20.4.09

Aves raras

Era uma vez um pássaro chamado Filú. Só podia ser avistado na floresta encantada de Cabo Verde. Na origem, nem passarinha exótica, nem imponente águia-real. Somente um pássaro de voo comum, simpático e divertido, integrado e querido da comunidade. Um dia o pássaro Filú ambicionou voar mais alto e entrou na política, a conhecida corrente de ar ascendente, que projecta passarinhos e passarões para cima, sem que necessitem bater muito as asas. Filú ganhou alturas e embriagou-se. Sofreu metamorfoses, ficando as asas maiores e a plumagem mais pomposa. Aprendeu a fazer umas piruetas e passou a gritar, convencido que cantava. Tornou-se arrogante, voando e cagando a cidade toda, convencido que a sua porcaria representava uma bênção que caia dos céus. Tornou-se predador, alimentando-se dos da sua espécie, sendo jovens pombos o seu pitéu preferido. Tornou-se ave rara, ambicionando voos ainda mais altos e foi então que a população, em eleições, resolveu cortar as asas do bicho, que levou um grande e inesperado tombo.

De um dia para o outro, o pássaro Filú deixou de se ver. Recomeçou a piar timidamente pouco tempo depois, um piar de lamento. Passou a deslocar-se aos pulinhos, em figura triste. Nisso, um outro não menos notável passarinho, conhecido por moranguinho, tendo enchido o coração de piedade, ofereceu ao pássaro Filú um par de asas, não tão potentes, mas suficientes para, em pouco tempo, resgatar a sua capacidade de voar e, em pouco tempo, já piava com mais força, ensaiava novos voos e sem muita modéstia voltava a querer descaradamente ganhar os ares, ainda a cidade a tentar desincrustar a acumulação de porcaria deixada por anos de cagada.

9 comentários:

Linda disse...

Isto deve ter sido inspiração do «The big eyed fish» dos Dave Mathews Band. Se não, seria uma óptima música de fundo para se ler com o teu post.

Salim disse...

Hahaha! Excelente César! Curti à beça! :-D

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Anonymous disse...

fantastico...
belissimo texto...
:-))))))
nunolobo

Hermano Lopes da Silva disse...

Assim sim, vale a pena falar de coisa séria sem perder de vista o lado lúdico e humorístico. Cesar, ler este trecho é como tropeçar nos aforismos de Franz Kafka e bater de bico, antes de o partir, num soneto do Pessoa e parti-lo mesmo, enquanto, entre as asas do tempo e o corpo, transportamos a nostalgia do polemista (Eu)génio Tavares para a tortura merecida da classe temperada com o descuido da plebe «invisual» embriagada no embalo irremediável do canto dum cântico maquiavélico e maléfico (se ingénuo n fosse) do zarolho que no «deserto» reina…
Abraço
Hermano lopes da Silva

Minhokinha disse...

Mas o que é isto que meus olhos contemplam? Um verdadeiro conto satírico de se lhe tirar o chapéu? Muito bom, César, estás de parabéns! Continua a exercitar a veia que ela está a pedir.

Beijinhos da Minhokinha*

João disse...

Recomendado por um amigo, a leitura do "Aves raras" do César Schofield proporcionou-me um enorme prazer. Rico e ao mesmo tempo lapidar, o texto vê-se ainda credor de comentários superiores. Sendo o do Hermano disso paradigmático, gostaria ainda de acrescentar que a avicultura política a que muitos se dedicam não lhes renderá muito mais se vocês não temerem o epíteto de "avicidas" e, de forma lúcida, denunciarem o desenvergonhado ensaio a que se propuseram levar a cabo no nosso país, isto é, transformar os cargos públicos em "lugar de cagada". Parabéns e saiba que sempre gostei de te ler. Abç de Macau, João Francisco B. Santos (DJON)

Cesar Schofield Cardoso disse...

Eu quero um Chapa Amarela, eheheheheh

De preferência com 4x4, motor V8, ar condicionado e condutor, claro está!

Pss disse...

Em relaçao ao meu comentário anterior um amigo (que por acaso me pediu para ler esse texto) perguntou-me porque eu é que eu fiz um comentário anónimo. Acho que está assinado desde que eu envio o comentário com meu utilizador registado. Mas mesmo assim cá vai a assinatura para este e o comentário anterior: Paulo Alexandre dos Santos Silva

Cesar Schofield Cardoso disse...

Oi JP. Moranguinho é o nosso Primeiro-Ministro, porque ele é fofinho :)

Obrigado pela força.
César