30.9.10

Muita M*da!

Terminou mais um Mindelact, festival internacional de teatro do Mindelo, a 16ª edição. Na memória fica uma avalanche de emoções e momentos únicos. Para sempre fica também a experiência humana e artística. O festival oferece uma variedade tonificante de espectáculos e registos, alguns menos conseguidos, mas sempre de grande entrega, outros sumptuosos acontecimentos de arte...(continue a ler a história aqui

23.9.10

Boing

Em Mindelo. Vim da Praia num Boeing. Trinta minutos de vôo. Parece abrir um amêndoin com uma marreta. É que Boeing só pelo nome é grosso e ilha é sempre pedaço minúsculo de terra. Inglaterra não é ilha porque não é pequena. Mindelo tem um aeroporto, que é internacional pelo tamanho da pista e nacional pelo tamanho do terminal. Mas é lindo, arrumado e calmo, como a própria cidade que acolhe o festival internacional de teatro, Mindelact, de 16 a 26 de Setembro.

Procuro não faltar a um show. E que shows! Mais uma vez, vi Void, de Clara Andermatt com Avelino e Sócrates. Conheci Sócrates, um tipo que tem um percurso que se confunde com o próprio movimento da dança contemporânea em CV. Sócrates tem muitas estórias a contar. Vi um magnífico monólogo brasileiro, num palco sem qualquer cenografia; só o actor, um luz geral e o público; 2 horas (um tantito demais) de pura arte de representação. Vi a peça "Os amantes" uma peça espantosamente atrevida do grupo do CCP-IC, toda ela falada em crioulo, um facto também de notar num grupo de uma instituição cuja missão é promover e divulgar a língua portuguesa. Tenho visto tanta coisa e falado com muita gente. Há discussões existenciais sempre, há festa e novas amizades. O Festival tem um ambiente fantástico, embora muita gente vem queixando da sua degradação.

Entristeço-me amargamente da opiniões da treta que tem havido à volta da extensão do Mindelact à Praia. Está provado que somos um povo leviano, capaz de meter muita energia em discussões estéreis e desmotivantes, enquanto que a realidade demanda por um discurso responsável e construtivo. O que digo a esse respeito é que, é muito benvindo essa extensão, do ponto de vista de consumidor, continua a ser uma extensão e não um festival, é um crescimento saudável do festival e ainda pode até conquistar público para o palco principal do festival, Mindelo, que tanto precisa de visitantes, turistas, receitas, atenção.

Estou em Mindelo, a minha cidade natal, que reconheço a cada pedra que piso, mas que deixo de reconhecer a sua alma saudosista e corrosiva. Também não reconheço esta proibição de andar à noite nas suas belas ruas, porque a violência faz lei. A cada ano que venho, não páro de fazer a pergunta: qual será o teu ritmo certo, Mindelo? Nem massivo-industrial para não perder o encanto pueril, nem pacato como está para não perder a dignidade.

E não poderei parar de amar a minha cidade, contudo.

15.9.10

Vaga

Claude Chabrol (1930 - 2010)

A Nouvelle Vague vai desaparecendo. Um enorme legado deixado e a transformação definitiva na arte de fazer o cinema. Há vagas fantásticas!

NULL

País desgovernado, todos ralham e ninguém tem razão.

A Câmara Municipal da Praia (CMP) pediu a intervenção do Governo em 4.000 casas em perigo de desmoronamento, por causa das chuvas. O Governo negou, devolvendo a acusação à CMP, de que não se preparou como devia ser para as chuvas. Neste ping-pong, as famílias vivem o dramaticamente a chegada das chuvas na cidade.

A relação poder central/poder local é muitas vezes de fronteiras imprecisas e os políticos jogam com isso. Os cidadãos tem que se informar para não se apanhados nessa charada. É de competência do Governo o ordenamento do território, que passa por gerir as grandes infraestruturas - como pontes, condutas de água, estradas - as ocupações e usos do território, com vista a protecção do seu equilíbrio geofísico. O território da cidade também faz parte dessa gestão e não pode o Governo esquivar-se a isso. O caso flagrante de incongruência de políticas é a super estrada circular da Praia, enquanto que dentro da cidade não existe uma única estrada competente, prova disso é o péssimo escoamento das águas. No entanto é da competência das municipalidades criarem os seus Planos Directores Municipais (PDM), que estrutura e regula a ocupação do território dentro das cidades, coisa que ainda o maior município do país não teve a capacidade de fazer.

Em resumo, a situação da cidade da Praia é um incompetência dupla, da CMP e do Governo. As fronteiras de actuação não são tão imprecisas assim, tendo cada um as suas tarefas, que vem sendo adiadas ou executadas pessimamente. E bem que podiam ter mais respeito para as famílias que se desesperam de toda a vez que vêm as chuvas, em vez desse ping-pong vergonhoso.

AHAHAH

Mulheres fumam cigarros electrónicos depois de terem conversa atrevida no Messenger

À semelhança dos cigarros tradicionais, considerados imprescindíveis após o sexo, os cigarros electrónicos já começam a ser usados após conversas de índole sexual na internet. “Gosto muito de fumar o meu cigarro electrónico, que também tem nicotina e não produz cinza, o que é uma vantagem. Quando a conversa é mesmo intensa e até mete webcam, gosto muito de fumar o meu cigarro electrónico até que a pilha acabe. O problema é que também gosto de um abraço e de carinho electrónico depois do sexo virtual. Tal como acontece na vida real, os homens depois do clímax no chat viram-se para o outro lado da cama e ficam off-line no MSN”, afirmou uma mulher. 
João Henriques, in Inimigo Público

Void

De Clara Andermatt, com Avelino Chantre e Sócrates Napoleão, CCP Praia, 14-09-2010.

Não fosse o (já repetente) atraso do Primeiro-Ministro a chegar ao teatro e algum excesso de ruído na sala, teria sido uma noite perfeita. Mas exceptuando essas duas notas deselegantes, foi um noite de encher os poros de poesia.

VOID, uma peça para mastigar, dada a quantidade de informação que passa e todas as interpretações possíveis. Uma temática que pode ser vista na direcção Praia-Lisboa, Lisboa-Praia, Mindelo-Lisboa ou S.Paulo-Tóquio. Questões de gerações, identitárias, ir e voltar, nascer e morrer, estar, simplesmente deixar-se estar num estado VOID. Morremos muitas vezes, repetia-se.

A peça, disseram-me, tem uma versão diferente de Lisboa, o que desconfiei pela quantidade de texto dito em crioulo e uma ou outra interjeição tipicamente daqui, que faz o público rir. Desconfio também que, dado que o público CV gosta de piadas, foram introduzidas algumas. Mas o efeito disso é o público achar que se trata de uma comédia e de surgirem risos em momentos inapropriados, cobrindo até o texto, que é uma componente muito forte da peça; não ouvi uma ou outra frase que quis ouvir.

Aos intérpretes, Avelino e Sócrates, parece que a peça foi criada para eles, para o seu percurso de vida, este ir e voltar constante do cabo-verdiano, para as suas memórias, a nostalgia de estar lá e uma experiência poetizada daqui. Para quem vive aqui, dá até um toque folclórico as saudades das coisas que já não existem, como a soleira da porta e as estórias da avó. Aos intérpretes, um regresso à terra, em apresentações em grande, Praia e Mindelo, Mindelact. Se calhar um recarregar de outras memórias e um actualizar da nostalgia.

À grade coreógrafa, Clara Andermatt, gosto particularmente da sua interpretação de nós. Ora vemo-nos ao espelho, ora vemos um nós possível. Outras vezes é tão somente a criadora, com todo o seu processador, passado e presente, que inventa-nos e o faz com muita graça.

VOID é um espectáculo de teatro, dança, música e literatura. É dirigida por uma coreógrafa, mas é criada conjuntamente pela coreógrafa e pelos intérpretes. Parece uma peça fácil de digerir mas não é; merece reflexão, rever, conversar, ler sobre, ouvir os outros, ter ideias e pô-las em causa. E está mais uma vez provado que, para a arte contemporânea, a técnica continua a valer muito, mas o que distingue uma obra de outra é a elaboração do seu conceito, o que dá imenso mais trabalho que o treino físico.

6.9.10

A política em placas

No meu país o desporto se faz em placas. Na falta de dinheiro para construir polidesportivos e ginásios genuínos, são feitas pequenas áreas cimentadas, a que se dá o nome de “placas desportivas”. Existe de todo o tipo e formato. Podem ter vedação ou não, baliza ou não, tabela de basquetebol ou não, terem as linhas divisórias no chão, ou não. Podem simplesmente se resumir à área cimentada e à declaração de que se tratam de infra-estruturas desportivas.

Concelho ou vila que se digne do nome deve ter placas. Político que se preze deve mandar construir uma. A cada rotação do poder, aparece uma nova placa, acabando assim o país por se dotar de uma infinidade de placas. Existem por todo o sítio. Tanto podem estar no meio de plantações em espaços rurais, como podem se irromper no areal de uma praia, ou estarem no meio do trânsito da cidade. O país e as cidades cresceram, os desafios aumentaram e os políticos seguiram em criatividade as demandas dos novos tempos. Nas cidades surgem placas mais sofisticadas, equipadas com bancos inclinados e barras paralelas, para a prática da musculação. Um político teve a ideia de pintá-las das cores do partido, então veio o adversário, que se apercebeu da importância estratégica das placas desportivas e mandou construir uma, ainda mais sofisticada, com equipamentos de ginásio de verdade, bancos almofadados e um piso fantástico, de uma cor ostensivamente verde, que tanto pode significar a esperança, imitação de relvado ou literalmente a cor do partido.

Ninguém ousa dizer que não existem políticas públicas para o desporto, que vem imediatamente um dirigente político a contar as placas construídas. E pela evolução do fenómeno é de se esperar que no futuro venham ter recepcionistas, treinadores, médicos, chuveiro e sauna. E isso tudo ao ar livre.

3.9.10

7Arte

Ver um bom actor a actuar é sempre um momento de perceber que afinal a arte não é tecnológica, é humana. Harry Brown é um portentoso filme, porque é bonito visualmente, porque é realizado com mão segura por Daniel Barber, um realizador que acabei de descobrir, mas essencialmente porque tem uma performance irrepreensível de Michael Caine, nos seus 77 anos, a esbanjar talento. 

Harry Brown é desses filmes que faz chorar aos mais sensíveis. Damos por nós a sentir raiva, alegria, pena, tristeza, todas as emoções que são supostas de passar e que realmente passam com uma intensidade grande. Adoro os filmes ingleses. Tem um quê de realismo e força visual que me cativam. Lembro-me de Trainspotting, de Danny Boyle (o mesmo que fez Slumdog Millionaire), um dos filmes que mais me marcou nos últimos tempos; ou do realizador Mike Leigh e os seus filmes que parecem documentários das nossas vidas; ou Guy Ritchie e os seus filmes que são, ao mesmo tempo, obras visualmente magníficas, comédias negras, ritmo e adrenalina, para além das sempre boas interpretações.

Almirante é assim o título de um filme russo que vi antes de ver Harry Brown, do realizador Andrey Kravchuk (descoberta), que me fez lembrar que a Rússia é a pátria dos maiores realizadores da história do cinema: Dziga Vertov, Serguei Eisenstein, Andrei Tarkóvski, Nikita Mikhalkov. Stalker de Tarkóvski mudou a minha maneira de pensar o cinema.

Enquanto se espera por salas de cinema em CV, vai valendo a pirataria, que por mais que me doa reconhecê-lo, é a única maneira de não perder o admirável progresso de uma arte suprema: o cinema.

2.9.10

Concurso Fotografia

O Correio ACP tem o prazer de anunciar a realização da edição de 2010 do seu Concurso de Fotografia!
És um jovem fotógrafo com idade inferior a 30 anos? És cidadão de um dos países ACP?

Em caso afirmativo, o Concurso de Fotografia de 2010 do Correio ACP é-te destinado!

Os temas seleccionados para concurso são os seguintes: comércio, cultura, tradição, alterações climáticas, ciência e tecnologia, na sua relação com os países de África, Caraíbas e Pacífico e com o desenvolvimento. 

Todos os detalhes aqui

1.9.10

Éter

Volta e meia temos que tocar no assunto: arte contemporânea em Cabo Verde; o que é isso? Onde está? Parece paradoxal que a arte contemporânea, que se define como a arte que saiu das academia, e logo dos dogmas e segredos académicos, para se identificar com a vida, com a sociedade, com os problemas mundanos, que seja possível de fazer tanto dentro de uma galeria, como numa praça pública, que pode usar materiais nobres, como pode durar só algumas horas, e no entanto é um conceito perfeitamente confuso, até mesmo entre os estudiosos. Mas o facto é que ela existe e pode ser identificada. Não sabemos bem por que mecanismos, mas quando estamos perante arte contemporânea sabemos reconhecê-la. Tem um traço que a marca de forma indubitável: o desenvolvimento do conceito. Uma performance com um copo de água pode se tornar instantaneamente em arte contemporânea, desde que o artista consiga desenvolver um conceito a partir daí. Já não chega ter “jeito” para alguma forma de expressão; é preciso aprender a desenvolver o conceito na arte e essa é a marca indelével da arte contemporânea.

O conceito na arte, não é obra de um talento extraordinário ou oculto. É produto do ensino, de uma cultura de fazer e refazer a arte, de workshops, de interdisciplinaridade, de trabalho, muito trabalho; de errar e tornar a tentar, mas sobretudo de compreender o conceito por trás, se é sustentável ou não. Não necessariamente explicável, mas definitivamente sustentável. É nesse prisma que se torna difícil falar em arte contemporânea em CV. Num país onde não existe um ambiente de qualidade, de diferenciação positiva, onde o prestígio social pode ser conquistado sem muito trabalho, com base em valores completamente mercantilizados, um país sem quaisquer políticas públicas para o desenvolvimento da arte, onde a classe média-alta compra banalidades e as exibem em casa como “arte”, nunca se pode definir como um país que tem uma arte contemporânea. Podemos até identificar artistas contemporâneos, ou manifestações de arte contemporânea, mas não uma arte contemporânea CV (corpo e diferenciação). 

Toda essa dor, porque vi uma incrível obra de vídeodança, com o nome de “Kaspar Konzert” e fico maluco com o estado mental em que certos países já atingiram, permitindo um ambiente de tamanha criatividade, e nós aqui com a mesma conversa de chácha.