Não deveria falar deste filme porque encontro-me demasiado perto das pessoas o fizeram. Mas, por me encontrar demasiado perto das pessoas que o fizeram, vou falar, simplesmente por não conseguir conter o que vai cá dentro.
Já exprimi publicamente a minha grande admiração por essa malta do teatro no Mindelo. Bem, "malta do teatro" é um tanto redutor, porque essa malta escreve, produz, dirige, actua, sobe escadas, aperta parafusos, tira cambalhotas, enquanto criam os filhos, e se lançariam no vazio, se fosse o caso, tudo por paixão à arte. Esta é uma força que serve para mostrar que o principal recurso no mundo continua a ser a vontade humana.
Em "Futcera" todos se desdobram em produtores, guionistas, uma-data-de-coisas e actores. Principalmente actores. Laura Branco, filha dos peixes Bety Gonçalves (a bruxona do filme) e João Branco, impressionou-me pela actuação quase sem palavras. Acreditem que isso não é fácil para nenhum actor, quanto mais uma adolescente como ela é. Fonseca Soares lembrou-me um grande patriarca, tipo o homem que vê para a vida com a serenidade de quem já passou pelo mesmo sol imensas vezes. Não falo só do personagem, mas de tudo: da fé, da garra, da paciência, da luta, da entrega e da vontade de continuar, continuar, continuar. As minhas lindas Sílvia, Mirtó, Zenaida e Bety já tratam a representação por tu. Senti um grande orgulho por essas pessoas todas, por terem conseguido!
No entanto, para olhos menos distraídos, há falhas que fazem um grande barulho e levam à desconcentração. A dramaturgia tem vários momentos de dispersão. Eu iria pelo regra do KIS (keep it simple); contar a história e nada mais que isso. Há várias passagens, momentos e personagens que não encontrei justificação para ali estarem. O momentinho da passagem dos outdoors de publicidade é imperdoável! Também imperdoável são as dessincronizações som/imagem nas cenas musicais. Os filtros na fotografia estão óbvios demais e o director andou ali a experimentar vários looks. Ou seja, simples detalhes técnicos que podiam perigar a história, se ela não fosse bem forte e aguentasse até ao fim.
Estamos perante uma longa-metragem do cinema, coisa que em produções "normais" conta com dezenas de pessoas, cada um a cuidar de um pequeno aspecto. Nesta produção, aliás como nas outras coisas que essa malta faz, o desdobramento dos papéis parece-me o aspecto mais relevante a destacar, porque é o que mais revelou do sacrifício que foi ter chegado ao fim da obra.
Que venham mais bruxedos!