31.8.10

Obtuso

"O vereador do ambiente da câmara municipal da Praia anunciou esta segunda feira que, para reparar os estragos feitos pelas primeiras chuvas deste ano, serão necessários cerca de 15 mil contos. Desabamentos de terra, queda de muros, inundações e quedas de tectos de habitações foram as situações mais graves registadas até agora."
in Expresso das Ilhas (via Sapo.cv, 30/8/2010)

E só vamos nas primeiras chuvas! Para quando esses milhares de contos empregues em acções preventivas e correctivas? Então quanto custou o circular da Praia? Sabiam que há famílias que ficam sitiadas em casa após uma boa chuvada?

Monda

O Meret insistiu e fiz-lhe a vontade: uma imagem do interior da ilha de Santiago, quando chove. Quando não chove é lindo na mesma, mas outro tipo de lindeza.

Por esses dias o que mais se vê no interior, são homens, mulheres e crianças, numa atividade já ancestral: a monda. Isso consiste no seguinte: quando caem as chuvas, a terra cobre de vegetação selvagem. Então as pessoas precisam desbravar a terra dessa vegetação, para dar lugar ao cultivo, essencialmente do milho e do feijão. Isso lembra-me que a agricultura em Cabo Verde continua a ser uma prática altamente artesanal. É muita gente a trabalhar, muita terra cultivada, para pouquíssima produção. Os casos de agricultura inteligente, de grande envergadura são raríssimos.Mais uma vez, a história da política. Temos grandes investimentos, grandes grupos estrangeiros e os seus hotéis, temos uma circular enorme onde só as vacas transitam, mas o existente, os sistemas básicos, agricultura, pecuária, saúde, educação, habitação, continuam num estado primário.

O Desenvolvimento é um misto de recursos, políticas e sociedade. Está provado que o conceito de "recurso" é criativo, por isso paremos de chorar por recursos; estão aí. Parece-me que falta mais é trabalho sério, políticas e sociedade actuante.

30.8.10

Segunda,Versão

Fui ao Tarrafal. O caminho para o interior de Santiago está lindíssimo! Todas as municipalidades deviam estar a apelar para um turismo interno, com uma oferta de paisagem, campo, comida, sossego, frescura. Ou, as agências de viagem/turismo deviam estar a desafiar as municipalidades a criar as condições para esse tipo de turismo. 

Está confirmado: Tarrafal está agonizante. É de rachar o coração ver as coisas a degradarem-se à vista desarmada. Até o mar, aquele lindo e transparente mar, estava cheio de lixo: plástico, garrafas, cordas, papéis, objectos e tudo quanto é lixo lançado nas ribeiras e depois é transportado pelas águas da chuva, até ao mar, aquele lindo mar, maculado cruelmente. Mesmo assim foi agradável. Como disse um comentador aqui, amo o meu país apesar do meu país ser difícil.

No Tarrafal não se sente uma única acção da municipalidade. Não há nenhuma novidade, a não ser os espaços moribundos, os pardieiros abandonados, edifícios não aproveitados a caírem aos pedaços, falta de fiscalização das praias e dos banhistas, enfim…um lugar abandonado. Não sei o que falta. Não consigo nenhuma explicação para a falta de raça na classe dirigente, que se escudam atrás das divergências políticas, em vez de sentiram na pele os problemas do seu próprio lugar. Vão lá perguntar ao Presidente da Câmara do Tarrafal por essas coisas e, de certeza absoluta, vão ouvir acusações ao Governo. E se perguntarem o Governo, vão ouvir queixas à municipalidade. E no meio das acusações, a porcaria ao nosso redor vai crescendo e ainda um dia nos engole.

27.8.10

Sexta,Capital

Não me canso de louvar a sexta-feira, não porque deixo de trabalhar, até porque tenho a sensação que não paro de trabalhar nem no sono. É porque as pessoas estão bem-dispostas na sexta. É tempo dos telefonemas, ver quem está disponível, combinar um jantar aconchegado, um copo de vinho e conversa em dia. Vou ao Tarrafal, outro sítio que adoro, mas que me tem despedaçado o coração de toda a vez que aí vou. É um caso de políticas públicas catastróficas e seria mais justo dizer FALTA de políticas públicas. A vila está às moscas, os hotéis degradam-se e outros até estão fechados, como o icónico e outrora tido como chique, Hotel Tarrafal. Os preços no entanto são como se a vila vivesse um esplendor turístico. Não vou mais comentar os serviços de restaurante porque já me habituei: toma e cala! Tarrafal é um dos municípios mais pobres do país. É um dos mais bonitos e aprazíveis também. A sua pequena praia de areia branca e a sua tranquilidade são as únicas coisas que ainda fazem merecer os quilómetros para lá chegar e aturar todo o resto. Vou ao Tarrafal porque adoro lá estar e as crianças gostam ainda mais.

Hoje é sexta. O dia boémio por excelência. Cá pelo burgo da Praia, bem que podia estar melhor. Esta cidade precisa de uma vocação nocturna urgente. Vá lá gente, não é por nada mas, cidade que morre à noite, está mais para vila do que para cidade. Cidades cosmopolitas tem uma vida nocturna, por uma razão muito simples: trabalhamos das 8 às 8. É a partir das 8 da noite é que desfrutamos enfim do esforço do nosso trabalho. E não necessariamente dentro de uma caixa de som berrante (discoteca).

Bebam uma Becks bem gelada e levantem o copo em brinde. Bom FDS.

26.8.10

FRESCO

 I love a ilha de Santiago. Serra Malageta na imagem

24.8.10

Bram-Bram

É uma estranha, agradável e inquietante sensação de receber a chuva. Agradável porque prenúncio de vida e frescura; inquietante, porque muda o céu, desaparece o sol, irrompem raios das nuvens e nunca se sabe ao certo a quantidade de água que irá se desabar por cima das nossas cabeças. É um misto de alegria e preocupação. É sobretudo um momento raro, imbuído de alguma religiosidade; tanto os deuses podem nos abençoar como nos castigar por algum mau comportamento ao longo do ano.

Anda um furacão a formar-se no sul do arquipélago. Será que a Protecção Civil tem portado bem? E as Câmaras Municipais? Estaremos preparados por eventuais caudais d'água extraordinários? S.Nicolau já se recuperou? Uma coisa é certa: a lagoa que se forma em frente ao Palácio do Governo, por um milagre, tem desaparecido assim que pára de chover, não vá a Oposição chatear os gajos por terem tamanha falta de eficiência debaixo do nariz. Em tempo pré-eleitoral acontecem coisas fantásticas!

23.8.10

Be Eme Dabliu

Na ilha de Santiago os rapazes têm carrões. Estamos no tempo em que os rapazes, estando de férias laborais, voltam à terra-mãe, aos seus locais de origem, humilde na sua maior parte, rural, às suas mães, igualmente humildes na maior parte, ainda a exibir uma maneira de estar de lenço atado, roupas e gestos tradicionais, gestos de missa de Domingo, roupas e maneira de estar de trabalhar a terra e vender no mercado. Uma sociedade rural, onde só os carrões destoam na paisagem, pelo luxo refinado dos seus bancos de pele, ou pela extrema elaboração tecnológica dos seus equipamentos. Carrões topo de gama. Rapazes rurais de maneiras, de palavras simples na sua expressão, regressados dos seus árduos trabalhos no exterior, se exibem perante uma mulherada fulminada pelo brilho irresistível de um luxo que as suas preparações e vivências nem conseguem conceptualizar, tal insecto que cai fatalmente nas garras de uma bela flor carnívora.

Na ilha de Santiago os rapazes têm carrões e toda uma sociedade que nem consegue explicar a enorme cadeia de causas e efeitos, que faz acontecer que uma fila de carros de alto quilate pudesse desembarcar numa ilha, rural em sua maior extensão e na sua maior expressão.   

16.8.10

Escuro

Quem paga as toneladas de combustível que cada empresa é obrigada a consumir, para ter, em termos industrias, um bem básico que é a energia? E os muitos trabalhadores e pequenas empresas que não podem sequer suportar geradores e toneladas de combustível? Quem paga os electrodomésticos que vão se queimando ao ritmo dos apagões? Quem paga o descontentamento dos clientes que ficam a espera do trabalho que não saiu porque não há luz? Como explicar (e evitar perder uma parceria) aos estrangeiros que o relatório não foi enviado, pela enésima vez, porque falta energia enésimamente? Quem paga os meus nervos? Em que conta se debitará o custo da incompetência e das políticas desacertadas?

Quem paga os contentores-geradores, alugadas pela Electra, para suplementar a energia nesta altura de pico de consumo, que afinal não suplementam nada? Quem paga os salários do exército de técnicos dessa empresa?, que não tem culpa, claro! Aliás, ninguém tem culpa. Não tem culpa o Governo se as Câmaras devem enormidades à Electra. Não tem culpa as Câmaras se o Governo não consegue parar o roubo de energia. Não tem culpa o gestor da empresa, se o Governo não investe os fundos necessários. Não tem culpa os funcionários, se já estão há anos sem progressão na carreira; não tem culpa os técnicos se tem família para alimentar, o que os obriga a um bico. Não tem culpa os cidadãos, se não tem nada a ver com isso. É uma situação sem culpa.

E quem paga a factura? Fica a adivinha.

Sol

Esta altura, comicamente chamada de "Verão" (em contradição com a propalação de país de sol o ano todo), em que a cidade devia ser um poema, é o contrário, é mais lento nos serviços, não há luz, se chove o mar é invadido por toneladas de lixo, as estradas estragam-se, nunca há programas em condições para os turistas e visitantes, a noite é escura e pobre de sítios de bom-gosto, enfim, a cidade revela o seu despreparo em ser cidade

As repartições públicas, que passaram a funcionar a meio-gás o ano todo, vulgo período único, nesta altura funcionam a gás mínimo; a Electra rebenta pelas costuras, apesar das não-temos-ideia-do-quanto custosos contentores-geradores adicionais; a cidade da Praia prova que não é uma cidade feita para gente andar e desfrutar; o monstro que estão fazendo na Quebra-Canela é cada vez mais monstruoso, come estrada, come terra, come céu e a vista do horizonte; Zé Maria tem um grande gerador à porta, para provar que o problema é para ficar. Já agora, que vai ser lançado o programa Casa Para Todos, um item que podia ser de muita valia seria a inclusão ou não de gerador; assim podíamos ter: Casa Pack Simples, Casa Pack Gerador Individual, Casa Pack Gerador Familiar, e por aí fora.

Quem não pára são os partidos e a sua guerrilha pré-eleitoral. O MPD lançou um panfleto disfarçado de jornal, o PAICV vai aproveitando a sua posição de Governo para nos encher de asneira informativa. As eleições são uma surpresa; os inquéritos revelam resultados contraditórios, mas é na urna mesmo que vamos tirar esta teima. O certo é estarmos lixados em ambos os casos: não podemos tolerar mais um mandato PAICV, com toda a sua corja de pequenos, médios e altos funcionários do Estado a instalaram-se sem vergonha na cara; não podemos tolerar um MPD Governo de 91, com todo o seu historial anti-Estado. Algo falta no puzzle político; falta renovação; falta juventude; falta sociedade civil actuante. Mas está provado pela Dengue, só reagimos quando um de nós morre.

Entretanto, curtam uma praia...se puderem.

6.8.10

Arbítrio

Em que situações o árbitro anula o jogo? Pelas razões que me ocorre, se uma das equipas não comparecer, chove aos potes que os jogares nem conseguem se manter em pé, em situação de falta evidente de segurança, se o campo racha ao meio, ou seja, em situações obviamente de anulação. Não consigo encontrar uma razão satisfatória para o Ministro da Saúde ter anulado o concurso de avaliação curricular à classe médica.

História. Os médicos não são promovidos desde 95 por falta de concurso, para determinar de forma criteriosa, quem deve e quem não deve ser promovido. Finalmente se faz, e pelo próprio Ministério. Até aqui bravo. Resultado do concurso: a esmagadora maioria dos médicos obtêm classificação de aluno suf- a medíocre. E este é só um concurso curricular, ou seja, a malta só tinha que inventariar a papelada, as formações, os workshops, os papers científicos que tenham produzido, o currículo profissional e por aí fora. Imaginem se fosse uma avaliação de desempenho? Se um dos critérios fosse "satisfação do utente", aí é que muita gente ia apanhar com um "mau". Se a malta da "bata branca", como são conhecidos, não passaram neste concurso, ou é porque não apresentaram a papelada, ou é porque não a têm, literalmente. Face a isso, claro está, senhores do mundo (ou da vida, mais propriamente) como são os médicos, contestaram  (os maus) em massa e o Ministro da Saúde, numa saída que não lembrava o diabo, ANULA o concurso, satisfazendo os maus e prejudicando os bons. Ainda por cima diz o seguinte: "a breve trecho, e em concertação com as entidades pertinentes, decidir-se-á da conduta a seguir". (A Nação, 5/8/2010)

Não é aceitável sob nenhum ponto de vista a decisão do Ministro. Se o concurso continha irregularidades, como alegam os "prejudicados", que não se fizesse. Se os critérios não eram claros à partida, que a classe não os aceitasse, impugnando o concurso antes que acontecesse. O que não podia acontecer era, que se anulasse um concurso, conduzido por gente séria, inclusive com a participação da própria Ordem dos Médicos, com base em descontentamento dos que (mesmo sendo a maioria) o concurso não tenha corrido à feição. É com essas atitudes que os políticos desvirtuam gravemente o jogo do Estado de Direito. Como é que os cidadãos podem confiar nas autoridades, se não sabem ao certo por que batuta se rege o próprio Estado? Que poder é esse, supremo, de um dirigente político anular um acto administrativo (e logo legal), com base em critérios tão subjectivos, ou no mínimo mal explicados? Poder pode, senão não o teria feito, mas será que deve? A conduta a seguir é caso a caso?

Mais uma grave desilusão na forma como se conduz os assuntos de Estado. Por razões de coerência, ou fazemos concursos correctamente e os respeitámos, doa a quem doer, ou não fazemos concurso nenhum e assim sabemos que isso funciona ao gosto do freguês.

4.8.10

Instante

fonte: aqui

Cláudia Rodrigues (a nossa querida Lála) num momento único da sua vida; talvez irrepetível. Atrás o nosso igualmente estimado Ivan. Toda uma nação se orgulha (espero).

1.8.10

Estado 90%

Entre o país “moderno e competitivo” de José Maria Neves e a sensação de, dinheiro que nunca chega para nada, falta de qualidade de serviços públicos, ausência de espaços públicos de lazer e entretenimento, pobreza à vista desarmada, o que falta realmente? Entre o evidente bom estado de relações com a comunidade internacional que este Governo conseguiu restabelecer, o notável equilíbrio financeiro da gestão pública e mais alguns bons ganhos em sectores diversos, e a “governação negativíssima de Fernando Elísio Freire, qual é realmente o meio-termo? Terá António Monteiro razão afirmando que, em Cabo Verde impera o revanchismo?

Pessoalmente o que me parece é que nós sofremos do que chamo de “síndrome dos 90%”. Está tudo quase a acontecer, quase a acabar, em projecto, vai acontecer. E a verdade é que o tempo passa e continuamos com os mesmos dramas. Se é verdade que a diplomacia CV goza de grandes momentos de notoriedade (aliás, se tem legado de Amílcar Cabral que soubemos manter, é a diplomacia) também é verdade que JMN descuidou-se da sua reforma da administração pública, que está cada vez mais gorda, velha e preguiçosa. Socialmente há grandes correcções de rota a fazer: do ensino, da capacitação profissional, da habitação e, ainda, da saúde. JMN passou completamente ao lado da política cultural e, dentro do seu partido, não me parece que tenha promovido tanta democracia como propala.

Para além do Governo, não esqueçamos que um país não é feito só de Governo. A sociedade civil é cada vez mais egoísta e alienada. Não estamos a cumprir bem o nosso papel de cidadãos. Nem cuidamos da empena da nossa porta. A Oposição também, não é que ajuda muito; vive berrando e, quanto a uma visão alternativa, nada! Se este Governo merece continuar à frente do país, será por total desmérito da Oposição. Se o PAICV continuar à frente do Governo, com todo o arrasto maléfico da acomodação ao poder, a interminável cadeia de dirigentes da Adm.Pública, mais fiéis ao partido que aos princípios da gestão da coisa pública, espero que percebam que é o social a base de um país, que abandonem um pouco o conluio aos grandes negócios e as grandes empresas estrangeiras, que tenha a coragem de se declarar ignorante em matéria de política cultural e arranje alguém que o faça e, uf, substitua o discurso repetitivo que já irrita. Caso o MPD consiga, num passe de mágica, constituir-te Governo, dado ao seu historial de governação voltada aos negócios, não me pareça que corrija a ausência de actuação social, por isso resta-nos a nós, povo, sociedade, fazer o nosso papel: actuar!