30.4.10

Pontos no Globo

O conflito que opõe o Google e a China é um caso interessante de como as empresas multinacionais viram tão gigantescas, ganhando poder de embater com Estados, igualmente gigantescos como o da China. Ou como o poder económico se confronta com o poder político.

*

Nós aqui chateados com os devaneios de Mário Soares, de que Cabo Verde teria mais a ganhar se ficasse anexado a Portugal, e Portugal a debater-se com a ideia de ser expulso da União Europeia, por causa de, imaginem, má gestão das finanças públicas. Pessoalmente não me parece que a União Europeia deseje tal cenário de ruptura, mas o simples facto de se colocar essa hipótese, deve ser uma lição aos saudosista do imperialismo, que tem problemas internos bem mais complicados a resolver, antes de pretenderem gerir outros.

*

Passou por Cabo Verde um iate com 200Kg de cocaína, que normalmente vem em estado puro, que depois de cortado pode se transformar em 400Kg. Isso é uma fortuna astronómica para os produtores e uma desgraça incalculável para os consumidores. Todos os dias há notícias de coisas ilícitas que passam por Cabo Verde. Somos parte de grandes desgraças globais: tráfico de drogas, armas, gente...

*

Um país pode ser meio metro quadrado, mas se é país é global e se é global faz parte dos problemas e das soluções globais. Teremos a consciência disso?

29.4.10

Quinta,Essência

Lars Von Trier é do género de realizador amar ou odiar, ponto. Um projecto seu pode não resultar num must, mas quem aprecia o cinema em todas as suas vertentes, vá lá, técnicas, não pode deixar de ficar babado com as suas obras. Há sempre uma maneira de fazer que ele subverte, um discurso que ele desconstrói, um ponto de vista inovador e há sempre sequências estrondosas, preparadas ao milímetro. Não gostei particularmente do argumento, ou melhor, de como foi dirigido o argumento. Mas amei as sequências de diálogos, com direito a "erros" como a quebra de eixo (jargão cinematográfico) ou a "erros" de focagem, "erros" de enquadramento, etc., etc., etc. Uma outra marca de Von Trier, que escapa a olhos destreinados, é o recurso à câmara na mão durante todo o tempo do filme, o que transmite ao espectador uma impressão de "estar lá", participar. Mas é um câmara na mão bem feito e discreto.

Para além da realização vem as outras coisas. O visual é puro espectáculo, feito pelo director de fotografia de "Slumdog Millionaire". A banda sonora é um actor ele próprio. A direcção de arte marca presença forte. E o mais forte do filme (como em qualquer filme de ficção que se preze) são as interpretações. Willem Dafoe, o máximo como sempre; Charlotte Gainsbourg, uma agradável surpresa para mim.

Este não é o melhor filme de Von Trier, de certeza, principalmente por ter entrado num género, algo entre terror e surrealismo, que outros dominam melhor, como o incomparável David Lynch. Mas ver Von Trier é sempre um acto de arte. Não são filmes para se gostar ou não; são rompimentos com os próprios limites da criação, que também causam desconforto e estranheza. Percebo os que odeiam, mas quem ama sabe do que estou a falar.

28.4.10

Quarta,Parede

Mãe, isto é como na escola? É, mais ou menos. Aquele homem é como o professor? Porque pensas que é como o professor? Manda calar, manda calar!... Sim, deviam estar calados. Mas eles não param de falar e cochichar e rir. Falta de respeito! Lá na escola quando falamos muito a professora nos ralha. Aqui não. Porque não? Porque são malcriados. Mas são crescidos! São mal-educados. Não foram para a escola? É, parece que não. Mãe, estão a brigar?

Silêncio na plateia! São lembrados os que estão na plateia que não são tolerados quaisquer perturbações à sessão, faz-se o mais absoluto silêncio ou serei obrigado a mandar evacuar a sala!

Faça o favor de continuar, senhor deputado.

complot

Os deputados da nação, na seu elevada consciência de nação, cientes do seu papel de denunciadores das situações menos favorecedores a uma sociedade justa e igual, já avisaram, alto e com bom som, nas antenas da rádio nacional, que o governo está a preparar um mega plano de controle da comunicação social. Avisam-se a todos os jornalistas que não terão onde escapar, ou farão judiciosamente o que a malta do governo mandar, ou vão ter que ver com a máquina vingativa do governo. E não pensem que estão safos os órgãos privados, porque segundo os competentes deputados, o governo vai tratar de arranjar formas maquiavélicas de exercer controle indirecto sobre os dito cujos.

Por enquanto, até que esteja retocada nos seus ínfimos detalhes sórdidos a tal lei, tem se recorrido a uma técnica simples para obstruir a palavra da oposição: toda a vez que um elemento da oposição abre a boca para falar, os técnicos da rádio e da televisão introduzem um ruído insuportável na transmissão. Graças aos valentes deputados, através das antenas da rádio nacional, tomamos conhecimento deste plano, que o diabo não se lembraria nem nos seus dias de maior inspiração.

Viva os deputados da nação!

27.4.10

Democracia elementar

Baltazar Garzón é um juiz espanhol que fez coisas impensáveis: deu ordem de prisão ao Bin Laden (que não compareceu, se calhar porque tinha uma indisposição, como uma determinada figura local), acabou com a carreira do ex-chefe de governo espanhol, Felipe González, ao denunciar um caso pouco abonatório, mandou extraditar Pinochet de Inglaterra para Espanha (que também não cumpriu porque tinha cãibra nos pés), julgou criminosos da II Guerra Mundial, pôs o diabo de quatro, só que, embalado pelo sucesso, foi mexer com gente poderosa dentro de casa. As elites, que tem mais força que o próprio Estado, arranjaram forma de agora ser ele a sentar no banco dos réus. Lá vão eles acabar com o defensor da justiça.

Fez-me lembrar o caso da apanha criminosa (do ponto de vista ambiental) de areia na ilha do Sal para a construção civil, por parte de empresas privadas, ao qual um brilhante e jovem juiz interpôs-se. Lembram-se? A coisa deu que falar. Aliás o dito juiz deu que falar por essa e outras, até que lhe arranjaram um lugarzinho na Assomada, onde faz sempre um ar fresco, a ver se o jovem esfria os ânimos. Bonito. O caso vai ser encerrado, por não cumprir com algum pormenor legal, as empresas supostamente infractoras foram todas absolvidas e já não vão ter que pagar a astronómica multa que seriam condenadas a pagar e não me espantaria se agora fosse o Estado a indemnizar as empresas em questão, por prejuízos materiais e morais.

Lição da história: mexam em tudo, menos no meu queijo (para quem conhece a parábola "Quem mexeu no meu queijo?").

É NÓS!

"Change is afoot in contemporary Cape Verdean culture. Young artists are set on stirring things up."
Leiam a história completa aqui em The Courier. Podem fazer o download da linda revista na íntegra (gratuita) aqui

Orgulho de ter o trabalho visto e apreciado por outros olhos. Orgulho de colocar uma das raras referências a Cabo Verde, sobre a arte, em circuitos artísticos africanos. Orgulho de ter trabalhado com gente que faz!

A mudança é um lento e imperceptível processo. Se juntarmos mais, catalizamos mais.

sétima,arte

Isto é Herzog. Fabuloso filme! Isto é Nicolas Cage como nunca o tinha vista. Como dizem, quem vê caras não vê corações. Quem vê para a cara deste filme (o cartaz) não consegue imaginar a obra, no mínimo genial, deste conceituado realizador. Quando vi o cartaz, de relance, pareceu-me um desses filmes ridículos sobre o patriotismo dos militares, etc., etc. Depois reparei que era Herzog e pensei, ou é um incursão desastrosa pela Hollywood de um grande realizador, como foi com Wong Kar-Wai em Blueberry Nights, ou o cartaz não foi bem concebido. Felizmente era a 2ª opção.

Mais uma vez, reforço a minha posição em relação ao cinema de que, o trabalho humano continua a ser o mais valioso. Nicolas Cage tem um interpretação incrível. A direcção dos outros actores é igualmente genial. A história, sempre a história, é do mais humano que se podia assistir num filme, vá lá, policial (porque é sobre polícias, mas nada a ver com o significado tradicional do termo).

E que haja cinema sempre! (E já nem me importo com o DivX)

26.4.10

Segunda,Versão


Nada como um ponto de vista alternativo para contar as histórias. Dizem que, na literatura e na arte, tudo está dito e tudo está feito, que o que torna uma obra diferente e original é o ponto de vista. Seguramente que sim. E os fazedores de obra fácil que tenham paciência, é preciso muito trabalho, muita experimentação, até descobrir o ponto de vista original para contar/fazer as coisas.

Quando este filme começou, disse para mim: "Não! Mais outro filme sobre a IIª Guerra, não!" Tive paciência para seguir e no final tinha visto uma grande obra sobre sobrevivência humana. Mão firme do realizador, sem os "truques de espectáculo" de Steven Spielberg.

23.4.10

Pecado,Capital

"O Papa Bento XVI foi hoje formalmente processado judicialmente nos Estados Unidos por alegado encobrimento de abusos sexuais por um padre de Wisconsin acusado de molestar pelo menos 200 crianças surdas entre 1950 e 1975."

Fixe mesmo era ver esse ex-nazista atrás de umas grades. Eu passaria a ser um fervoroso crente na Justiça Humana.

22.4.10

Quinta,Essência


"Cabo Verde é o país mais europeu de África"
Alberto Navarro (SAPO CV)

Este tipo de afirmação e outras, como a do Dr.Mário Soares que valia mais a Cabo Verde ter-se mantido nação portuguesa, estão na lógica das frases que Salazar proferia para convencer o mundo que na "Guiné Portuguesa" havia paz social, que "Angola é nossa", que Cabo Verde é Portugal, etc. Foram essas afirmações que os Nacionalistas contrariaram para poder ganhar a guerra da Independência. Mas o que me incomoda mais que essas afirmações fáceis e gratuitas, são os dirigentes e intelectuais caboverdeanos que no momento em que os seus pares europeus dizem essas coisas, ficam caladinhos. O meu medo é acreditem mesmo nessas afirmações ou, pior, que não tenham argumentos para rebater.

Agora pergunto, qual é o sentido da frase acima? Se é por causa da língua, não senhores, a nossa língua não se parece com o português; se é por causa da música, não senhores, a nossa música não se parece com a europeia; se é por causa da vida social, sim, é parecida; se é por causa da paz e da democracia....espera, isso não é uma invenção europeia; isso da paz e da democracia, ou a falta delas no nosso continente, não tem a ver com Europa (a civilização, subentende-se), mas sim tem a ver com processos históricos, governos africanos corruptos e governos ocidentais hipócritas, que ao mesmo tempo que reclamam por democracia, vendem armas.

A frase pode ser engraçada, como dizer que Lisboa é uma cidade muito africana. Só que para o nosso caso, onde o debate da identidade está carregada de contradições, essas frases parecem-me completamente evitáveis.

21.4.10

Quarta,Parede



Por hora e meia Marciano tinha estado mergulhado no livro, Pensamento Estratégico, de conhecido autor. Tirou a cabeça de fora e disse para a mulher, Mulher, vou ser presidente da república! A mulher, Luíza do nome, suspendeu o minúsculo pincel de frasco de verniz, tinha os dedos de um pé arreganhados por pequenas esponjas separadoras, enquanto iniciava a pintura do terceiro dedo do outro pé, com cuidado, exclamou seco, sem esforçar muito a expressão para não estalar a máscara de argila que lhe cobria a cara toda, O quê?! Vou ser presidente da república, repetiu em tom reconfirmante.

Ora, presidente da república seria o desfecho lógico de todo o seu percurso político e enquanto destacado membro da sociedade. Deputado da nação por vários anos, presidente da associação de pais na escola do seu filho menor, representante dos trabalhadores na sua empresa, dirigente desportivo, membro activo da campanha “dignidade aos gatos e cães de rua”, bom vizinho, amigo de todos, logo ambição natural. Achas que deva cortar o cabelo? A voz da mulher vinha da casa de banho ao lado, escorria água no lavatório. Luíza apareceu no quarto desmascarada e a sorrir. Preciso de roupas novas, vasculhou o guarda-roupa. Vais ser a primeira-dama mais bonita que este país já teve! Alegrava-lhe ver a mulher entusiasmada.

Apareceu no emprego de gravata, camisa e calças perfeitas. Cumprimentou a gente do trabalho, uma por uma. Ninguém deixou de comentar, ver, ou cochichar. Calmamente passou as mesas todas e foi se sentar no seu canto, triunfal. Pegou no telefone antes de qualquer expediente e fez questão que a conversa com o chefe do partido fosse audível. Compreendo, compreendo, repetiu quantas vezes, diminuindo a voz aos poucos. Fez uma cara séria por momentos depois de desligar, mas logo recompôs o sorriso inicial. Foi tomar o café diário no bar ao lado, não dispensando os apertos de mão generalizados. Constatou que lhe faltava material de campanha. Nessa noite desenhou e imprimiu, a rabugenta impressora, vários folhetos dizendo, candidato independente à presidência da república e enumerando os princípios básicos da sua candidatura. Recolheu no trabalho, na escola, no clube e em todo o lugar as assinaturas requeridas. Votarão em mim? Votaremos sim, claro. Enfeitou o carro de cartazes e seguiu convicto. Só não tinha calculado que tivesse que se deslocar a todas as ilhas de avião, facto que podia prejudicar a campanha. Fez fervorosos apelos pela rádio e pela televisão. Mandou e-mails, abriu um blog. Apesar das tendências apontaram para uma retumbante derrota, manteve-se crente até ao fim. O anúncio dos resultados finais da votação deu-lhe quinze votos. Calou a rádio e a televisão, nem a mulher, ou os filhos arriscavam tecer comentários. Ficou assim a noite toda a sede da sua campanha, a sua própria casa.

Apareceu no emprego de gravata, camisa e calças, igualmente perfeitas. Cumprimentou a cada um, não escondendo a tristeza. No entanto, tinha pegado o hábito de lhe chamar de senhor presidente, o que lhe soavam bem e o fazia sorrir de novo. Foi se sentar no seu canto, triunfal.

19.4.10

Nomenklatura

Ser político e não pertencer a partido nenhum, pode sim senhor!

Após a leitura do colosso de José Vicente Lopes, "Nos bastidores da Independência", penso ter percebido um pouco mais da nossa história política recente. Sempre ouvi falar de maoistas e trotskistas, achando piada aos nomes, que parecem saídos de algum filme de propaganda. Agora percebo melhor a questão, estando mesmo assim longe de a descascar. Isso será matéria para estudiosos da política, daqui a alguns anos, com mais distância dos factos.

No entanto a minha leitura é que, os que eram chamados de "trotskistas" representariam uma elite, de homens fortemente politizados, mas com outras vertentes de formação pessoal, com valias culturais fortes, apreciadores da literatura, do cinema, da música erudita, bem falantes, bem articulados, que terão "complexado" a malta que vinha do mato, que tinha uma práxis política muito mais directa e pragmática. Trotskistas podem ser considerados utópicos, enquanto que os radicais do partido podem ser considerados realpolitik. Os trotskistas acabam por sair do partido (PAIGC), por incompatibilidade. Aparecem mais tarde nas fileiras do MPD, mas logo se incompatibiliam com a linha centralizadora de Carlos Veiga, a lembrar a velha nomenklatura e, mais uma vez, saem, ou são corridos, ou como preferirem.

Grande coincidência ou não, os trotskistas são grandes homens deste país, com partido ou sem partido. São homens admiráveis em si, pela sua Cultura e o seu percurso intelectual. Por mim deveriam continuar a ter uma intervenção altamente política, mas que evitem os partidos. Parece estar demonstrado que, em termos de associativismo, espírito de cidadania, trabalho de grupo, visão de conjunto e capacidade de projecção, ainda estamos longe. Os partidos são só uma parte bem visível deste nosso carácter anti-democrático.

18.4.10

Segunda,Versão

Avatar, o grande "sucesso" cinematográfico da actualidade custou mais de 300 milhões de USD, o que equivale a 24 milhões de contos CVE, fazendo as contas com o dólar a 80$ CVE, ou seja metade do orçamento do Estado CV para 1 ano de funcionamento! Tão a ver o que é isso? Esse dinheiro paga todos os professores, todos os médicos e enfermeiros, todas as despesas de funcionamento dessas duas instituições, durante 1 ano!...E no entanto uma porcaria de argumento!

Hollywood impôs uma bitola industrial ao cinema, até que a Nova Vaga, aí pelos anos 50, veio acabar com essa visão. Hollywood hoje está a enfrentar problemas, precisamente de orçamento. É um cinema caro, que só se mantêm se as bilheteiras estiveram sempre a somar avultadas somas, o que vai se tornando mais difícil, por causa da crescente de outros medias, da multiplicidade de outros cinemas e outros factores mais. A solução apontada por alguns produtores da Hollywood para sair da crise é a aposta nessas super vistosas produções que tornaram a atrair multidões para as salas de cinema, naquela da novidade. Mas a fraqueza do argumento de Avatar parece-me inaceitável face ao dinheiro que custou. Tenho de me render à sua beleza visual, incomparável no seu refinamento de imagem de síntese, o que faz avançar a tecnologia, mas esse cinema continua a privilegiar o entertenimento em desfavor da arte, que me faz cada vez mais um não-adepto dessa visão do Cinema.

Tetro, o novo filme de Francis Ford Coppola, tem um orçamento de 5% de Avatar, nem sequer entrou para os Óscares, e no entanto é uma belíssima peça cinematográfica. Aqui não vale o argumento de que é um questão de gostos. Que eu saiba um bom filme ainda se define pelos seus parâmetros clássicos: argumento, realização, interpretação, produção, fotografia, sonoplastia, sendo os mais importantes. Tetro tem isso tudo no topo de excelência. Mas é um filme no sentido clássico do termo, filme de autor, sem grandes truques visuais para manter a audiência acesa, uma estória dramática, dura, humana, de uma maestria de realização, que também faz avançar o Cinema.

Entre um fazer da arte que custe tanto dinheiro e um fazer que exija força de imaginação, sendo eu habitante de um país pobre, de um mundo tremendamente desigual, amando profundamente o cinema como amo, defendendo que temos de fazer também o nosso cinema, escolho sem pestanejar, um fazer da arte em que o seu valor intrínseco seja maior que todos os demais valores. Podemos fazê-lo...e vamos fazê-lo.




16.4.10

Quinta,Essência numa Sexta,Capital

Tem coisa mais bonita que casa decorada a dedo pelos seus moradores? Tem coisa que mais transmite a sensação de amor que casa com plantas, com quadros, fotos, objectos super pessoais, com tapetes, almofadas e uma cozinha infinita de pequenos utensílios? Não falo dessa decoração pavorosa que vem em pacotes prontos a servir. Não falo dessa onda de combinar o verde da parede, com o verde do tapete, com o verde da moldura da foto dos filhos. Não falo desses objectos super impessoais, que imitam marfim, ou madeira, que imitam esculturas de grandes escultores, ou pinturas de perfeito mau gosto, que imitam grandes mestres das artes-plásticas. Falo de decoração feita ao longo dos anos, escolhendo as peças uma por uma, dando a cada uma, um nome e uma história, depois as colocando junto com as outras para serem felizes para sempre. Gosto não se discute, mas mau gosto ofende e bom gosto inspira. Não se discute, mas mesmo os de mau gosto reconhecem o bom gosto quando o vêm.

Um jantar gostoso de ontem inspirou-me o post de hoje. Que vivam felizes os meus amigos do círculo mais íntimo. E todos os outros, claro. Curtam a sexta.

15.4.10

Quinta,Essência


Se perguntarem a este homem se ele é candidato à Presidência da República ele dirá que não, que só está disponível a ser candidato. Depende, se insistirmos muitooo!! ele pode considerar se candidatar. Mas no entanto há mais de um ano que ele aparece em tudo quanto é média, fazendo pressão ao PAICV para que o apoie na candidatura. Fazendo pressão não, fazendo chantagem quase. Esse pessoal do PAICV tem sangue de barata mesmo. Se eu fosse do partido já teria lembrado esse senhor que, quando mais o partido estava a sofrer, com a derrota de 91, com direito a cortejo fúnebre para Pedro Pires e tudo, ele e mais outro senhores demarcaram-se do partido, para não lhes atrapalhar a vida. Aliás, este senhor chegou mesmo de se candidatar à Presidência da República, como independente, contra o próprio partido. Claro, perdeu redondamente e estão veio-lhe a luz, de que sem o apoio do partido as suas ambições presidenciais ficam por aí, por ambições.

13.4.10

Vereação

O Vereador estava vestido como deve ser, roupas de gabinete, e tinha as mão cruzadas atrás das costas, em gesto de não interromper quem fala.

Uma mulher interceptou-lhe o caminho entre a saída da Câmara Municipal e o destinho que ía seguir. Deu-lhe beijinhos. O Vereador sorriu, colocando-lhe uma mão paternal nos ombros, Salve! Como está? Estou bem Vereador...olhe tenho aqui um assunto. Foi tirando papéis da bolsa, dois ou três maços, segurou um com o queixo, enquanto esfolhava o outro, começou a bater com o dedo num parágrafo, e num passe, trocava o maço que tinha segurado com o queixo para uma mão e outro para debaixo do braço, não perdendo a linha, continua a mostrar parágrafos,percurtindo os dedos no papel. O Vereador recolheu as mãos paternais para atrás das costas, fechando devagar o sorriso, como que evitando qualquer interrupção na convita debitação de palavras da mulher, que não se ouvia de longe, mas que se adivinhava nas rugas da sua testa. Não sei, acho que ela terá mesmo tirado uma lágrima. O Vereador a olhava quase lhe vendo o interior dos olhos, abanando a cabeça como fazem os padres.

Talvez o Vereador chege em casa e conte à sua mulher do ocorrido, após todos os arranjos domésticos, banho, jantar, TV, e já trocando as intimidades da cama. Talvez demore mais minutos a dormir hoje. Provavelmente irá se lembrar em especial da mulher, daqui a uns anos, no momento de distribuir lotes de terrenos, sacos de cimento, ou ferro, em campanha.

12.4.10

Primeira,Classe

Sou fã absoluto do Kriol Jazz Festival, este evento de feliz criação e com duas edições já para contar a história. Sou fã de Jazz, a música da liberdade, no sentido da sua criação, nos campos de trabalhos forçados em que a única força de consolo que os negros podiam ter era cantando, e no sentido interno dessa música que se recria a cada execução. Jazz é crioulo de nascença e condenada a ser crioula para sempre. Não há música mais universal que o Jazz.

Vi a cara bonita do Primeiro-Ministro no Uhau!, a revista social que faltava a esta nova sociedade burguesa, uma montra que se fazia necessária a essa gente que pode (e deve) comprar coisas e amizades e pretendem demonstrá-la, uma espécie de ritual de ascensão social. Não vi muitas dessas caras bonitas no maior evento cultural da cidade por agora, o Kriol Jazz Festival. Talvez essas caras se considerem bonitas demais para não se mostrarem em festivais ou talvez as suas caras só sejam bonitas com make-up e um toque de photoshop em revistas sociais. Ou talvez tão somente não quiseram dar ainda mais brilho à malta do MPD da Câmara Municipal que andaram esses dias de peito inchado e, convenhamos, com razão.

Como disse Djinho, os Manhattan Transfer fazem o check-sound na pracinha da Escola Grande e parece uma coisa banal. Quem podia imaginar que os sons que nos fizeram sonhar por anos, em vinil, em cassetes, agora em CDs, podiam algum dia estar aqui na pracinha Escola Grande e pudéssemos num esticar de braço apertar a mão a um desses avozinhos cheios de genica que cantaram e levaram a audiência à êxtase? Manhattan Transfer foi o orgasmo do festival. Quando cantaram Birdland, um dos mais iconográficos temas dos Weather Report, foi mesmo aquele momento de corpo a tremer e cãibras nos dedos dos pés.

Por dois dias as famílias sentiram-se seguras num perímetro fechado da cidade, para trazerem também os seus filhos, as suas mães e avós, para verem um momento de qualidade raro por cá. Pena que, 1 - só se possa sentir seguro nesta cidade fechando um perímetro e exagerando a presença policial porque de todo o modo vão estar a circular notáveis elementos da sociedade; 2 - só existam raríssimos momentos de qualidade que atrai gente de real valor, que me perdoem ou não a arrogância, gente com uma ponta de bom gosto. De todo o modo, sendo raros esses momentos, faça figas para que torne a acontecer no ano que vem.

Não gostei mesmo foi da política dos espaços dentro do festival. Concordo que possa haver bilhetes sentados e de pé, mas a disposição espacial prejudicou muito os ouvintes de pé. Podemos melhorar esse aspecto. As jam sessions deste ano também não chegaram à unha das do ano passado.

Feliz, é a palavra que me define neste momento.

9.4.10

Notícia fúnebre

"O outdoor de propaganda dos “20 anos do Movimento para a Democracia (MpD)”, com poster de Carlos Veiga, foi derrubado por um camião [por acidente e não premeditado, segundo a notícia] nessa quarta-feira, 7 de Abril, na Vila das Pombas (Paul)."
ver aqui: A Semana

À família enlutada do outdoor expresso aqui as minhas mais sentidas condolências. Aproveito para endereçar também o meu sentimento a todos os postes de iluminação, muros públicos, plantas, sinais de trânsito e placas de informação, que são derrubados por este país.

(Haja paciência!)

Eco

Djinho fez eco deste "press unrelease" de Samira Pereira, sigo-lhe, com mea culpa à mistura.

"vi... como nunca tinha visto, um espectáculo itinerante na cidade da praia

vi...e ouvi... interpretações da poesia cabo-verdiana, e não só. interpretes cabo-verdianos, e não só.

ouvi... e vi... uma cantora que também é actriz, performer, compositora e letrista, a rasgar os palcos com uma energia contagiante

vi... e ouvi... uma musicóloga, pedagoga e artista polivalente a adocicar o público com a mestria da sua interpretação

ouvi... e ouvi... um músico de rock a interpretar poesia com uma sensibilidade surpreendente e audaz

vi... e ouvi... pessoas que se entregaram ao desconhecido, à poesia e ao palco

vivi...e senti... a satisfação e orgulho de trabalhar com gente tão especial

ouvi... elogios, criticas, reacções, palavras de amor e de repulsa sobre o que eles, o público, viram...

não vi... não li... não ouvi... nenhum artigo, post, crítica ou opinião publicados
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05.04.10

vi... como nunca tinha visto, o cinema da praia a arrebentar pelas costuras. Eles eram homens, mulheres, criaças, idosos, ministros, vereadores, rabidantes, gestores, músicos, turistas, pedreiros, entre outros... muitos outros.
Publish Post
vi... como nunca tinha visto, um trabalho audiovisual onde a minha terra foi homenageada com uma sensibilidade particular: um olhar do outro.

vi... e ouvi... músicos que admiro

ouvi... elogios, criticas, reacções, palavras de amor e de repulsa sobre o que eles, o público, viram...

não vi... não li... não ouvi... nenhum artigo, post, crítica ou opinião publicados
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07.04.10
Pergunto-me:

(sobre o dia 21.03.10) não é notícia o facto de ter acontecido, na capital, um espectáculo único? Não é notícia o facto de ser um risco fazer um espectáculo itinerante, num Domingo, com duração de quatro horas? Não é notícia (mesmo que cor-de-rosa) ver no palco uma actriz que, dias antes, tinha estado no ar numa telenovela portuguesa na TVI?

(sobre o dia 21.03.10) independentemente do filme em causa é ou não é notícia o facto do Cinema da Praia ter estado sobrelotado na passada segunda-feira?

Entristeço-me:
porque percebo a profissão de jornalista ou a posição de opinion maker como uma paixão para vida, uma causa, uma missão. Porque não há informação, cobertura e crítica.

Revolto-me:
Mas não desisto!"

8.4.10

Quinta,Essência

Com um dos peixes do meu aquário falávamos ontem sobre:

Guiné [Bissau] mais uma vez está a sofrer. Admira-me como é que nós, cabo-verdianos, que temos uma dívida pesada, de sangue, para com a Guiné, que nos "cedeu" o seu espaço geográfico para as nossas lutas de libertação, não conseguimos no presente organizar mais espaço diplomático e reunir mais energia para ajudar esse país a ultrapassar as suas graves crises de Estado.

Os "esforços" da Comunidade Internacional não me convencem em relação à Guiné. Preciso sentir mais aflição, pelo menos dos cabo-verdianos, em relação às sucessivas crises da Guiné. Mas também Portugal, que se assume como o patriarca da CPLP não convence dos seus esforços diplomáticos. A indignação não chega; do meu ponto de vista é preciso fazer perceber a quem destabiliza sucessivamente o Estado na Guiné, que isto tem regras, que os países não estão sós, que a interdependência dos países só funciona se todos funcionarem sobre uma mesma plataforma legal e ética. Já chega de falta de civilidade na Guiné!

A Guiné foi no passado o palco de grandes sacrifícios humanos, para que hoje todos os países da comunidade de língua oficial portuguesa, excepto Brasil e Macau, pudessem ter a liberdade e o respeito pelos direitos humanos. Inclusive Portugal deve a sua libertação do Fascismo à Guerra. Paradoxalmente, a Guiné não consegue sarar as fracturas da guerra, nem largar as armas e a lei da força, nem ter paz de espírito e criar um Estado de bem estar para o seu sofrido povo.

Hoje a minha homenagem é para a Guiné, de onde veio a nossa afirmação enquanto Nação.

6.4.10

Inspiração

Acabo de vir do workshop na UniCV, enquadrado no Kriol Jazz, com Kim Alves. Saí de lá com mais conhecimento e inspiração. Conheci outro lado do artista: estudioso, aplicado e perdidamente apaixonado pelo que faz. Kim Alves é um desses gurus que andam por aí, tal como é Princizito, mas que a gente toma por um outro qualquer, isso devido ao facto de vivermos numa prisão chamado ilha. Esses dois nomes estão a fazer algo de extraordinário pelo cultura musical deste país e, melhor ainda, praticamente de borla.

Kim Alves nos fez viajar pelos ritmos da ilha do Fogo. Sabiam que existem cerca de 32 ritmos diferentes, ou variantes, de Kanizade? Eu não. Que ritmos extraordinários! Aliás, os ciclos da Tabanka, San Jon, Bandeira, para falar só dos que eu "conheço" tem uma riqueza interna, que precisamos passar anos a aprendê-las, para depois a reproduzirmos, já num contexto urbano e global, sem perder essa alma que contêm. Aliás foi a minha pergunta para o Núcleo da Música da UniCV: como conciliar um ensino universal, ensinando a ciência da música, ao mesmo tempo que se dedica à recolha, investigação e sistematização da componente popular da nossa música, que é de uma força tremenda no nosso país. Só de notar que a nossa música é reputada em todo o mundo, sem escola ou quase. Isto significa que tem uma qualidade que é puramente espiritual.

De resto estou feliz por saber que quem está à frente do Núcleo da Música da UniCV são pessoas, mais que profissionais, também elas perdidamente apaixonadas. Vamos lá ver se as políticas lhes seguem.

Deus.cv

"O “black out” da Electra ocorrido na noite de domingo, na cidade da Praia, também paralisou o Aeroporto Internacional. A situação era caótica, de escuro total, e os passageiros que chegavam de Portugal no voo 6070 da TACV ficaram retidos no aparelho por mais de 40 minutos."
fonte A Semana

Se existe um Deus ele nasceu cá, de certeza. Afinal o Belém que falam é Ponta Belém, aqui na Praia. Só assim se explica que não aconteçam coisas piores com tanta incúria.

...e as autoridades, boquinha calada. Povo manso este!

Pai,Filho,Espírito

Dizem que, muito jovens, perante a situação social e económica difícil dos seus bairros na cidade da Praia, em vez de se tornarem thugs, voltam-se para a religião, onde para além das que já existiam, ou seja o catolicismo, vem juntar o islamismo, o rastafaranismo e até o budismo e outros. Não gosto de religião nenhuma, mas preocupa-me particularmente essas igrejas com ares de seitas, que para além de prometeram curas e soluções milagrosas, são autênticas máquinas de fazer dinheiro.

Já dizia Marx que a religião é o ópio do povo. Perante a incapacidade de transformar para melhor a realidade, as pessoas pedem ajuda a um ser invisível, metafísico. Alguém vai dizer que mais vale uma cidade de beatos que uma cidade de thugs. Eu diria que ambos são fenómenos perversos. As religiões nunca pacificaram nenhuma sociedade, antes pelo contrário. E ademais, um jovem cuja melhor opção é a religião, cá por mim é um indicador de pobreza espiritual.

O destino é nosso e de ninguém mais.

5.4.10

Segunda,Versão

Não há boa vontade que aguente. A Electra tem todas as razões do mundo para nos deixar 5 dias sem água e cortar a luz precisamente naquele momento em que uma pessoa mais precisa. Pedem-nos compreensão pelos eventuais constrangimentos. Eventuais!?

As razões da Electra são de vária ordem. É a avaria inesperada nos dessalinizadores, é o roubo de energia, são os técnicos corruptos, são os investimentos que estão a ser feitos avultadamente, mas que tardam a surtir efeito, paciência, é a soma astronómica de dinheiro que muitas instituições devem à empresa, a maior parte do próprio Estado, é isto e mais aquilo. As razões são por demais conhecidas. Eu, cidadão prejudicado, é que não tenho razões nenhumas para não estar por demais irritado com esta situação.

Enfim, uma governação tem razões que a razão não desconfia. Digam-me, quanto custou a circular por onde só transitam vacas? É uma obra para o futuro? Ah é!? E o presente?

É claro que a governação tem trâmites complexas: é o país parceiro que injecta dinheiro daqui, depois é preciso arrancar com obras que espalhem dividendos, de preferência para operadores desse país, os governantes de ambos os países passam a mãozinha na cabeça um do outro, fazem-se discursos emocionantes, circula umas massas e alguns estão felizes. Só que quando essas cooperações resultam em obras como a circular da Praia e a misteriosa estrada Rubon Txikeru, enquanto que a cidade fica em apuros com as chuvas e temos essa situação ridícula de energia e água, não fico feliz. Detesto políticas nonsense. Outra versão, precisa-se.

1.4.10

Quinta,Essência

Voltando à polémica do Primeiro-Ministro e dos thugs, porque parece que a pessoas que criticaram essa iniciativa estão a ser mais atacadas que o próprio Primeiro-Ministro. Reafirmo o que penso. O encontro chocou-me. Pareceu-me altamente demagoga e extemporânea. Duvido dos seus resultados práticos e não me parece que um das mais importantes instituições do Estado devesse abrir um precedente desses.

Em primeiro lugar, estamos a reconhecer um redondo falhanço de Estado ao elevar os thugs (esta expressão imprecisa) ao estatuto de "instituição". Uma das confusões dessa noção de thug é saber-se afinal o que é thug? É uma pessoa em delito com a sociedade, é um forma de ser, é uma forma de vestir, ou o que é na verdade? Começa por aí, que trabalho sociológico delimitou essa noção de thug? Dizem-me que há thugs bons e maus. Onde está a fronteira?

Em segundo lugar, o Primeiro-Ministro escolheu um grupo de pessoas para se encontrar, pulando toda a hierarquia da função social do Estado. Pulou ministro, presidentes de institutos, ONGs, etc., e foi ao terreno directamente, como se ele estivesse em campanha. Reparem que é diferente um Primeiro-Ministro visitar uma instituição, ou um grupo, e assumir a direcção pessoal da problemática dessa instituição. Agora digam-me, e se todas as organizações da sociedade civil começarem a exigir que o Primeiro-Ministro desça ao terreno para resolver os seus problemas?

Se o Primeiro-Ministro estivesse realmente engajado em enfrentar esta problemática social, existe toda uma rede de instituições para lidar com isso. Talvez essa rede não esteja a funcionar e o Chefe do Governo deva repensá-la. Talvez devêssemos pôr em causa todos os institutos públicos e a própria política social do Governo. Mesmo que o Primeiro-Ministro insistisse a assumir a direcção dessa problemática, porque não procurou as inúmeras associações civis, nos bairros, de pessoas idóneas, que já estão no terreno há muito tempo e que são representativas de verdade de uma determinada população?

Estamos face a um grave problema de exclusão social neste país. Essa exclusão se exprime pela elevada taxa de desemprego, pelo alto déficit habitacional, pela inexistência de equipamentos básicos para a maioria da população (de referir que só na Praia, mais de 50% das casas não tem casa de banho); essa exclusão se exprime também geograficamente, com a pobreza a identificar-se com áreas inteiras das cidades, com as encostas, as ribeiras e os piores terrenos, enquanto que os melhores são vendidos a empresários nacionais e estrangeiros para a especulação. Essa exclusão é também de informação, lazer e cultura. Enfim, tenhamos a coragem de assumir a pobreza ainda gritante deste país. Mas assumi-la de forma elevada e não com essas acções publicitárias.

Uma pergunta: onde anda o Chefe da Oposição no meio disso tudo? Que alternativas tem a Oposição em vez de estar a propalar que o Governo está esgotado? Onde está o famoso Governo Sombra? É muito confortável para a Oposição ficar sentadinho a ver a caravana passar, mas que saibam que a situação deste país é igualmente da sua responsabilidade.