23.12.09

Quarta-Parede

(Perguntaram-me o que é quarta parede. No teatro é a parede imaginária que separa o palco do público. Significa pois a linha imaginária entre a ficção e a realidade. Os espectadores e os actores criam em suas cabeças uma ilusão de realidade na encenação. Quando se "rompe" a quarta parede costuma resultar em efeitos interessantes, quanto baste, claro. Quarta parede aqui significa a mesma coisa: a linha ténue entre a ficção e a realidade)

Se nos derradeiros anos Filú, anos de delírio, o Natal assumiu proporções de espectáculo, este ano de Ulisses, por ter criticado tanto os excessos de Filú, poupou tanto nos adereços que o Natal na cidade está para lá de mixuruca. O problema é que, para compensar esta pobreza, criam-se umas pequenas aberrações, como é o caso de uma feira (se é que se pode chamar aquilo de feira) de artesanato em frente à Presidência da República (atentem bem onde: Presidência da República!). Para mim é o seguinte: ou não se faz nada, se a onda é poupar, ou quando se faz, vamos ter um pouco de - não é pedir muito - bom gosto!

Depois passei em outra pseudo-feira no Palácio da (in)Cultura. A falta de senso de bonito é de bradar. Mas já disse um dos meus amigos arquitectos: somos geneticamente de mau gosto visual. Aliás este é um assunto que pode ser tratado na rubrica "Quinta-Essência", de como a nossa Cultura tem uma componente visual tão fraca. Somos bons de música, bons de literatura oral, bons de outras coisas, mas visualmente somos uma lástima.

Fora do Plateau então, a cidade não existe. Fico a perguntar-me, entre os megas projectos para a marginal da Praia, a intenção (esmorecida) de criar ruas pedonais, as grandes promessas de Ulisses de um cidade cosmopolita, para quando na verdade uma cidade à medida dos seus habitantes. É que na Praia vive a maior parte dos quadros formados do país, muitos intelectuais, a maior parte dos professores universitários, todos os dirigentes políticos, toda uma sociedade de pessoas refinadas, que vivem exclusivamente no círculo das suas casas. Parece que não se incomodam com esta pobreza de espírito que envolve a cidade e nem contribuem a ponta de um corno para que algo mude. Enfim, é sempre a velha estória, entre o que imaginamos ser e o que somos na realidade, vai uma parede muito grossa.

6 comentários:

Anonymous disse...

Está praticamente tudo espelhado neste seu post. A mim incomoda-me...Incomoda-me o silêncio do Sr Presidente de Canbra e de seus vereadores perante o desfiguramento-abandalhamento das nossas ruas-estradas... a minha rua (rua lateral) foi transformada num beco...foi tomada por uma varanda de três metros, parece-me que essa varanda vai ser transformada numa barraca para produção de barulho... chamei os responsáveis, e nada. Os passeios da Capital-subúrbios estão sendo tomados, sem licença, para ampliação das casas/moradias...construção de garagens etc. Ninguém tem autoridade para... enfim..

Pss disse...

Não se pode pedir a uma cidade o que ela naturalmente não pode dar ! E Praia "naturalmente" está nos limites do que pode dar. Praia é bom. é óptimo é do melhor que há no papel que tem actualmente. Pedir mais é pedir o impossível. Mesmo com a força de dinheiro Praia fica no seu papel que lhe é destinado no todo nacional.

Cesar Schofield Cardoso disse...

Não podemos esquecer que a cidade somos nós. Nada mais. A mudança que tem que se operar é dentro das nossas cabeças. Da mesma maneira que eu estou aqui todos os dias a exigir que alguma coisa mude, se mais 20 mil pessoas fizessem o mesmo, as coisas mudariam realmente. Mas temos que exigir. Não nasci cá, mas sou daqui, faço a minha vida cá, já tenho uma filha cá, gosto daqui, todos os meus amigos e família estão cá...não percebo porquê não amar esta cidade! Não percebo as pessoas que não cuidam do espaço que vivem (e muito provavelmente vão viver pra sempre).

Não concordo PSS que a cidade está no limite. Esta cidade, com as políticas certas, mas essencialmente a autoridade certa, ainda tem muito pra dar. Mas tem que começar por algum lado.

Cesar Schofield Cardoso disse...

E por falar em cidades, a minha outra cidade, Mindelo, está em perigo. Assinei a petição que apela à preservação da antiga casa do Dr.Fonseca. Será que os habitantes daquela cidade vão deixar que aquilo venha abaixo? E o Éden Park? Que será feito dele?

Mindelo, tenho dito isso, vai sofrendo silenciosos mas terríveis golpes no seu património arquitectónico. Que dizer do acto de barbárie com o Café Royal? Que porcaria é aquela atrás do Centro de Artesanato? Então acham que aquela coisa junto da marina é fixe?

...Com mais proporção ou menos proporção, o facto é que não cuidamos das nossas cidades. Somos o povo do txá kagá

Marco Além disse...

Caro César.
Ninguém domina algo novo da primeira vez que experimenta fazê-lo. Obviamente, algumas pessoas têm realmente talentos ou capacidades naturais (genéticos?) que aplicam à(s) nova(s) experiência(s). Deve ser o caso do seu amigo arquitecto. Contudo, o domínio total, normalmente não ocorre durante o contacto inicial. Não me lembro de alguém que tenha aprendido a andar da primeira vez que tentou. A aprendizagem implica tempo e prática. A curva da aprendizagem, leva tempo (a quarta dimensão) para que de forma natural, alguém evolua de leigo para especialista. Pegando num belo exemplo que a natureza nos proporciona, se estiver atento, repare na larva que se transforma em borboleta. O que falta ao nosso povo, é educação para... E isso leva o seu tempo.
Só devemos olhar de cima para os outros, se for para lhes dar a mão e ajuda-los a levantarem-se.
Um Bom Ano para todos nós.
marcoalem@gmail.com

Cesar Schofield Cardoso disse...

Caro Marco, há uma coisa que podemos fazer para poupar tempo: deixar que cada função seja ocupada pelo melhor perfil. Aqui existe um desrespeito GRANDE pelo trabalho e capacidade de cada qual. Quando estou doente, não auto-medico, vou ao médico. É o mesmo com outras áreas, inclusive montar uma feira.