27.10.10

Alma

A alma humana é o mais potente motor do mundo. Ela é capaz de construir uma montanha, ou de a deitar abaixo. Não se trata de orçamentos, nem de recursos, nem de condições, ou condicionalismos, ou conjunturas. Tudo se resume à capacidade das almas.

O Palácio da Cultura Ildo Lobo é prova concreta de: sem alma/com alma. O sítio esteve abandonado, a agonizar a cada dia que passava. As almas que lá estavam, deambulavam para cima e para baixo sem poder perceber até porque ali se encontravam. O sítio ia a morrer. Hoje, o Palácio, um dos edifício mais bonitos da cidade da Praia, tem alma nova e volta a brilhar como uma peça de bronze, limpada e polida.

As boas almas atraem as boas almas. O Palácio agora anda cheio de gente com uma vontade férrea de fazer. Gente com talento, gente bonita, músicos, artistas visuais, jornalistas, produtores, gente com vida, gente que mudam o lugar só pela sua presença. O sítio agora tem aulas de canto, aulas de instrumentos musicais, exposições permanentes, workshops, filmes e sempre alguma coisa nova a acontecer.

Hoje, esta cidade tem muitas almas, que podiam fazer muitas montanhas e talvez tornar as nossas vidas menos insossas. Falta que outras almas, em outras esferas, também façam o seu trabalho e contribuam para, no fundo, o nosso bem estar comum. Os senhores dirigentes públicos perceberam?

25.10.10

Sunhador

Ando de poucas palavras. Estou mais de ver, observar os outros, ver como as coisas funcionam, aprender mais e...sonhar. Estou mais de deixar levar pela ondulação, me deixar diluir em tudo. Sou só ouvidos e olhos e gravador.

Há uma tempo na vida, em que nós somos novos ao máximo, pujantes e pretensiosos, em que queremos a todo o custo que o mundo mude o sentido da sua rotação. Mas a verdade é que não muda; há de rodar no mesmo sentido até acabar. O único poder que temos é o da felicidade. Esse poder temos, temos sim!

Ando de poucas palavras, à procura. As sensações até agora esgotaram-se, preciso de outras. Preciso sempre de outras, aliás, precisamos todos. Na procura incessante de sensações faz-me até achar piada o sentido que a terra roda, em torno de si própria, num ritual irrevogável.

(Este post foi-me inspirado pelo blog da minha multi-talentosa prima, Lúcia Cardoso: http://sunhador.blogspot.com)

22.10.10

Xeno

"Polícia faz rusga em mercado e identifica 18 estrangeiros ilegais

O mercado da Praça Estrela, em São Vicente, esteve cercado nesta quinta-feira por policiais e militares, que passaram revista a pente fino nas barracas onde nacionais e imigrantes da costa africana exercem actividade comercial."
fonte: Sapo.cv

Às vezes enerva-me solenemente o nosso cinismo. Então estamos aqui armados em intolerantes em relação a um punhado de comerciantes, quando sabemos que este nosso país reina a ilegalidade de cima a baixo? Que critério é esse da polícia nacional (repararam no "nacional"), que faz uma rusga num pequeníssimo mercado, que faz questão de realçar "imigrantes da costa africana", quando temos um mercado de divisas, totalmente ilegal, nas barbas do Banco Central? Que dizer de todos os vídeo-clubes do país, todos eles perfeitamente ilegais, porque nenhum deles tem licença das obras que andam a vender? Que dizer das rádios, restaurantes e até mesmo publicidade do Governo, que usa a música dos outros ilegalmente? Existe situação mais ridícula que organismos do Estado, até mesmo da Justiça, a alugar vários prédios que conhecidos traficantes?

E o uso indevido dos carros do Estado? E a fuga aos impostos de grandes empresas? E as centenas de estabelecimentos ilegais, sejam bares em garagens, sejam oficinas no meio da rua, sejam escritórios não licenciados....Enfim, a lista podia levar-me o blog todo.

Devíamos era fazer uma rusga geral ao país inteiro, ou então deixar de gracinhas.

19.10.10

Art Now!


As coisas estão a acontecer agora, nas cidades, nos bairros, na periferia. As nossas cidades estão a produzir algo novo, longe das referências do passado, longe de saudosismos. Coisas do real agora, dos problemas deste quotidiano. Mas, continuamos a marginalizar populações e a sua forma de expressão. Uma nova ordem se faz sentir.

Democracy


O honorável vencedor do prémio do júri do Festival Internacional de Cabo Verde, Sal 2010.

Realidades muito parecidas as nossas. Movimentos idênticos entre os nossos países. Falta-nos só mais vontade de trocarmos experiências. Dakar é já aqui ao lado e acontece muitas coisas. Um filme a ver e a ser mostrado.

Sinto-me verdadeiramente honrado de estar ao lado desta obra, na atribuição dos prémios do festival. Quero ir a Dakar, aproximar-me mais.

18.10.10

Laureados

No Festival Internacional de Cabo Verde, ilha do Sal, 2010, o nosso filme ganhou 2 prémios! O prémio mais simpático, Prémio do Público, e uma Menção Honrosa!

Estou feliz por mim e pelo colectivo: Samira, Nuno, NDú, Lúcia. Uma nota de apreço ao Djinho Barbosa. A lição óbvia disso é: quando juntamos e trabalhamos a valer, a obra nasce forte, ousada e ambiciosa. Obrigado amigos!

15.10.10

RTP - GRANDE PLANO

Link: RTP - GRANDE PLANO

Peça sobre o Festival Internacional de Cinema, Sal 14-17 Outubro. Tem uma entrevista comigo sobre os meus filmes participantes "Raíz" e "Faka"

12.10.10

Cinema cá

Estou nessa. Sou participante, apoiante, vibrante e crente. Estou em competição nessa, mas na verdade só de estar nessa, já me atrai. Vou ao Sal, uma ilha que só se vai para apanhar sol ou avião, não um encontro cultural. Este festival vai começar pequenino (mas assim também começou Baía das Gatas) e já há vozes do agouro, maldizendo isto e mais aquilo. Não nos lembramos que por cá, nem se passam filmes, quanto mais fazê-los, mostrá-los, debatê-los, compará-los, ouvir outros sobre nós, falar de nós com outros, discutir os pequenos jargões, as pequenas manias, esta e aquela técnica, uma ou outra opção. Se fosse na Santa Lúzia, com 5 pessoas, se pudesse, ia também.

Vou já torcendo que tenha muitas edições. Tem vozes do agouro, mas também tem vozes confiantes. Tem já gente, de cá e de outros lados, a torcer pela 2ª edição já. Muita m*da pessoal!

Vejam o programa aqui

Upgrade

Já não há dúvida que o hip-hop hoje é a verdadeira voz da cidade da Praia. Está por todo o lado e é o meio preferencial para falar, contestar. A população jovem diz das suas angústias, dos seus medos e raivas; cantam a percepção que tem do seu país e os políticos não são propriamente uma raça amiga. Esta manhã vinha ouvindo na rádio um som, um bom beat. Primeiro fui agarrado pela qualidade do som em si, que é um dos aspectos que mudou radicalmente no hip-hop feito por cá, mas depois foi a letra da música que me chamou atenção. Cantava a raiva e a revolta que é ter que enfrentar o sistema de saúde. Contou do desespero da espera (veio num jornal da praça que um homem de bacia partida esperou 24h para ser atendido!), da impotência perante o mau tratamento do pessoal dos serviços, dos erros e das mortes que acontecem, que deixem um espectro de erro médico no ar. Enfim, as coisas que todos nós em algum momento sentimos. No fundo, samplaram um discurso do ministro da saúde, sobre as melhorias do sistema de saúde, das medidas a introduzir, terminando a dizer que, "estamos a fazer um upgrade"...

Certo ou errado, é a percepção que a população tem e contra isso não há números que sosseguem. Depressa com este upgrade, Excelência.

6.10.10

Ruga-se

Ela era uma manga madura envolvida numa pele lisa e salpicada de gotículas d’água na prateleira de um mercado de fruta. De todo o ângulo que era vista, era redonda e abundante de carne. E nós, cabritos imberbes, que vivíamos contando os pêlos que apareciam um de cada vez, tínhamos uma onda de calor no corpo se ela passasse e no ar ficasse um perfume de manga que pedia para ser comida. Ela tinha olhos de ave de caça e boca firme, pronta a devorar cabritos imberbes. Morríamos de medo que ela visse que transpirávamos, tremíamos, que pressentisse as nossas vontades, e, num acto de fera que sente sangue, nos atacasse. 

Volto aqui todos os anos e todos os anos a cidade tem mais uma ruga, velha desgastada de uma vida vivida a pleno num tempo passado. Ela, a manga, passou por mim, é cozinheira do restaurante que vou. Por instantes, por instinto, o que vejo é a fruta madura, como um arquivo que guarda a melhor foto, mas logo vejo os seus olhos esvaziados de perigo, baixados. Ela ainda ocupa o ar com formas ovais e movimentos de dança, mas os seus olhos flutuam num líquido turvo. Perdeu brilho na pele, tem varizes. Não pressente mais rapazes que a perscrutam, olha para um nada, de boca cerrada, como que acabada de provar fel. Ninguém a salpicou mais com borrifos d’água. Era seca.

Volto aqui todos os anos e a cidade envelhece entrevada numa cama. Nada mais mexe. Cadeiras vazias. Teimo em ver poemas a balançar no mar calmo da baía, mas as rugas da velha mais parecem feridas mal cicatrizadas. A cidade tem nova safras que não florescem. Tudo vive num arquivo, guardando a melhor foto. 

5.10.10

Bzzz

Ouvir o presidente do CA da Electra a explicar a falha de fornecimento da electricidade na ilha de S.Vicente, é de cortar os pulsos. O homem deu as desculpas que não se dá em gestão e em engenharia. O homem falou titubeante. Disse que a razão das falhas tem a ver com a falta de aprovisionamento em combustível. Básico! Falou da situação financeira dramática da empresa. Novidade! Mas, pra mim, a desculpa das desculpas foi, que tiveram que parar as máquinas para manutenção, porque são...máquinas! OK, uma analogia com um equipamento de suporte de vida num hospital: Sr.Doente terminal, vamos ter que parar isto para manutenção, porque é uma máquina; não o deixamos morrer, só vai sofrer umas horitas, tá?!

A Electra tornou-se um cancro. Não há medidas possíveis que a reponha num lugar digno de empresa. E pobre do homem que lá está à cabeça, encaixando tudo. Um verdadeiro testa-de-ferro. Qual ferro, titánio.

4.10.10

M*da na cabeça

Tem coisa mais triste que ouvir o director de uma escola privada (leia-se cara) a queixar-se dos pais? A queixar-se que os pais não pagam 2,3,4,5,6 meses. Que os pais largam os filhos esquecidos (!) na escola à hora do almoço! Que os pais não vão assistir às peças de teatro dos filhos! Que já aconteceu terem que anular uma peça de teatro porque apareceram poucos pais! E ainda chamam a essas pessoas de encarregados de educação?!

Tem coisa mais porca que gente que mora em bairro classe média-alta a mandar as empregadas deitar o lixo na rua, porque não há um contentor por perto? Enquadramento: a Câmara Municipal mandou tirar os contentores das ruas, porque cães e vagabundos espalham aquilo tudo, deixando os lugares sujíssimos. Doravante cada um deve gerir o seu lixo. SENHORES, eu cuido do meu lixo, guardo-o em casa, meto-me no carro e vou deitá-lo lá onde existe um contentor ou até à lixeira se fosse o caso. Aonde eu moro, todos tem um carro...e, supostamente, uma posição nesta sociedade. Envergonhem-se da vossa falta de sentido cívico. 

O endireitamento deste país passa por uma crítica cerrada às aparências despidas de conduta moral.