28.12.11

Banco de trás

René Tavares, série "Drawing in Abstract Space"

As crianças estão no banco de trás, adivinhando jogos com as matrículas dos carros que passam, tal qual nós, uma vez crianças, fazíamos, no carro do meu pai. Banco de trás é o lugar reservado às crianças, de onde o mundo passa muito depressa. Estamos na cidade, depois já nas montanhas, de seguida chegamos à praia, calávamos subitamente quando passávamos por um lugar novo, ou uma estrada na montanha, as vezes o carro tinha de ir devagar quando havia perigo, as vezes umas pessoas olhavam para dentro do carro e não sorriam, mas nós estávamos no banco de trás, o lugar que nos pertencia para sempre, onde nada nos podia acontecer. Do banco de trás descobrimos enigmas inimagináveis, como por exemplo que havia mais carros de matrícula par que ímpar, que havia mais carros brancos que azuis e reparamos que tinha um carro sempre parado no mesmo sítio, as janelas já todas cobertas de poeira, talvez o seu dono tivesse tivesse sido raptado. Guardamos os segredos, talvez até pudessem ser precisos, mas eram exclusivamente nossos.

Sigo lentamente, muito interessado nas coisas que os meninos vêem lá fora e os seus jogos de adivinhação. Dão saltos quando descobrem algo novo. Sigo lentamente. Aos poucos os pensamentos quotidianos me voltam à cabeça. Faço contas, calculo o dia de amanhã, passo em revistas os acontecimentos marcantes do dia. Paro numa bomba de gasolina para reabastecer o carro.

26.12.11

Amanhã

Imi Knoebel

As crianças já perderam a conta a quantos brinquedos tem. Tem as estantes cheias! Já nem conseguem se lembrar qual foi o brinquedo que a tia X lhes deu. São tantos! Se lhes perguntar os preferidos, também vão ter um grande dilema, entre o carrinho de pilhas, o jogo engraçado, ou o super-herói. 

É bom que se tenha a possibilidade de comprar tanta coisa hoje. No meu tempo, as escolhas eram menores e no tempo dos meus pais seriam ainda menores. Ter escolha é importante. O triste é ter escolha e não escolher, ir na mesmice, comprar as futilidades que brilham muito, mas que não valem nada, entrar na subtil condução do marketing infantil. Ponham-se alertas pais, através das crianças as casas comerciais fazem de nós o que quiserem. Tenham paciência, que na imensa profusão das lojas há objectos realmente bons. É possível que as nossas crianças não se tornam uns fúteis amanhã. É possível, não é garantido. Há que trabalhar muito, pais.

23.12.11

Feliz Natal...se conseguir.

Foto: Alessandro Citti

É público. Não gosto do Natal, por imensas razões, uma das principais por ser uma pressão comercial insuportável. Quem não puder comprar as prendas todas, fazer aquela festa recheada e vestir roupa nova, fica infeliz. É um conceito que não vou aceitar nunca. Não consigo conceber esta data, que em teoria tinha de ser de humildade, de introspecção, de partilha, de solidariedade e de todos os outros sentimentos de proximidade humana, se esteja a tornar um feroz arrebentar de dinheiro. Até as discotecas vem se tornando o ponto mais alto do Natal, pelo menos na minha cidade, enquanto que antigamente eram um "pecadinho" discreto após o jantar em família. As dezenas de contos que alguns vão gastar, sem ao menos oferecer um saco de roupas usadas a uma organização beneficente, faz-me uma imensa confusão. Dizem que noventa por cento da população é crente. Crêem em quê?

22.12.11

Novelo Mundo

Atsuko Tanaka

Está uma matilha de jornalistas à volta do tribunal, sedentos de sangue. A questão é, qual será o grau de castigo que vão ter os ilustres camaradas apanhados nas teias do crime? E os camaradas são afinal apanhados! Entretanto há dias vi um tipo que tinha estado preso, precisamente por trafulhices relacionadas com o tráfico de drogas, branqueamento de capitais e demais atropelamentos, a passear no seu (novo) carrinho, felicíssimo da vida. Feito as contas, passar quatro aninhos na cadeia, sair com a conta bancária ainda a tilintar e ainda mais a exibir um carrinho bazofu...quase que vale a pena o crime, é tudo uma questão de sacrifícios.

Sacrificar o bom nome é o preço a pagar para estar na alta roda. É claro que uns pagam mais que outros, mas imensa gente tá a precisar dum noitinha na choldra, só para avivar os seus bons valores. Tenho a certeza que o pessoal que sai (e vão sair, pois justiça seja feita) dessas alhadas, pensará uma trinta vezes antes de se enredar outra vez em maus caminhos. Outros nem por isso, é questão já de constituição.

Na França até o Presidente da República não está isento da justiça. No feudo de cá, os políticos estão demasiadamente blindados em relação à justiça. Afinal quem não deve, não teme. Proponho o levantamento imediato de uma data de imunidades em relação aos políticos, porque a política tem muita, mas muita culpa sobre a actual situação vivida no país.

Entretanto o Natal está cada vez mais chocho, ou sou eu que cada vez acredita menos nessa fraude.

21.12.11

Raízes do mal

As vistosas operações policiais sobre os casos de droga e branqueamento de capitais, assunto do dia no país, assemelham-se a uma operação cirúrgica a um cancro maligno, em que é possível remover células já muito doentes, mas não é possível erradicar o cancro. Uma vez alguém me disse que o aumento da eficácia da polícia só tem como consequência o aumento da eficácia dos criminosos, como num jogo de computador, em que o nível de complexidade do jogo vai aumentando. Combater as consequências é por demais importante, mas é preciso investigar largamente os condicionalismos na nossa sociedade que levou/levam à situação actual.

Tenho por mim que uma série de pequenas impunidades, cumulativamente, vai permitindo ilegalidades maiores, até atingirmos um estado de ilegalidade. É possível fazer uma longuíssima lista de ilegalidades toleradas e socialmente aceites no nosso país, desde a calotice pura, até desvios importantes. Façamos uma introspeção grande.

Cegueira selectiva


Continuar a negar a pesada gravidade da situação é uma postura extremamente perigosa. É grave, é grave, é grave!...Fiquei imensamente triste ao ler a primeira página de www.sapo.cv hoje.

20.12.11

Sementinhas do mal

O Administrador só estava a pensar na instituição quando propôs o nome do sobrinho para o posto. O sobrinho é, sempre foi,  um bom menino, estudioso e qualquer instituição havia de querer tê-lo nos seus quadros. A Diretora só estava a pensar na melhoria de produção da sua unidade, quando aceitou a sugestão do Administrador em recrutar o sobrinho. Efetivamente a unidade procurava um perfil desses. Passados três meses o sobrinho revelou-se excelente contratação, contrariando os maus agouros, as más-línguas. Tudo estava bem não fosse a polémica na sociedade, os insistentes protestos de dezenas de jovens que se dizem sem possibilidade de candidatura aos melhores postos da administração pública. Discutiam os comentadores na televisão, o Administrador e a Diretora cometerem ilegalidades de alto a baixo, independentemente da acertada aposta.

(Este texto é de ficção. Qualquer semelhança com a realidade será bem provável)

18.12.11

Quando caem as árvores

Césaria Évora 1941-2011

O que mais gostava na Cesária era as suas falas absolutamente espontâneas, umas até bem sarcásticas, que era uma coisa que pouquíssimas pessoas no mundo entendiam a real dimensão, ao não ser nós de cá, que a viram sofrer a vida toda e sabíamos exactamente qual era a história de vida dessa senhora que se transformou em fenómeno mundial. As falas da Césaria, essas que o pessoal achava muita graça, traduziam-se para mim como o seguinte: ok, estou eternamente grata ao mundo pelo que fez por mim, mas agora deixemos de tretas!

Há um oceano de tretas em torno da figura de Cesária Évora, algumas que até dão enjoo. Césária Évora foi amplamente ignorada dentro de casa, desde sempre. Lembro-me dela podre de bêbada, na rua, como um indigente. Nessa altura ninguém fez nada por ela e uns macacos até punham-na a cantar em troca de uma garrafa de whisky. Depois da fama, enquanto que o mundo rendia-se aos seus pés, com um tanto de misticismo à mistura, dentro de casa raramente a vimos actuar, raramente vimos um bom documentário sobre ela, para não falar de sessões públicas de reconhecimento ao seu trabalho. Vejo mais gente a gabar-se da fama que Cesária granjeou a Cabo Verde, que gente a comentar a sua arte. Agora, depois da sua morte, por favor não finjam estar profundamente sentidos por ela e deixem a senhora descansar em paz!

16.12.11

A vaselina política

A vaselina é uma substância absolutamente necessária em política e é bom que se tenha uma bisnaga sempre à mão para casos de toda a eventualidade. Quando há muita contestação social sobre algum assunto, como é o caso desesperante da eletricidade e da água no país, o poder é pressionado a tomar medidas, que normalmente passam por erradicar os nabos que estão a dirigir os sectores. Mas o problema desses nabos é que são de alguma forma essenciais ou perigosos para o partido que sustenta o poder. Há pessoas de tal forma inamovíveis do sistema que se desconfia que conheçam segredos sórdidos dos dirigentes que os tem irremediavelmente à perna. Pois, se não dá para erradicar os nabos, a solução é transferi-los de tacho, anunciando com toda a pompa, nos jornais, na televisão, nos anúncios oficiais online, que tal nabo foi afastado do cargo, o que transmite uma sensação de problema resolvido, o que na verdade é só o problema transferido. Ou seja, continuam a enfiar-te forte e feio, mas com uma camada cuidadosamente aplicada de vaselina.

14.12.11

Os homens devem estar loucos

Foto: Peter Marlow, Magnum

Primeiro Cabo Verde apoia o ditador da Guiné Equatorial na sua candidatura à organização CPLP. Depois Cabo Verde, através de uma importante instituição, a universidade, atribui um honoris causa a um representante do fascismo português, com apoio de destacados nomes da sociedade, como sejam, o renomado escritor Germano Almeida e o destacado político e investigador Corsino Tolentino. Agora vem o ex-presidente da república, Pedro Pires, nacionalista de primeira linha, combatente pela dignidade humana, dizer que em África não há ditadores??...O que se passa com essa malta? Estarão os seus fusíveis a queimar, estarão a puxar o saco a alguém descaradamente ou estarão a revelar facetas ocultas da sua personalidade?

Alguém me ensinou que, uma vez que uma pessoa se torna figura pública, toda a sua actuação deve se reger por altos padrões de coerência, sob o risco de parecer um verdadeiro irresponsável.

(Depois de postar a foto acima, ainda virá um outro dizer que as criancinhas são felizes porque estão a sorrir. Se é que me entendem?)

7.12.11

Quem nos trata da saúde?

Com a partida do nosso querido Jaime, mais uma vez se levantou o véu da questão dos cuidados médicos. Jaime deu entrada no hospital, na noite anterior ao seu falecimento, cortado de dores. Foi visto, medicado, sentiu-se aliviado e voltou para casa. No dia seguinte foi fatal. As minhas perguntas são: esgotaram-se todos os diagnósticos antes de o mandar para casa? As dores eram de quê?

Compreendo muitas vezes que o pessoal médico seja massacrado um bocado injustamente. Eles trabalham pra burro e recebem uma merreca. O resto do pessoal, enfermeiro e por aí fora, nem se fala. A questão está nos meios, que manifestamente ainda são insuficientes face à demanda. O aparelho de TAC está avariado e são precisos 50 mil contos para o arranjar. Ao mesmo tempo estamos a falar da vergonhosa bazófia dos dirigentes e a sua concorrência automóvel. Ao mesmo tempo estamos a falar de um só dirigente do Estado que é capaz de viajar inúmeras vezes ao ano, em 1ª classe e estamos a falar de vários outros gastos ridiculamente supérfluos, como se não fossemos um maldito país subdesenvolvido a enfrentar dramas básicos, de saúde e educação. Conseguimos construir uma magnânima estrada circular da Praia e não conseguimos consertar a porcaria de uma aparelho que pode salvar vidas.

Tenham decência vocês aí, vaidosos! 

5.12.11

Quando caem as árvores

(Foto emprestada do mural do FB de César Freitas)

Jaime morreu!

Jaime era feito de energia pura. Impossível que alguém estivesse ao pé dele e não fosse atingido pela sua vibração, força de viver, essa mesma força de viver que o terá levado para outro patamar, porque parece que o mundo não lhe chegava. Fica a admiração pela inteligência e generosidade desse ser humano. Jaime era tudo, menos uma pessoa banal. O mundo perde uma árvore enorme.

4.12.11

Identificar o pedante

"...as pessoas, na medida em que valorizam a aparência, são pedantes." (Wikipedia)

O pedante não sabe onde por as mãos, tá sempre de mãos no bolso. Galgar a sociedade inclui ganhar bem e frequentar meios requintados. Lançamentos de livros, exposições de arte, espectáculos musicais, tipo jazz, dueto de cordas, ou um solo de piano, é onde o pedante entra em sofrimento. Em tais circunstâncias, não opina muito, concorda só, sim, sim, foi bom, ou, sim, sim, foi mau, dependendo da opinião maioritária . O pedante vai sempre de calças de bolsos largos, para enfiar as mãos rapidamente, senão não saberia o que fazer com elas. Tem sempre umas citações decoradas e até consegue memorizar uma data de nomes, numa conversa está sempre próximo dos líderes e vai endossando as suas opiniões, dando uma impressão que está por dentro do assunto. O pesadelo, para o pedante e para o ouvinte, é quando é compelido a opinar com mais de dez palavras Pela sua forma de vestir, de imitar os outros e, normalmente, pela posição que ocupa, é um ser que consegue impressionar muita gente, mas para quem sabe identificá-los, não existe espectáculo mais deplorável que vê-los a desfilar sem sequer desconfiar da figura debilóide vezes fazem.

1.12.11

Putas fingidas e chulos vaidosos

Imagem: Nobuyochi Araki

A frase " a prostituição é a profissão mais antiga do mundo" é uma citação universal. No Lombo, famosa zona de prostituição na cidade do Mindelo antigamente era uma área comercial igual às outras, só que a transação era o sexo! E as profissionais tinham até inspeção médica regular. Só faltou seguradoras e previdência social para que fosse um sistema laboral completo. Essa organização desapareceu mas a prostituição continua forte nas ilhas. 

Actualmente, há putas e chulos para uma incrível gama de necessidades. Vai desde a necessidade básica, do tipo marinheiro, até ao presidente de concelho de administração que precisa de uma ninfeta para completar a sua vaidade. Vai desde rapazes que realizam a fantasia da jovem europeia da virilidade africana, em troca de favores e facilidades várias, até ao rude mercador do sexo que satisfaz  as apodrecidas turistas, nos decadentes circuitos turísticos. Vai desde a moça, que tem um emprego regular, estudou, até fez a universidade, mas precisa de um suplemento para acompanhar a moda, ou do equivalente masculino que não vai poder ter o carro de sonho tão cedo e mete-se por atalhos. No masculino o fenómeno tem o agravante dos rapazes até terem um aura heroica, pela quantidade da caça.

Não tenho absolutamente nada contra a prostituição, até porque não vai acabar nunca, mas que os seus praticantes sejam declarados abertamente prostitutas e prostitutos, em vez de fingidas putas e vaidosos chulos.


Ninfetas, Alunas Grávidas, Professores Cara-de-Pau

As crioulas iniciam-se no sexo bastante cedo. Até aí tudo bem, não fosse essa iniciação muitas vezes feita com um camarada com o triplo da sua idade. O quadro fica mais bizarro quando esse camarada supostamente seria o educador da pequena, mas na verdade é um adulto mal resolvido que se aproveita da vulnerabilidade natural das meninas quando se descobrem sexualmente. Meninas e meninos apaixonam-se pelos professores e pelas professoras. Lembro-de de professoras que simplesmente me atarantavam com os meus distantes 14 anos. É uma ebulição espontânea e saudável, própria da idade. O que não é natural é esses adultos aperceberem-se disso e tirarem proveito da situação. O extremo da bizarrice é quando esses professores engravidam as pequenas e tiram o corpo fora. Depois vem a questão das alunas terem de sair da escola, que é uma medida que roça o absurdo. Até concordaria com a medida, se o menino-pai saísse também e o professor-adulto-de-meia-tigela fosse enjaulado!