25.11.09

Quarta-Parede

Há anos que tento psicoanalisar-me a ver se descubro as raízes do meu nervosismo que cresce com a aproximação do Natal. Talvez se explique pelo facto de o considerar um tremendo de um embuste, ou muito provável é que me irrite solenemente as correrias às compras e as enxurradas de dinheiro que, por mais que se evite, acaba por extraviar-se e invariavelmente resulta em diarreia e desarranjos digestivos, ou de certeza é que me chateie um determinado novo-riquismo deficitário de autênticos valores de família, amizade, verticalidade de carácter e observância de princípios.

Seja qual o factor determinante por este sensível incómodo natalício, certamente também estarão incluídas as lembranças de outros natais, quando a família devia estar unida e não estava, ou os diferendos entre as pessoas deviam estar sanados e não estavam. Em vez disso tratamos de nos esfalfar para conseguir a que preço estiver, aquele bacalhau que vem lá da Noruega, para depois ganhar acréscimos comerciais em Portugal, para finalmente chegar aqui. Nesta altura as importações do país, já de si graves, devem disparar para níveis próximos do ridículo.

É também o tempo que me impressiona, sempre impressionou desde menino, como os pobres, miseráveis, doentes e tristes, ficam ainda mais expostos na sua má sorte e deprimidos, mais à margem que ficam de uma competição com capa de fraternidade e amor. Juro que tenho uma raiva estrutural pelo Natal.

Mas também sou pai e a porca torce o rabo. À medida que a minha menina cresce e passa da ignorância total em relação a essas matérias, ao fervoroso desejo de ter coisas, sinto-me dragado para esta feira de vaidades, impotente, como quem não pode lutar contra correntes marítimas fortes. Involuntariamente, através do mais que legítimo desejo dos filhos, que não é mais a compilação dos nossos próprios desejos, perpetuamos o sistema, como animais que se enfileiram para um sacrifício, ignorantes do seu destino.

Natal é o tempo em que o faz-de-conta eleva-se ao quadrado, ao cubo. Cada um deve arranjar formas de demonstrar a todos, que está de perfeita saúde financeira, quanto mais enfeites melhor, que se rala pela união da família e da sociedade, nem que isso tudo se esfume logo depois.

3 comentários:

Anonymous disse...

Houve algum complot, por parte de alguns blogs, para proteger o KK B da cena que fez no parlamento essa semana? Porquê quase ninguém falou disso? Ai artistas dessa terra… Protegem-se uns aos outros? Lamentável!!!
João Silva.

Mestrando disse...

E O Q NOS DEIXA AINDA MAIS A MERCE DISSO SÃO AS TVS.PQ MESMO Q QUEIRAMOS FUGIR DE TODO ESSE CONSUMISMO LOUCO,A TV NOS DEIXA MEIO DESAMPARADOS CM TANTA OFERTA(POBRES CRIANÇAS E POBRES PAIS Q TEM Q TOMAR ISSO NA CABEÇA 24 HORAS POR DIA ATÉ JANEIRO)
MEU PAI ERA FELIZ E NÃO SABIA:GANHAVA TODO O ANO QD ERA CRIANÇA UM BALÃO E UM APITO.E FICAVA O RESTO DO ANO A ESPERA DESSE MESMO PRESENTE SEM SER BOMBARDEADO CM COISAS Q A MÃE DELE NÃO PODIA COMPRAR

Cesar Schofield Cardoso disse...

O segredo é começar a ter uma conversa desde cedo com os nossos filhos sobre o que é de verdade e o que só parece de verdade. Oferecer-lhes muitas alternativas prazeirentas e construtivas é tb uma boa táctica pra tentar encaminhar-lhes da melhor forma. O resto é seja lá o que o destino reservar.

Até Telmo