. Comments?

7.12.09

Copy&Paste

"Se Cícero ainda vivesse entre vós, italianos, não diria “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?”, mas sim: “Até quando, ó Berlusconi, atentarás contra a nossa democracia?” Disso se trata. Com a sua peculiaríssima ideia sobre a razão de ser e o significado da instituição democrática, Berlusconi transformou em poucos anos a Itália numa sombra grotesca de país e uma grande parte dos italianos numa multidão de títeres que o seguem de rastos sem se aperceberem de que caminham para o abismo da demissão cívica definitiva, para o descrédito internacional, para a irrisão absoluta.

Com a sua história, a sua cultura, a sua inegável grandeza, Itália não merece o destino que Berlusconi lhe traçou com criminosa frieza e sem o menor vestígio de pudor político, sem o mais elementar sentimento de vergonha própria. Quero pensar que a gigantesca manifestação contra a “coisa” Berlusconi, na qual estas palavras irão ser lidas, se converterá no primeiro passo para a libertação e a regeneração de Itália. Para isso não são necessárias armas, bastam os votos. Ponho em vós toda a minha esperança."

Segunda-Versão

Ouvi dizer, por favor, não pensem que sou dado a essas fofoquices, mas já diz o ditado que onde há fumo há fogo, que alguns rapazes cá do burgo, normalmente muito janotas a circular por aí, andam a descarregar a sua mão masculina em cima da parceira, ou parceiras lá onde for o caso. Ora, até aqui nada de novo ou extraordinário, porque o padrão é os machos crioulos baterem em suas mulheres pelo menos uma vez na vida, tipo, há uma primeira vez para cair de bêbado, há uma primeira vez para estar com uma mulher e uma primeira vez para as bater. Isto é idiossincrático, senhoras! Aliás, senhoras, devem agir com cuidado nessa coisa moderna de querer mudar os vossos homens, para que não deixem de ser homens de uma vez. Para que saibam, porrada e grogue são moléculas masculinas, sem as quais os dessa categoria correm o risco de perder a tesão.

Até aqui estivemos a falar de assunto comum, homem, mulher, crioulos, porrada, o de sempre. O caso muda de figura quando esses janotas, pertencem a uma campanha chamada “Laço Branco”, que é uma rede de homens contra a violência de género. Espera! Estou baralhado. Os camaradas batem nas mulheres e pertencem a uma associação de homens contra a violência de género? Bem, a mim deram-me dados precisos, nomes, profissões e filiações partidárias. Uma teoria que me pareceu plausível, explica que na verdade esses tipos não pertencem e nem acreditam em tal iniciativa, que só estão aí, sorridentes a posar para a fotografia, porque em termos de marketing político é o que mais tá a dar.

Sabem, agora metendo toda a violência dentro do mesmo saco, a questão complicada é, quando vemos uma mãe que assenta a mão no seu filho, com tanta fúria que ultrapassa a “palmadinha terapêutica”, e ficamos de boca calada, ou até apoiamos, é onde semeamos a árvore da violência, de género inclusive, que essa também muita vezes começa com uma “porradinha necessária” e um dia descamba em morte. A minha sensação é que, metade de nós é agressor e a outra metade é cúmplice.

4.12.09

LAÇO BRANCO

CARTA PRINCÍPIOS DA REDE LAÇO BRANCO CABO VERDE

HOMENS CONTRA A VIOLÊNCIA DE GÉNERO

Quem somos?

O Laço Branco Cabo Verde é uma rede fundada no dia 10 Julho de 2009, por um grupo de homens das mais variadas áreas de formação e de actuação. É um grupo que se caracteriza pelo forte engajamento na promoção da igualdade de género, pelo que fomenta alianças com outras instituições/organizações da sociedade civil que se posicionam a favor dos direitos humanos e contra a desigualdade de género e a todas suas manifestações, especialmente a Violência Baseada no Género (VBG).

Porque surgimos?

Na sociedade cabo-verdiana prevalecem preconceitos e estereótipos sexistas bastante enraizados. Uma das faces mais visíveis destas representações é os altos índices de violência contra a mulher (22%), que têm como efeito a deterioração de relações nos espaços privados e públicos. Os homens são ao mesmo tempo parte do problema e da solução. Confrontando os homens com atitudes, normas sociais e comportamentos discriminatórios em relação aos papéis de género e à violência contra as mulheres, queremos comprometer os homens nesta luta de identificando e eliminação das praticas sociais injustas em função do género e de pôr fim à todos os tipos violência contra a mulher.

Em que acreditamos?

Que ser homem NÂO é:

° Ter muitas parceiras;

° Usar violência contra mulheres ou homens;

° Aguentar a dor;

° Procriar um grande número de filhos e filhas;

° Exercer o poder sobre outrem;

° Ser heterossexual.

Que ser homem É:

° Saber construir relações baseadas no respeito e igualdade;

° Não tolerar qualquer tipo de violência;

° Ter coragem de pedir ajuda;

° Saber partilhar decisões e poder;

° Saber respeitar a diversidade e os direitos de todas e todos.


O que queremos?

° Difundir e multiplicar a mensagem do Laço Branco Cabo Verde;

° Promover a igualdade e a equidade do género;

° Combater todas as manifestações de violência, nomeadamente a VBG;

° Promover e estimular a assumpção plena dos direitos e deveres próprios da paternidade;

° Apoiar as políticas e iniciativas que fomentem a equidade de género na família, na saúde, na justiça, na educação, na política, na economia e na comunicação social.

Para tal, a rede tem o intuito sensibilizar, envolver e engajar os homens em Cabo Verde e a sociedade civil no geral no combate à violência baseada no Género e a todas as formas de desequilíbrio de género, e na desconstrução duma visão distorcida de masculinidade.

Quais os princípios dos quais não abdicamos?

° Da visibilidade no combate à violência contra a mulher;

° Da denuncia e combate a todos os actos de omissão, infracção, comportamento discriminatório, nomeadamente, machismo/sexismo, exclusão social, homofobia, racismo ou qualquer outro tipo de comportamentos contra mulheres, homossexuais, bissexuais, transexuais e violação dos direitos resultantes da desigualdade de género;

° Da aliança com as mulheres para alcançar a equidade de género e conquistar direitos, saúde e bem-estar das mulheres e meninas;

° Da assumpção e partilha das responsabilidades que a constituição da família implicam, nomeadamente o cuidado das crianças ou dependentes e as tarefas domésticas

° De praticar uma nova masculinidade que respeita a diversidade sexual e os direitos reprodutivos de mulheres e homens;

° De responsabilizar-nos pelo nosso bem-estar, pela nossa saúde, planeamento familiar e por uma pratica sexual responsável;

° Da identificação e da denúncia das necessidades específicas e experiências de homens e meninos que não são tomadas em conta pelas políticas públicas e práticas profissionais em todas as áreas;

° Da transparência, honestidade, justiça e ética em todas as nossas acções;

° Da colaboração e diálogo com todo o tipo de instituições.

Como podemos ser contactados?

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Sexta,Capital

Enfim, a situação da Dengue parece acalmar, depois de uma aturado esforço das autoridades médicas e sanitárias. Parabéns! Agora, a população, essa é que continua a mesma. Ainda ontem, no meu bairro, Palamarejo, vi um carnaval de sacos de lixo pendurados nas varandas, árvores e postes. Agora imaginem nas zonas onde efectivamente não há condições sanitárias. O trabalho é árduo. A cabeça das pessoas é mais difícil de mudar que toneladas de aço.

Natal vem chegando, mas ainda está tudo muito quietinho, crise oblige. O que de certeza não vai faltar é dinheiro para a paródia. É nesta época que se gasta mais em lixo que em outra coisa. Por falar em gastos, já tiveram a curiosidade de ver parte do dinheiro das famílias que é gasta em bebidas alcoólicas! É imenso. Vejam o site da INE.

Hoje sinto de novo o espírito da sexta-feira, embora não vá tomar a tradicional cerveja. Estou em trabalho de parto e na segunda já vos digo o que vou parir. Portanto, em vez de cerveja, a noite será de contracções e sofrimentos da criação. Para ajudar, estou a ouvir Jaco Pastorious esses dias, que me dá tanta inspiração. Sei pessoal, isto tá fraco esses dias, mas compreendam que há momentos de tal modo interiores que nada sai pra fora.

Bom FDS


30.11.09

Segunda-Versão

Aguardou que tudo se acalmasse, a televisão, os pratos, os meninos, os carros que passavam na rua, aguardou fingindo dormir, rezando por dentro, a pedir a deus que a perdoasse o pecado ao aceitar aquele pequeno pedaço de papel, que viu de soslaio tratar-se da palavra satânica, mas que não teve forças para esconjurar quem assim a pôs em contacto com o diabo, e em vez disso, como que arrebatada de paixão, guardou o pequeno anúncio, despachou as horas do dia, fez o almoço, deu de jantar à família, lavou a loiça, deitou-se cedo e aguardou que tudo se acalmasse. Enfim só os roncos da casa, pode tirar o papel, fazendo ainda uma pausa para avaliar o impacto junto a deus de uma tal incursão, assegurando-lhe que continuava devota e temente, mas que talvez ele quisesse que ela procurasse alternativas, que talvez ele não se importasse com um certo grau de desvio, assim a sua vida fraca e desesperada a obrigava. Leu.

MESTRE CURANDEIRO, que pode resolver todos os seus problemas seja qual for, tais como: encontrar trabalho, viagem, visto, inveja, pressão alta, quer ter filhos, dor de coluna, homem com problema de tesão, faz mulher voltar para homem que separa e o contrário, cura mulher com problemas vaginais, mulher que não consegue sentir prazer com homem, venda de propriedades, aumentar as vendas nos seus negócios, separação de amantes do seu marido, problemas espirituais e quaisquer outros problemas na sua vida…Resultado em pelo menos em 24h.

As palavras tesão e vagina irromperam-lhe um calor avassalador nas faces, sentiu-se húmida sem controlo do corpo, precipitou-se para o quarto de banho, depressa antes que pudesse estar possuída de loucura, chorou, lavou-se, continuou em cascatas de lágrimas para mais uma boa metade da noite, lamentando a sua sorte, a ausência dos odores do seu homem na sua pele, os odores de outras mulheres que era obrigada a respirar tantas noites seguidas, chorou até de madrugada. Mal pode dormir, levantou-se antes de todos como sempre, fez as preces, o pequeno-almoço, deu de comer a marido e filhos, que partiram para as suas vidas, sem sequer reparar que os seus olhos eram buracos ainda mais cavados.

29.11.09

Sabbath

Como é que uma pessoa pode descrever um espectáculo de Paulino Vieira? Vamos lá ver se encontro as palavras.

Tudo em Paulino é extra-ordinário, ou dito ao contrário, nada nele é ordinário, comum. Antes de mais, estamos a falar de um gigantesco talento musical, que pode tocar qualquer instrumento com a maestria que os solistas o fazem, de um fino compositor e o nosso MAIOR arranjador, ou talvez para ser modesto, o meu maior arranjador de música popular caboverdiana. Ontem, dia 28 de Novembro (este dia vai fazer eco na minha cabeça para sempre), ouvi arranjos, que não tem nenhuma outra comparação em Cabo Verde. Além do mais, a banda eram cordeirinhos guiados por este maestro-pastor: 8 músicos, 8 grandes, entre os quais, Bau e Voginha. Simplesmente lindo, mágico.

Bem convenhamos, o espectáculo cansou-me pra caramba, que não é todo o dia que uma pessoa aguenta aquelas cadeiras vergonhosamente desconfortáveis do Auditório Nacional, por 3 horas! E eu detesto parlapiação em espectáculos musicais, Paulino fala metade do espectáculo. Mas, quem disse que não é preciso sofrer para ter o privilégio de ser presenteado com cada uma das composições que ele, Paulino, escolhe com peso, medida, textura, volume, cor e outros atributos mais?

E por fim, o carácter desse homem, um extravagante por natureza. O meu coração encheu-se de alegria por vê-lo ontem tão incrivelmente feliz, a tirar pulos no palco, a rodopiar e dançar como um louco, a fazer acrobacias com um cabo de vassoura (sim, cabo de vassoura!), a contar piadas, a abraçar os amigos, a agradecer a todos, que como se adivinha, o ajudaram a sair das trevas que ele atravessou (ou atravessa). Da última vez que vi Paulino num palco, era um animal perseguido por fantasmas, tinha os olhos como dois buracos negros, falava de desgraça, ria pouco, embora mantivesse intacto a sua pureza musical. Ontem vi um homem diferente e faço tantas forças que ele possa viver assim feliz para o resto do seus dias.

És uma inspiração Paulino. Que o Universo cuide de ti.

27.11.09

Vocábulos

Cloaca
Lugar onde se deitam as dejecções

Já viram a quantidade de coisas que cabem dentro deste vocábulo?

25.11.09

Quinta-Essência

Um deputado manda o outro aquela parte, o outro responde com ameaça de porrada, os dois andam por ali a engalfinhar-se, a imprensa e os coleccionadores de baixaria tratam de espalhar o acontecido pelos quatro pontos cardeais, não se fala de outro coisa nos cafés. Olvidamos completamente detalhes como, tratarem-se de deputados da Nação, por definição representantes do Povo no mais importante órgão de soberania de um Estado Democrático, que é a sede da Legislatura, são cidadãos respeitáveis (?), profissionais, pais, avôs.

Em vez de nós nos indignarmos em bloco com os dois malandros, andamos a tomar partido para uns e para outros. Há momentos na vida que nem família tem razão. Mas por cá, esse género de coisas é quintessencial, dá uma repintada na monotonia dos dias, acorda-nos do enfadonho das obrigações, atiça os selvagens que dormem dentro de nós, geram um mar de piada, coisa que mais o crioulo gosta de fazer, contar piadas. Eu não achei piada. Os dois deviam ter vergonha de ostentar os títulos que ostentam. E nós devíamos ter vergonha de não ter vergonha de nada, nem de lixo, nem de cocó, nem de cólera, nem de dengue, nem de deputado baixo nível.

Quarta-Parede

Há anos que tento psicoanalisar-me a ver se descubro as raízes do meu nervosismo que cresce com a aproximação do Natal. Talvez se explique pelo facto de o considerar um tremendo de um embuste, ou muito provável é que me irrite solenemente as correrias às compras e as enxurradas de dinheiro que, por mais que se evite, acaba por extraviar-se e invariavelmente resulta em diarreia e desarranjos digestivos, ou de certeza é que me chateie um determinado novo-riquismo deficitário de autênticos valores de família, amizade, verticalidade de carácter e observância de princípios.

Seja qual o factor determinante por este sensível incómodo natalício, certamente também estarão incluídas as lembranças de outros natais, quando a família devia estar unida e não estava, ou os diferendos entre as pessoas deviam estar sanados e não estavam. Em vez disso tratamos de nos esfalfar para conseguir a que preço estiver, aquele bacalhau que vem lá da Noruega, para depois ganhar acréscimos comerciais em Portugal, para finalmente chegar aqui. Nesta altura as importações do país, já de si graves, devem disparar para níveis próximos do ridículo.

É também o tempo que me impressiona, sempre impressionou desde menino, como os pobres, miseráveis, doentes e tristes, ficam ainda mais expostos na sua má sorte e deprimidos, mais à margem que ficam de uma competição com capa de fraternidade e amor. Juro que tenho uma raiva estrutural pelo Natal.

Mas também sou pai e a porca torce o rabo. À medida que a minha menina cresce e passa da ignorância total em relação a essas matérias, ao fervoroso desejo de ter coisas, sinto-me dragado para esta feira de vaidades, impotente, como quem não pode lutar contra correntes marítimas fortes. Involuntariamente, através do mais que legítimo desejo dos filhos, que não é mais a compilação dos nossos próprios desejos, perpetuamos o sistema, como animais que se enfileiram para um sacrifício, ignorantes do seu destino.

Natal é o tempo em que o faz-de-conta eleva-se ao quadrado, ao cubo. Cada um deve arranjar formas de demonstrar a todos, que está de perfeita saúde financeira, quanto mais enfeites melhor, que se rala pela união da família e da sociedade, nem que isso tudo se esfume logo depois.

24.11.09

Serviço de pensar temporariamente desactivado. Por vezes é preciso sobreviver.

Aos amigos a promessa de rápidas melhoras de dignidade de vida e retorno à normalidade. Até já.

20.11.09

Sexta-Capital

A Semana saiu cedo esta semana. Cristina Duarte na manchete. Eu que sou fã incondicional da Ministra, até porque é uma bela mulher, vou ler direitinho a entrevista. Para mim é um dos poucos governantes que trabalham a sério e, capital, fala a sério, não escondendo rotos e valorizando devidamente o seu trabalho. Quem já teve o previlégio de trabalhar com esta senhora sabe que, defeitos lá tem como todos, ela é metódica, marrona, característica essencial para quem quer vencer desafios difíceis, escuta os que estão na ponta das inovações e pessoa de uma grande cultura. Quem disse que berço não conta?

A capital volta às suas actividades à medida que os doentes se recuperam e desvanece o, exagerado, estado de pánico. Assim, de novidade mesmo é o festival Faxi-Faxi que vai acontecer na Praia, que vai dar mais uma ajuda no audiovisual deste país. Tenho dito, tenham atenção no audiovisual, que vai dar que falar por cá, pelo menos assim espero. E que grande novidade é essa de Paulino Vieira na capital, acompanhado de, pasmem, Tcheka, Hernáni, Bau e Voginha. Mas isso é um festival!

Tremi de alegria pela exposição de Manuel Figueira que aconteceu em S.Vicente, por razão tripla: porque é o regresso de um dos maiores, senão o maior artista-plástico caboverdiano da actualidade a exposições em sua terra; porque ele, junta com a minha heroína Luísa Queirós, despoletou todo o meu sentido arte visual; porque a galeria é de um dos meus compas de infância e outro magnífico artista-plástico, Alex. É bom que grandes exposições como essas aconteçam, para que os que iniciam como nós, se ponham no devido lugar. Para os que acham que estão por aí a fazer arte e fazem cocó, permitam-me este arroto. Para quando Manuel Figueira, em pompa, de novo na capital?

Hoje ainda não tá no clima certo para a costumeira cerveja de sexta. A cidade ainda ressente-se. Tá completo mais um ritual, eterno, de iniciar e terminar semanas. Bom FDS.


Quinta-Essência

Vai passando o susto da Dengue e, afinal, não precisa de preocupações maiores, bora lá relaxar com isso de limpar. Continuo a ver nas mesmas varandas das mesmas casas pseudo-chiques, porque de chiques só tem a pretensão, a pendurar os seus saquinhos de lixo na cerca da casa ou tão discretamente enconstada ao portão. Lixo em si não dá Dengue, o que dá é a mentalidade de, o problema não é bem comigo, é mais com os outros, que dentro da minha casa tá limpa, fora de casa já é problemas dos outros. É assim a nossa maneira de ser, passa o susto, volta tudo ao normalinho. Já se esqueceram que no ano passado morreu mais gente de Paludismo que este ano morreu de Dengue? Já se esqueceram da Cólera? E o que mudou radicalmente nas nossas atitudes e acções? Nada! Uma certa estupidez faz parte da nossa quintessência.

As duas organizações do nosso coração, os dois partidos, preparam-se para se bloquear em mais uma questão importante para o país, como é o Orçamento do Estado. Já ninguém fala da Reforma da Justiça, que tantos sustos como a Dengue nos causou num passado bem próximo. Ou a Revisão da Constituição, que dizem que é a nossa lei fundamental, que já por aí tá explicado o nosso atraso, porque não há meio de se renovar. Entretanto a polícia matou um jovem, em "acção defensiva". Mas quem se rala com a morte de um jovem em Casa Lata?! Compreendam que a polícia poupou esforços numa perseguição desnecessária e meteu bala na nuca do jovem, fosse thug ou não, isso depois vamos saber. Mas tão a ver petições a exigir o fim da violência policial? Que nada!, morando em casa lata, é muito provável que seja um thug e, se calhar, como disse o Ministro Lívio Lopes, é uma acção normal de combate à delinquência juvenil. Pois, é dessas "normalidades" que vamos construindo um belo lugar para viver.

Lembrei-me que cada bairro podia ter uma associação...Que nada, esqueçam este delírio pateta, bora lá cuidar do sofá para sentar a nossa bundinha crioula malandra.

19.11.09

Quarta-Parede

Furtado é um crápula!, rasgou este raio a calmaria da tarde na esplanada. Que dizes, mulher? A esplanada é a proa de um barco em pedra. As amigas pararam de súbito a música que faziam tilintando o gelo nos copos de whisky, não repararam que ela começara um choro miúdo, perdidas que estavam na distância do horizonte. Que dizes, mulher? Que Furtado é um crápula, agora em pingos maiores, um porco, uma fraude de trinta anos este meu casamento, que não posso mais, lágrimas torrenciais! Não repitas asneiras, mulher, Furtado é um homem bom para ti, Não é, deve amar mais as cadelas das amantes que eu, as ondas batiam com violência em baixo nas fundações da esplanada, rolando os calhaus em rufar alto, ela abria-se em prantos, nunca antes ouvidos. Devo terminar com esta condição de não ser mais mulher, soluços secos. Não sejas burra, amiga, tens a vida que nenhuma de nós teve, avalia bem. É amiga, pensa bem. Pois, pensa bem, essa deve tar rebolando-se de contentamento, tempos há que noto que arrasta as duas asas para cima do meu marido, a cabra. As decisões não se tomam a ferver, pensa que tens mais futuro a viver que passado vivido, aliás do passado nem guardas grandes alegrias, tens agora uma boa vida. Furtado cuida mais do carro que cuida de mim, voz fina. Pára com tolices, mulher, olha para ti! Um estalo que lhe estancou a choradeira, o resto da água corria-lhe pelos olhos morridos, cara abaixo, nas inexpressivas faces, secando-se de seguida ao vento, as ondas, os calhaus, retornaram ao seu rufar pendular. Amiga, nenhuma de nós viveu os sonhos de meninas, nem amou os homens de revistas, nem se deitou em lençóis de seda. A vida reserva-nos dificuldades e Deus sabe as dificuldades para darmos de comer aos filhos, se permitir um pouco de conforto.

Meteu ar no peito, secou com as mãos o molhado na face, na fronte, tirou ar, as palavras das amigas flutuavam como cantigas de embalar, respirou com calma, da bolsa tirou um pequeno espelho, pente e batom, ajeitou-se, os lábios eram de novo tinta brilhante, endireitou-se, alinhou as mamas, era de novo a mulher ornamento que sempre foi. Ao pegar no cartão do banco para pagar a conta, gesto repetido inconsciente, e as chaves do carro, prendas de Furtado, o sol tornou a brilhar no seu céu, Que tontice a minha! Recolocou o sorriso discreto de dona de si, voltando-se para as amigas, com o ar de decisão que lhe conheciam, e ordenou, Vamos?

17.11.09

Terças

Brama
Arrumou o biquini no carry-on, com a mesma excitação de criança que arruma o caderno na mochila para o primeiro dia de aulas da vida. Ganhou uma bolsa de estudos para o seu doutoramento. Centenas de países por escolher, sentiu-se atraída por Cabo Verde, porque leu, ouviu, contaram-lhe da boca dos próprios caboverdianos imigrados na sua cidade, as virtudes de viver em Cabo Verde, ainda mais tratando-se de moça nova, com os cartuchos do amor ainda plenos, viçosa, belíssima como era Júlia. Ia viver para umas ilhas, mar e música por toda a parte, gente sorridente, calma como a própria brisa, um país em paz, reputado pelo seu desenvolvimento, terra onde cresceu o grande ideólogo, que Júlia já conhecia por estudo até os hábitos mais íntimos, Amílcar Cabral. Abandonaria a vida entalada em filas, elevadores, subterrâneos e autocarros, para enfim ter um pouco de sossego para os estudos, a grande dedicação da sua vida.

Vixnu
Aterrou com o sol a desferir raios no asfalto e carros irritados apertando-se na estrada, trocando furiosos apitos e palavras ácidas. O condutor do seu táxi, sem muito se importar com a presença delicada da moça, mandava a sua parte de gritos para a rua. Branca, foi a primeira coisa que lhe chamavam em todo o lado, caso não suficiente para lhe tirar o sorriso e os bons-dias que distribuía sempre. Foram dois dias até ser apresentada nos rapazes interessantes e nas meninas que tinha que conhecer. Em breve já estava no circuito dos bares e da moda que se instalou de se sentar ao luar na praia, onde se acendia uma fogueira e charros. Conheceu a vida de todos em pouco tempo, os cornos, os cabrões, as putas. Rápido abandonou o circuito para se refugiar em bares menos povoados, lendo os livros que tinha que ler para o trabalho. Deixou de frequentar as praias por insistente assédio de tudo quanto era homem, que julgavam que moça linda assim, só na praia, precisava de conversa. Foi roubada duas vezes no apartamento que lhe calhou no meio de um casario informe, onde também faltava luz dia sim, dia não, não tinha água sempre e frequentemente arrebentava a fossa em frente. Mantinha o sorriso. Que terra não tem problemas, o próprio dela morria gente a toda hora de assalto e pessoas passavam a maior das dificuldades. Respondia sempre com grande sabedoria das ciências sociais, É um processo histórico, são dinâmicas de toda a sociedade e a vossa tem muitos aspectos positivos, É um país em paz, reconhecido no mundo todo, um exemplo em África.

Shiva
Tiraram-lhe dinheiro a mais da conta na última transacção da caixa automática, estava ela no balcão do banco pela quinta vez a tentar demonstrar que havia uma irregularidade, insistindo com o moço do balcão, que abanava compulsivamente a cabeça em não, que a irritava aquele abanar, mais explicava, mais o moço abanava negativamente a cabeça, mais a irritava. A menina de porcelana estraçalhou-se em cacos, de fúria contida, de acumulação de desaforo. No lugar do sorriso habitual suave, arreganhou os dentes, deitou fogo pelos olhos, de ruga fendida no meio da testa, descarregou a ira para cima do moço que, pobre, involuntariamente ouviu todo o tipo de considerações, sobre a incompetência dos serviços, a ineficácia dos horários e dos prazos, a péssima cara dos atendedores públicos, o atraso, a moleza e os demais defeitos, de como se arrependeu de um dia ter apanhado o avião para aqui, que regressaria imediatamente, que nunca mais voltaria, desejou venenos e infelicidades para o país, rasgou os modos de colégio, de mão na coxa e a outra em riste, arrebentou as costuras do decoro e da elegância. Depois desapareceu

16.11.09

Segunda-Versão

Foi quando percebi que na política, uns sentem e outros a praticam. Parei de bebericar o capuccino, hábito gostoso vendo televisão, como chá, vinho ou pipoca. Parei de escutar os ruídos da casa, rádio, frigorífico, e da rua, carros, buzinas, gente, para me dedicar de plenos sentidos à televisão. É quando acontecem desastres ou atentados, ou como nesse dia, pela primeira vez, Octávio, companheiro de anos distantes, agitava-se dentro da televisão, falando num comício do partido. Não que fosse inabitual aquela tonalidade apocalíptica de discurso político, é que não havia possibilidade nenhuma de identificar aquelas palavras com o familiar camarada de sentar o rabo numa escadaria do nosso bairro, a tecer considerações sortidas sobre tudo o que ocorresse, sem a mínima preocupação de ligar efeitos, causas ou consequências, valendo só a passagem do tempo. Octávio, na televisão, em comício de partido, falava como os outros falam, de tortura, monstros, elevando a voz e cerrando os punhos, rematando as frases com murros no púlpito, recebendo em troca histéricos aplausos, apupos. Faz pausas para se ajustar no fato, que não teve tempo de encontrar gravata apropriada e calhou aquela de bolinhas, limpa charcos de suor que lhe inundam a cara e, na diminuição do frenesim do povo, retoma com igual ferocidade verborreia, reactivando os ânimos, os aplausos, apupos. Lista sofrimentos que teve na vida, sem que em instantâneo flashback eu pudesse descortinar o momento histórico de tais tormentos. Antes da escola, fomos inocentes, comum em putos. Na escola aconteceu-nos participar em organizações juvenis, que tempos depois, vim a saber, lavavam cérebros, e nas paredes, quadros com nomes, depois vim a saber, eram os lavadores de cérebro. Nada mais que as excitações das visitas de estudo, as excursões ou as assembleias de brincar de discutir a política. No liceu, o cérebro deslocou-se mais para baixo e tortura mesmo era amor não correspondido. Depois do liceu, cada um partiu para um lado e reencontrávamos nas férias para tortuosas e quentes noites de paródia. Não encaixei as assombrações que Octávio repetia de voz trémula, choro quase.

No dia seguinte, a tarefa era de topo de agenda, fui vê-lo, sem delongas circunstanciais ou desnecessários preliminares, perguntei-lhe, Que palavras eram aquelas, amigo? Onde foi parar as nossas dissertações sobre a justeza das ideias e o comedimento das acções, os teus sonhos, pátria e utopias? Sem se perturbar, de pé, sério, esperava-me já diria, encolheu os ombros em sinal do mais patético dos óbvios, disse-me, Acabou a brincadeira, amigo, entrei na política.

13.11.09

Sexta,Capital

Sociedades não se medem em termos absolutos, pela razão que há pessoas que são mais que uma unidade, são muitos em um. A dificuldade é que “muitos” não é um número e daí não se saber ao certo qual a diferença que uma pessoa, que é muitos em um, faz. Mas sente-se. O país está a meio-gás, não porque metade da população está de baixa, mas porque pessoas e projectos bem identificados estão de baixa. Não porque se abateram, mas porque fogem. Vão para onde supõem estar seguras e confortáveis. O país está a meio-gás porque tá furado aqui e ali.

Cancelam-se bienais, viagens, adiam-se projectos. Entretanto Raiz di Polon perfaz 19 anos, bonita idade, e oferecem um ensaio aberto hoje, em sua sede. Apareça quem quiser. Entretanto nós os de cá, que não fugimos, ou não temos onde fugir, ou não queremos fugir, aguentamos as pontas, suportando os mesmos asnos e contentando-se com as mesmas pessoas e natureza. De todo o modo fugir para onde? Para onde haja gripes A ou outras bizarrias feitas em laboratórios? Para palcos de guerra? Para países onde já não somos mais bem-vindos? Onde se cultiva a intolerância?

Ontem minha amiga dizia que, o mundo fatalmente entra em fases de estupidez generalizada, aumentando a tensão até limites do insuportável, rebentam-se guerras e conflitos, para depois retomar-se os caminhos da normalidade e razoabilidade. Pois parece-me que o mundo anda nesta fase da estupidez generalizada, com modelos económicos que já pareciam naturais a colapsarem, com mais e mais doenças a aparecer todos os anos, com as abismais diferenças entre países e pessoas, mas sobretudo com a falta de vontade de nos entendermos, cada um a querer fazer vingar a sua lógica, ou achando arrogantemente que a sua lógica é A lógica. Não há onde fugir. Lutemos. Vão à vossa sexta, bebam a cerveja de praxe, mas saibam que não é tempo de relaxar.

12.11.09

Quinta,Essência

Está tudo doido em torno, gente doente, com medo dessa doença nova odiosa, de outras que se vem juntando, de outras que já estavam e progridem, tais como os que matam de coração, de comilança, de gordura, de falta de higiene de vida. A cidade está sacudida. Costumávamos brincar que Deus é caboverdiano, face a perigos que nunca davam em nada, casas podres que não caiam, epidemias que espreitavam e não aconteciam, face a toda a casta de desleixo sem consequência. E agora, que epidemias acontecem, há mortes e centenas de doentes todos os dias, casas caem, a chuva, tradicionalmente amiga, leva na enxurrada uma vila inteira, turistas cancelam visitar aqui, empresas vão à falência, há mais famílias no desemprego, estrangeiros vêm nos ajudar, porque sós não aguentamos tanta fúria, será que Deus renunciou à sua nacionalidade caboverdiana? Deus cansa, né?

Mas apesar de, de facto, estar tudo doido, a maneira desse povo não mudou muito. Além de continuar a sujar, mijar na rua e gritar palavras de boca suja, o que continua mesmo permanente é esse estado de espírito, como se nada estivesse acontecendo e tudo fosse só mais alimento para piadas. A gente de S.Vicente diz que, agora na Praia, se não se morre de gang, morre-se de Dengue, na Praia dão alcunhas para o demónio, Sakudin, Feru-Gaita e nomes assim, na Boavista continuam a culpar os Badios de ir pra lá montar o inferno. Tudo é um pouco a brincar, do douto doutor ao povo ralé, todos brincam, até mesmo com o Diabo. É da nossa quintessência.

11.11.09

Quarta, Definições

mamata
(mamar + -ata)
  1. Empresa ou administração pública em que políticos e funcionários protegidos auferem lucros ilícitos.
  2. Exploração ou lucro que resulta de suborno ou tráfico de influências. = comilagem, ladroagem
  3. Pop. Negociata, roubo.
  4. Emprego lucrativo sem grande esforço. = conezia, mama, sinecura, teta, tribuneca, veniaga
  5. Ganho ou coisa pouco lícita. = expediente, marosca

marosca
(origem obscura)
Trapaça, arriosca.

arriosca
(origem controversa)
  1. Alguergue.
  2. Intriga.
  3. Logro.
  4. Falcatrua.
(Fonte: www.priberam.pt)

Palavras, até com uma dose de fofura, não faltam para denominar chico-espertice, negócios obscuros, transacções controversas, cálculos indevidos de remunerações próprias, beneficiação involuntária de próximos e parentes, macaquiça...

10.11.09

Terça, 1/3

Para os lados de Palmarejo, quem vem de Quebra-Canela, há batalhas aéreas de Marcianos pela madrugada, largam bombas que fazem buracos na estrada. Quem vem com o carro, livra um buraco e, tunfa!, apanha com outro mais ao lado. Uma irritação diária. Marcianos no ocorrido são de três espécies: o Calceteiro Preguiçoso, o Capataz Fanfarrão e o Engenheiro Irresponsável. Mas entretanto há outras teorias, que ocorreram no passado: a Câmara mandava calcetar e vinham Marcianos da Oposição pela madrugada e descalcetavam. Seria possível? Teoria de Conspiração ou não, o facto é que toda a manhã a cidade acordava esburacada. Sou mais pela primeira teoria dos três Marcianos.

Terça, 2/3

Que são buraquinhos na estrada face à falta de electricidade? Da estrada, podem tirar os paralelos todos, mas será pensável tirar a electricidade a uma pessoa um dia todo, todos os dias? Que Estado de Direito, se não posso processar ninguém pela comida que me estraga no frigorífico, com risco a cada vez de arrebentar o próprio frigorífico? As horas de trabalho que não faço em casa, como se existe homem com poder tanto que me diga que não posso trabalhar em casa? Quem processo por perda de conforto, perda de paciência, perda de paz interior? Mas quem se rala com o conforto e as horas de trabalho extra perdidos, quando morre gente de doença mais séria?

Terça, 3/3

Ouvi ontem o Ministro da Saúde em mini entrevista pela rádio. Era de dar dó! O homem tinha a voz sem o trovão habitual, parecia que vinha a nado por um oceano revolto. Fazia o pobre ideia que por águas crioulas, mansas e quentes por natureza, seria possível tamanha tempestade? Anunciou ajuda de muitos especialistas, da França à Indonésia, mas perguntado, uma pergunta deveras sacana numa hora dessas, sobre um novo hospital, deu guinadas na voz, disse que por agora o que importa mesmo é a Dengue, que sobre o novo hospital, depois da crise, havemos de falar disso, talvez. Espera! O Ministro disse “talvez”? Ah pois, disse. E é isso que acontece a Comandantes que não comandam as naves com mão firme: um dia ou outro a tempestade avassala.

9.11.09

Segunda, Não retoma nunca mais

Já viram birra de criança? Este quer um brinquedo, que também quer aquele, apesar de haver brinquedos de sobra, um puxa dum lado, outro puxa do outro, depois um mete a mão no outro, o outro desata aos berros, a mamã ouve a birra e deixa, a ver se num lance de democracia os meninos deslindam a contenda, mas não deslindam, principalmente se de machos se tratarem, porque parece que a qualidade masculina é dada a um certo embrutecimento, vendo que não adianta e só resulta em enguiço, a mamã intervêm e não raro ter que fazer entender a voz alta da autoridade.

Já me irrita o impasse da Revisão Constitucional, as manobras de uns e as intenções de outros. Esses meninos já mereciam uma palmada!

Segunda, Retoma II

Vamos à mobilização. Sim senhor, um primor ver gente chique, menos chique, nada chique, todos trajados de camponeses, de pá, enxada e vassoura na mão, limpando a empena das suas casas e arredores. Não tão bonito foi ver árvores cortadas!...Cortou-me o coração.

Aliás, por falar em árvores, em CV não é nem crime legal, nem delito moral, deitar abaixo as árvores. Uma árvore vai pró chão com a maior das facilidades, sem que ninguém sinta uma ponta de tremor de indignidade. Isto numa terra em que, sendo seca, uma árvore crescendo e mantendo-se viva, simboliza uma vitória. E num ápice vai abaixo! Tremenda estupidez e prova que as operações não estiveram sempre bem coordenadas no terreno.

Ainda há tempos, para as obras de asfaltagem de algumas vias da Praia, obras polémicas, porque bonitas mas não necessariamente inteligentes ou responsáveis, como vieram a provar as chuvas, mas dizia, por altura dessas obras, deitaram-se abaixo dezenas de árvores. Adivinhem para quê? Para permitir a operação das máquinas!...Um acto de bradar ou de enfiar na cadeia quem permitiu.

O que é bom para a literatura é que este povo não pára de fornecer situações parvas, cómicas, estúpidas e caricatas. Escrevam, que terão inspiração todos os dias.