23.5.09

Ninfa e nuvens

Entrou o que podia ser um papá que ia oferecer um lanche à filha na esplanada favorita dos arredores da escola. Hora habitual de acontecer um café em pensamento livre, gente a passar, meninos, lavadores de carros, vendedores, tudo em movimento comum, excepto que a mão que se pousou no joelho da pequena não era gesto fraterno. O acidente da colher na chávena foi um espasmo do pressentimento com repentino medo de se verificar.

A forma como a cara barbuda olhava para os seios finos da criança soltava um cheiro de pêlo grosso que se esfregou num púbis de pêssego. A menina tinha pés bonitos, ancas leves, sem cintura, em vez de braços linhas, olhos de céu, olhar indeciso vendo caras ao redor, talvez de ciúmes, chateadas, ou de vergonha da mão que continuava no joelho. A forma como a cara barbuda expirava o bafo perto da boca da menina e em troca inspirava o aroma dos seus poucos anos, enchia o ar de enxofre. A criança tinha bata e mãos a tremer, unhas pintadas, sorria como adulta, mas piava em vez de falar.

Podia ser uma filha a ver para um pai, explicava às voltas o estômago, tentando desembrulhar uma ideia do que tinha a dar tal menina nova a tal homem velho. Em trago final, uma gota de café rebolou lento, tentando combinar outras possibilidades. Aguardou. Nada justificava que continuasse em redemoinhos. Ninguém via ou fingiam tratar-se de acto natural. Desistiu desaparecendo num sorvo. De dia, debaixo de quem passava, um pai possuía uma ninfa, que naquele momento tinha de estar sentada no banco de uma sala de aulas de aprender a sonhar com nuvens.

Sem comentários: