28.12.11

Banco de trás

René Tavares, série "Drawing in Abstract Space"

As crianças estão no banco de trás, adivinhando jogos com as matrículas dos carros que passam, tal qual nós, uma vez crianças, fazíamos, no carro do meu pai. Banco de trás é o lugar reservado às crianças, de onde o mundo passa muito depressa. Estamos na cidade, depois já nas montanhas, de seguida chegamos à praia, calávamos subitamente quando passávamos por um lugar novo, ou uma estrada na montanha, as vezes o carro tinha de ir devagar quando havia perigo, as vezes umas pessoas olhavam para dentro do carro e não sorriam, mas nós estávamos no banco de trás, o lugar que nos pertencia para sempre, onde nada nos podia acontecer. Do banco de trás descobrimos enigmas inimagináveis, como por exemplo que havia mais carros de matrícula par que ímpar, que havia mais carros brancos que azuis e reparamos que tinha um carro sempre parado no mesmo sítio, as janelas já todas cobertas de poeira, talvez o seu dono tivesse tivesse sido raptado. Guardamos os segredos, talvez até pudessem ser precisos, mas eram exclusivamente nossos.

Sigo lentamente, muito interessado nas coisas que os meninos vêem lá fora e os seus jogos de adivinhação. Dão saltos quando descobrem algo novo. Sigo lentamente. Aos poucos os pensamentos quotidianos me voltam à cabeça. Faço contas, calculo o dia de amanhã, passo em revistas os acontecimentos marcantes do dia. Paro numa bomba de gasolina para reabastecer o carro.

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