19.12.13

Reloading


Muitos fazem balanços e planos no final do ano, explícita ou implicitamente. Eu faço os meus ao sabor do maravilhoso chá tradicional Xali e descobrindo o jazz de Christian Scott (imagem).

Para mim, o mundo está meio cheio, em vez do pessimista meio vazio. Aliás, otimismo e pessimismo dependem do lado da história em que se posicionar: se do lado do espetador, ou do lado do ator. Sigo querendo fazer parte dos atores e nesse percurso vou conhecendo os melhores seres do mundo. Este particular ano que vai findando, foi de ganhar mais umas quantas amizades, gente energética, energizante e atuante. Tive a oportunidade de, junto com eles, derrubar umas quantas ideias pré-fabricadas e sonhar construções novas. O nascente ano promete uma carga de luz.

Christian Scott tem apenas 30 aninhos e já é uma revolução no jazz, junto com outros da sua geração. Ouvi quase exclusivamente jazz em toda a minha vida adulta, a partir do momento em que aos 17-19 anos a voz de Sara Vaughan atingiu-me como a seta de Cupido. E me fascinei com essa incrível aventura musical negra, que em 100 anos já passou do Blues ao Bebop, Cool, Post Bop, Hard Bop, Avant Garde, Fusion e estamos na era do jazz contemporâneo, sendo Brad Mehldau o músico que mais me tenha impactado nessa virada. No entanto essa música louca já tem inovadores e até gostei do termo "Next Bop". Músicos como Esperanza Spalding e Christian Scott são sons fresquinhos no mercado, fazendo cada vez mais a junção do pop e do "jazz puro", como defendido por Wynton Marsalis.

Há um sentimento de Next. É essencial perceber a cultura digital, a cidadania online, a desterritorialização do trabalho, o media art e toda uma série de fazeres e estares, que a era pós-contemporânea vem trazendo, para continuar a estar do lado dos atores. Next!

13.11.13

Filhos Radicais (Pais segurando firme)

Naia: Pai, hoje começamos a aprender os ordinais: sexagésimo, septuagésimo, octogésimo..
Eu: Uau, consegues até dizer essas palavras todas de enfiada!...
Naia: É, a professora disse que são palavrões, mas palavrões que podemos dizer - tratou de pontuar.
Eu (com súbito interesse): Ah é? E que palavrões que não podem dizer?
Naia: Mas não  posso dizer!!..Mas tu dizes, papá, quando estás chateado..Dizes muito um que começa com P e termina com A.
Eu: Ah é, digo tanto assim? Hmm...E que outros conheces?
Naia (com um sorrisão): conheço um que está em "computador"
AHAHAHAHAHAH (Saiu-me uma gargalhada dessas do fundo do poço!)
Eu (com acrescentado interesse): Que mais?
Naia: Tem um que começa com M e termina com A
Eu (apavorado com a direção da conversa / mantendo a pose de cool)
Naia:...Acho que só conheço esses 3... (ela deve ter lido uma prisão de ventre repentina na minha cara e saiu com esse tranquilizante)
Eu (fingindo autoridade): Mas diz-me, onde se aprende isso tudo?
Naia: Ora, os meus colegas dizem palavrões a toda hora!..(a safadinha se safou)

4.11.13

Poliamor

[Poliamor me lembra Lúcia, não tem como!]

Polienamorado pela minha terra. Me sentindo amando várias ao mesmo tempo, sem possibilidade qualquer de dedicar mais amor pra uma que pra outra. S.Vicente é ilha-mãe, inquestionável, Santiago é aquela mulher do calor, Sal é uma amante, Boavista é a outra, Fogo é aquela que nunca na vida se esquece, Maio é doce e discreta, S.Antão tem essa maneira de te agarrar, S.Nicolau ainda veste saias longas e sorri com a frescura de uma montanha virgem, Brava é essa moça linda, com ares de adolescente, sempre.

Mas como todo quem ama, sofre, assim me mata todos os dias a violência contra as ilhas. Os crimes ambientais são silenciosos e sorrateiros, embrulhados em elaboradas teorias jurídicas. O desprezo pelo património físico cultural é prova de selvajaria. Cabo Verde tem uma violência surda e letal, contra a natureza e o património cultural. E o pior é que tá tudo dentro da legalidade!...

21.10.13

Pit Stop

Artista: Sharon Hayes
Ready...
Fim-de-semana é um pit stop. Pit stop é aquela parada que acontece em 6 segundos em que os carros de fórmula 1 põem combustível, trocam rodas e ainda algum pedaço do carro que se tenha danificado. Mas FDS é pit stop em versão longa. Vamos à praia, verificamos o corpinho, testamos uns olhares, vamos ao shopping, sim, essa moda parva também já está cá, mas só que é preciso dizer que sempre fomos ao shopping, que antes era chamado de mercado, feira, sucupira, ya e outros nomes quanto a mim mais calorosos. A diferença agora é que se chama "shopping" que isso do inglês dá aquele toque tal. E a diferença é que no shopping andamos de forma engraçada, com uma certa pose, com um sorriso bobo na cara e fingimos que vamos comprar. Vamos ao cinema 2D e 3D, que essa parte eu gosto, mas o "nós" aqui é realmente bastante restrito. A transformação da cidade também tem a ver com essa delimitação estrita de espaços e essa estratificação clara da sociedade. No entanto na cidade da Praia continua a faltar dramaticamente espaços de qualidade, para um público exigente, em termos de cultura.

Steady...
Dia 18 foi Dia Nacional da Cultura. Foi interessante verificar que um pouco por todo o país os municípios organizaram eventos para assinalar o dia. Ou seja, moda pega e há modas que vêem por bem. Da qualidade já falamos daqui a pouco. 

Go!
Maus sinais vêem das relações Cabo Verde - Guiné-Bissau. De forma completamente artificial, vozes vão plantando a discórdia, entre povos, que na realidade do dia-a-dia, das relações humanas, dos contactos e dos afectos, não vivem na discórdia. A sociedade nos dá ferramentas técnicas e intelectuais, para devolvermos elevação de discurso e ação e não para expressar as nossas próprias frustrações e motivações, que nada tem a ver com o bem-comum. Mas felizmente que, de um lado e do outro da (pseudo)barricada há gente a trabalhar para realçar o que de bom (muito maior do que há de não bom) existe entre nós.

Restart.
Guiné-Bissau, como em Moçambique, países pobres, onde as populações atravessam vicissitudes várias, uma pergunta se impõe: de onde vêem as armas?

13.10.13

Sembène strikes


A quem interessa um “cinema negro”?
Este é o título de um artigo de Júlio César dos Santos e Rosa Maria Berardo, enviado a mim por Janaína Oliveira, minha amiga historiadora, que pesquisa a questão da invisibilidade do cinema negro e cinemas africanos.

As denominações "negro" e "cinema negro", causam imediatamente desconforto. Como causaria desconforto a denominação "cinema branco". O facto é que existe um cinema branco, ou orientado por brancos, ou feitos à medida de brancos, ou, aqui sim problemático, que não incomode os brancos. Olhando para o filme Emitai, do mestre Sembène, que mete o dedo de forma violenta na ferida do colonialismo, ou, digamos as coisas, da escravatura recente, percebemos que a pergunta "a quem interessa um cinema negro?" é uma questão com vários desdobramentos. O filme Emitai de Sembène foi tão cáustico que foi banido do seu próprio país, já independente! Razão para indagar a quem não interessou que esse filme passasse. Emitai é um filme que conta a história que não se quer contar. Traz um episódio bárbaro, esses tantos que aconteceram em todos os nossos países, como os massacres de Pidjiguiti ou Batepá, ou ainda o muito mal contado trabalho forçado em S.Tomé e Príncipe. Vi o filme e acordou-me sobre o facto que, de novo temos dominação europeia nas nossas sociedades. Na minha terra, os donos das maiores empresas são, outra vez, os europeus, o que provoca automaticamente a formação de uma elite que tem uma cor. E uma vez mais o intermediário dessa classe de facto dominante, é uma elite local, subserviente e sustentada por esse sistema, chamado de "investimento externo". No dia-a-dia vou vendo o lento ressurgimento de tensões baseadas na classe-etnia. E oiço comentários que me faz pensar que isso ainda vai acabar mal, outra vez. Pois, Emitai acorda essas consciências e quase que apela para uma militância, quando, uma vez mais fazendo uma crítica cirúrgica das próprias tradições africanas, nos apela a reformular os nossos modos de pensar e estar para melhor enfrentar a hegemonia estrangeira. Pois então, a quem interessa um cinema que acorda fantasmas, ou periga a "tranquila convivência multi-étnica nas nossas sociedades atuais"? A quem interessa manter as memórias vivas? A quem interessa ensinar a história na perspectiva oposta? Para quê mexer nisso tudo?..Talvez devêssemos perguntar ao judeu porque insiste em manter o holocausto vivo, ou o japonês porque mantêm Hiroxima na memória, ou até mesmo o francês porque insiste em lembrar o nazismo.

10.10.13

Like Sembène

Ourmane Sembène precisa nos falar de coisas, mas não coisas quaisquer e sim coisas profundamente engajadas, politicamente engajadas, ideologicamente engajadas. O homem é da geração da "libertação de África", nos vários sentidos que essa palavra pode assumir. É contemporâneo de Cabral, Fanon, Senghor, entre outros nacionalista africanos e lhes é tributário, como atesta na sua declaração, no início do seu filme "Emitai": "Dedico este filme a todos os militantes da causa africana". 

Em Moolaadé, Sembène  precisa nos falar de uma das mais graves violações de direitos humanos da atualidade: a mutilação genital feminina. Essa mutilação se justifica na tradição/religião, da mesma forma como se justificava a morte de jovens Incas, para lhes arrancar o coração para oferecer aos deuses. Ora aí está um bom ponto: tradição e religião não são imutáveis. Quando uma prática não mais serve a nenhum propósito, rejeitamo-la. E é isso que Sembène  faz em relação ao tema, com força, determinação e usando eficazmente a arte. Ora, como fazer arte, com os seus preceitos próprios, de harmonização, de busca estética, de expressividade, etc., e ao mesmo tempo veicular um discurso ideológico, forte e marcado? É aqui que começa o maravilhamento sobre o cinema de Ousmane Sembène.

Sembène em Moolaadé, antes de mais, perscruta a sua cultura ancestral nos seus mais ínfimos significados. Desmonta esses significados diante dos nossos olhos, como um mecânico desmonta o motor de um carro, enquanto nos explica a função de cada peça. É com esse vocabulário de significados que ele constrói um potente discurso, questionando a própria tradição. Tão forte que quem vê fica logo também engajado, numa posição ou noutra. Depois vem o cineasta/artista, na forma como ele constrói a narrativa, plano a plano, não desperdiçando recursos, num método quase teatral, em quadros onde tudo circula na perfeição, que até corre o risco de artificia-los, alternando ritmos e intensidade, ou seja, usando a totalidade da linguagem cinematográfica, demonstra como ele domina o seu métier. Em resumo, ver este filme é uma inspiração para todos que gostam de um cinema socialmente ou politicamente engajado, ao mesmo tempo que vemos uma obra visualmente linda.

30.8.13

Sextavado

Artista: Ericka Beckman

Sexta é dia de agito no quadrante in da society. Sucede a quinta, que por relação íntima é conhecida precisamente por sextinha, e precede o sábado, dia em que gin tonic tem sabor a águas translúcidas verde-esmeralda num dia solarengo e manso de praia. Ideal mesmo para o agito é iniciar na sextinha, com as habituais convocatórias no Feice (batismo crioulo de Facebook). Feice na verdade é a maior revolução tecnológica para o crioulo, depois de trapiche. Não se conhece outro invento na atualidade que tenha mais utilidade que Feice. Numa mesma plataforma pode-se identificar a roupa, o sapato e o penteado que o outro está a usar, sondar as disponibilidades para um flirt, incendiar relações, marcar encontros e pesquisar as tendências da night. Adicionalmente, dá para enviar uma frase de preocupação ecológica ou de auto-ajuda, ou ainda, tangencialmente, expressar o horror pela guerra. Para completar as maravilhas do Feice, tudo fica registado, de fotos, a vídeos, a flagras e a declarações, para análise cuidadosa de segunda a quarta. Domingo não existe.

Sexta é quintessencial para gente chique. É dia de perfume e vestidos em vapores. Dia de lábios, olhares, profusão sensual. Dia de risadas, frases ocas, dia de beat. Segundo as estatísticas, álcool vende sete vezes mais que cultura. Economia alcoólica, assim pode-se dizer, num balanço da semana.

28.8.13

Quarta-Parede

Artista: Ei Arakawa

Reality Show?? Quem deu este nome a esses programas de voyerismo audiovisual, em que metem uns desgraçados dentro de uma casa, fazendo-lhes pressão psicológica, a ver a merda que sai?

Há 50 anos Martin Luther King tinha proferido o discurso "I have a Dream". No mundo já chamado por alguns de pós-contemporâneo, em que a interacção homem-máquina é o grande buzzword, estamos ainda a assistir a episódios de um racismo que vem das estruturas das famílias brancas bem nascidas, dos filhos bem criados e médicos negros, vaiados por serem...negros e cubanos. Esta batalha ainda se trava ferozmente, quando já temos televisões interativas, web sites interativos, carros interativos, telefones inteligentes, casas inteligentes, caixas automáticas interativas e até um eletrodoméstico, que custa dez vezes o salário mínimo cabo-verdiano, que está a desafiar os chefs de cozinha, que faz tudo, do descascar, temperar, ao assar. Amy Jane, minha amiga senegalesa, encheu a boca de uma indignação contida e disse-me que Cabo Verde não respeita a CEDEAO. Minha boca permaneceu fechada da pura constatação.

Entretanto ali na esquina ultimam-se os preparativos para a 3ª guerra mundial, com consequências imprevisíveis para as nossas economias, para a segurança mundial, para o ambiente e para o próprio mundo, já que se prometeu uma força bélica jamais vista no mundo, promessa essa feita num tom de surpresa Kinder. Os senhores do mundo continuam a brincar de Lúcifer, a ver quem consegue primeiro arrebentar com isto de uma vez por todas. As baratas, segundo dizem, serão as únicas sobreviventes a um cataclismo atómico. As baratas esperam a sua vez.

Para terminar, voto na Lizy para regressar à Casa do Líder, versão crioula de reality show. Ela é autenticamente e idiossincraticamente crioula e é uma injustiça que tenha sido expulsa da Casa. Juro!

13.8.13

Música na Rádio II





















[Hip-Hop]

N'ka kre fika ku bo
Pamó n'ka ta amou
Bu txoman di idiota
Ma n'ka kre fazi ku bo
Kuze ki txeu omi ta fazi ku txeu mudjer
Si bu odjan ku nha pikena
Mó ki bu ta xinti?
...

(Tradução pra lusofonia)
Não quero ficar contigo
Porque não te amo
Chamaste-me de idiota
Mas não quero fazer contigo
O que muitos homens fazem com muitas mulheres
Se me vires com a minha namorada
O que sentirás?

(Destaque do autor do artigo)
Mó ki bu ta xinti?

Músicas na Rádio I


[Funaná]
Bu kre rabenta ku mi, bu kre rabenta ku mi
N'pou karu na strada
N'pou dinheru na bolsu
N'dou tudu dokumento
Minina bu kre rabenta ku mi
...

(Tradução pra lusofonia)
Queres acabar comigo...
Pus-te um carro na estrada
Pus-te dinheiro no bolso
Dei-te todos os documentos
Menina queres acabar comigo

(Destaque do autor do artigo)
N'dou tudu dokumentu

Emoções novas no horizonte


Em modo espera. À espera da chuva, da viagem, de acontecer os acontecimentos importantes que se apontam no horizonte. À espera de rever os amigos, me re-encher de emoções novas. Limpando o equipamento, calibrando as máquinas, verificando a afinação dos mecanismos. Testes. Verificação das hipóteses. O céu está carregado de água, que balança, balança e mantêm todos de olhos no céu. Mas não cai. Balança. Todos esperam. Esperam a água, as cheias. Esperam nem pouca água, nem demasiada água. Espero que o lixo não desague no mar, que árvores não caiam, que pessoas não desesperem. Esperamos, esperamos. Emoções novas no horizonte.

9.8.13

Ramadan

Imagem: euronews.com

Feliz por iniciar o meu trabalho com as comunidades africanas imigradas em Cabo Verde. Hoje na Cidade da Praia, centenas (ou milhares) de fiéis muçulmanos marcaram o fim do Ramadão. Fui numa das concentrações, no largo do Estádio da Várzea. Parei em silêncio a observar, ouvir e sentir. Estou longe de ser um fã das religiões, principalmente porque dão azo a maus usos, ou não seriam as grandes barbáries humanas - da inquisição, à escravatura, o nazismo e o terrorismo - todas feitas em nome de Deus de uns, ou contra Deus de outros. No entanto, em qualquer espaço onde se celebra um culto religioso, emana uma espiritualidade, que vem da comunhão de pessoas em gestos fraternos uns em relação aos outros, que até parece que o ar muda. Quem não consegue sentir essa vibração, presumo que não consiga sentir vibração outra nenhuma.

O crescimento do Islamismo em Cabo Verde espanta, não pela sua dimensão, mas porque andamos distraídos e, de repente, quando os fiéis se concentram e mostram a força dos números, vem a constatação: Cabo Verde é também agora um país muçulmano. Quando vejo as benesses que a Igreja Católica usufrui do Estado dito laico, ainda, depois de acabar a escravatura, terminar o colonialismo, questiono-me como será quando o Islamismo for, digamos, 10% da população. E sei que estarei vivinho para testemunhar esse tempo. Só não sei se será de tolerância ou estupidez. 

19.7.13

Finas navalhas


Os americanos apanham militar guineense, acusado de crimes, em alto-mar no seu iate de luxo. Aliás, o luxo do iate de um militar de um país onde a população esgrima-se pela sobrevivência, é já de per si uma novela só. Os americanos conduzem o iate de luxo, com militar dentro, para um cais de Cabo Verde. Não tarda a reação da Guiné-Bissau a acusaram Cabo Verde de entregarem um alto cidadão seu à opaca justiça internacional dos americanos. Cabo Verde replica que o iate, o seu luxo e o seu conteúdo, foram apanhados em águas internacionais. Azia instalada. Entretanto, cidadã guineense é apanhada com droga num aeroporto de Cabo Verde. Segue a sua extradição para o país de origem, acompanhada por dois policiais cabo-verdianos. Chegando lá, as autoridades capturam esses policiais, acusando-os de comportamentos estranhos, tais como não terem aparecido com a senhora, (esfumou-se nessa estória), ou que os agentes não teriam dado entrada no hotel onde supostamente deviam dar, supondo-se que terão preferido ir brincar aos espiões. Segue julgamento dos agentes, pela justiça guineense, que as autoridades cabo-verdianas já vão denunciando, que está repleto de ilegalidades, o tal julgamento. Entretanto os governantes dos dois lados vão espetando finas navalhas nas costelas uns dos outros.

Os espetadores aguardam o momento em que a estória explode.

8.7.13

Independência, é?!

Artista: Mel Bochner

Em suma, os gays fazem a sua parada, os stripers tiram a calcinha (feita da bandeira nacional), toneladas de cerveja rolam em vários dias de festivais e os políticos hesitam entre o muito mau país e o muito campeão país. A Independência permitiu isso, a pluralidade.

Uma definição de país hoje é constantemente variável. Varia com o estado do tempo e do temperamento. A análise depende se feita do planalto ou da planície. Depende da feição dos ventos. Nada de terrivelmente profundo. Somente umas formulações apressadas na TV, ou opiniões inseguras na rua entre os populares. Nada de estudos, ou publicações, literatura ou arte. Somente programas de TV, propaganda, anúncios turísticos ou de venda de lotes. Mesmo que de quando em vez venha um aviso de fora, nem se sabe bem de que ponto cardeal, que diz: o país tem risco de convulsões!...Só quem não vive com os pés assentes neste chão não sabe que, isto aqui é uma convulsão, constante.


3.7.13

Tumular

Artista: Hedwig Houben

Tribunal é um lugar pesado. Tipo cemitério. O edifício é pesado, a espera é longa, o processo é lento, as togas negras parecem a morte a caminhar, o escrivão tecla com dois dedos, o juiz corrige os autos como se fossem dactilografados por uma criança, as declarações são pomposas, os bancos são duríssimos, a sala é feiíssima, os mobiliários são cinzentos, as feições são fechadas e a palavra "julgar" tem aparência de catana. 

1.7.13

Puberdade cidadã

Artista: Richard Hawkins

Enquanto o mundo se revoluciona, nós aqui, em respeito à tradição, aguardamos a feição do vento para decidir o rumo a tomar. O Brasil, em tempo real, digladia-se com as suas graves rachaduras sociais, levando o povo à rua, levando a polícia à rua, levando a embates físicos às vezes trágicos, em tempo real, explode de alegria por mais um título no futebol, o enésimo título. Aqui, perante os Gays, Lésbicas e Simpatizantes (adoro o termo "simpatizante") a sociedade divide-se em comentários tímidos, também em respeito à tradição do posicionamento não firme. As figuras públicas ou apressam-se em demonstrar que não têm preconceitos, numa pressa que quase denota preconceito, ou ficam caladinhos à espera da reação dos colegas de equipa, ou ainda invocam esdrúxulos valores da família, jurando defender os direitos humanos.  Se há tema que provoca hilárias reações, esse tema tem a ver com o sexo em geral. Os GLS.CV tocaram no umbigo da nossa púbere sociedade.

17.6.13

Animalidade política

Artista: James Richards

"A unidade estatal é, pois, de natureza espiritual. É nesta vontade espiritual que se consubstancia a unidade do Estado. O território estatal é o espaço sobre o qual esta unidade se estende; a população, ou o povo, é o conjunto dos cidadãos que a a sustentam; e o Poder estatal é a força que deles emana."
Introdução à Ciência Política, António José Fernandes, 1995

Ponho-me a pensar em território-país e território-diáspora, sobre cidadãos-"naturais" (tal como define o registo notarial), cidadãos-emigrantes e cidadãos-imigrantes. Penso se teremos a noção da Nação como um Território imenso, que se estende por todo o espaço onde haja um sentimento nacional marcado, com População nascida, emigrada e imigrada e se o Poder terá isso tudo em conta. Penso se os nossos políticos serão estrategas ou comerciantes a retalho.

15.6.13

Bucólicos

Artista: Valie Export

Em S.Paulo, Brasil, a multidão mostra as garras e a polícia militar mostra os dentes. O povo, contagiado por outros povos, que agora por todos os lados resolveu protestar contra a forma de exercício do poder, nas ditas democracias, saiu à rua, apanha com gás lacrimogéneo, apanha com bala de borracha, mas se mantêm firme. O poder, a dita democracia, através da instituição militar/policial, acorda os demónios da ditadura. E nós por cá, nesse cantinho do mundo, não sei se por sorte ou condenação divina, vivemos na pastorícia paz, o que faz de nós pastores ou, inversamente, gado, alegres e contentes. Aqui não há abuso do poder, jogos malignos de interesses, ou governação prejudicial ao povo e à natureza. Por nós, não passam armas, drogas e tráfico humano. Nem há manobras militares. Aqui tudo se passa na mais pura paz atlântica. Que povo lindo!(?)

6.6.13

À carga!


O projeto de quebra-mar de Ponta Preta, na ilha do Sal, foi aprovado!

É assim que nos dão a notícia. Podia ser, vamos derrubar o vulcão do Fogo, para construir um resort turístico. Ou, vamos acabar com o centro histórico do Plateau, para construir umas lojas baratas. Podia ser qualquer coisa, porque a lógica é que alguns decidem pelos outros, na base de valores imediatos. O que mais me corrói em Cabo Verde, a minha terra amada, é que a Cultura e o Ambiente são dois conceitos absolutamente vilipendiados. A facilidade com que se deita uma árvore abaixo, a ferocidade com que se acaba com espécies, a ligeireza com que se altera a paisagem, a rapidez com que se desmorona um edifício antigo, a facilidade com que se desfaz dos arquivos, a indiferença com que se convive com o lixo e esses argumentos sinceramente muito mal explicados que se usa para construir uma estrutura no meio do mar, contrariando na alma os utilizadores do local, no caso os cultores do espaço, praticantes de desportos náuticos, inclusive campeões mundiais, com o fim tão ridiculamente exclusivo de permitir um banhinho de mar tranquilo a turistas!...Há limites, senhores, há limites.

A questão da Ponta Preta não é se a geodinâmica altera ou não, se ficam mais tartarugas ou não. Nem se é legal ou não. A questão é de cidadania. A questão é que várias alterações vão sendo perpetuadas na frágil ilha do Sal e ninguém fala. Quando um grupo, realmente ferido na alma, protesta, o poder mostra como tem mão pesada. Decide!..O ponto essencial, que as autoridades fingem ignorar, é que para todo o fiel, neste caso os surfistas, que são das pessoas mais religiosas que conheço, quando se deita um lugar sagrado no chão, isso representa uma afronta que não podem calcular senhores. Fiquem atentos à raiva gerada.

5.6.13

Ponto Negro II


A questão do suposto projeto do quebra-mar em Ponta Preta, outra vez! A simples ideia de construir uma estrutura para interromper um fluxo da natureza, é de per si uma ideia assustadora. De cada vez que o homem faz isso, dá merda em algum lado. Concretamente ao caso de Ponta Preta:

Ali faz onda, ó se faz! Faz tantas ondas que é mundialmente procurado por surfistas, windsurfistas e kitesurfistas. Faz tanto que até já produziu os dois maiores títulos mundiais no desporto cabo-verdiano: 1 vencedor de uma etapa da prova mundial de ondas de windsurf, Josh Angulo, e 1 campeão mundial de kitesurf, Mitu Monteiro!!...Mas será tão difícil assim entender isso!! Onde estão os Tubarões Azuis agora? Onde estão o senhores do desporto agora?...

O que querem fazer em Ponta Preta: construir um quebra-mar para facilitar o banho dos turistas!! Onde é que estamos? Que tipo de lógica é essa? De todos os kilómetros de praia que a ilha tem, porquê a insistência exactamente no ponto onde é super valorizado pelo facto de ter...ondas! Ou seja, a luta aqui é entre uma atividade desportiva, limpa, ecológica, rentável, aliás eternamente rentável, e outra atividade invasora, potencialmente destruidora, conjuntural e com uma justificativa económica bastante discutível. A luta aqui é entre velhos senhores sentados num gabinete climatizado, a ver os cifrões a cintilar na imaginação, e uma geração jovem,que pensa diferente,pensa natureza, quer um vida diferente, mais justa, mais ecológica para estas frágeis ilhas. O pior disso tudo é que, arrogantemente, as autoridades não nos informam suficientemente sobre o projeto, não nos explicam que raio de vantagens são essas, não mostram as partes em jogo...é tudo um lodo, que nem passa a luz.

E a cidadania?...Ah Cabo Verde campeão de África, rei da cosmética.

2.6.13

E no entanto..ar

Artista: Ugo Rondinone

Frequentemente tenho a oportunidade de viajar por este meu país, Cabo Verde. Quando vejo, em total silêncio, as dunas da Boavista, ou o imponente vulcão da ilha do Fogo, na sua assustadora paisagem a lembrar a superfície da lua, ou quando subo até o cima das altas montanhas da ilha de S.Nicolau ou Santiago, quando vejo amanheceres de cortar a respiração ou entardeceres a sugerir a presença divina, quando posso parar e observar esta luz do sol, que é a força mais marcante destas ilhas, sinto-me a habitar ilhas maravilhosas, que convidam à peregrinação e à meditação. Cabo Verde consegue ainda marcar este agitado século com lugares de quietude, com povoações que parecem embalados num longo sono e pessoas que olham curiosas e se predispõem a conversar, dar uma indicação, ou até acompanhar o visitante se assim ele desejar. Cabo Verde, fora dos centros urbanos e dos gigantescos aglomerados turísticos, ainda guarda esses tesouros, que se deve descobrir caminhando, em passo lento, para dar tempo aos olhos de apreciar a combinação de natureza e presença humana, para dar tempo de pensar como é interessante atravessar tantas paisagens diferentes, de praias planas e águas limpas, a imponentes montanhas, ou mini florestas, tudo em tão pouca extensão de território.

Clima encoberto

Artista: Amy Bessone

Tarrafal, na ilha de Santiago, meu retiro espiritual, este fim-de-semana estava encoberto. Estranha sensação de uma manta gigantesca de pobreza que vai abafando esse cantinho maravilhoso da natureza. Hotéis fechados e abandonados, casas fechadas, ruas desertas, povo que outrora parecia sereno, com um semblante de inquietação, pedintes, carentes, assediando turistas, pescadores sem peixe, peixeiras sem venda, restaurantes vazios, preços elevados com a intenção de compensar a perda nos negócios, o que causa é mais repulsa dos negócios. Amo Tarrafal, como se fosse a terra onde nasci. Peregrino-me por Tarrafal, mas de toda a vez que vou fico de coração rasgado de ver a degradação, a imponência do mau-gosto, o reinado dos oportunistas. No diálogo ruidoso dos dirigentes e anti-dirigentes desta minha terra, situações vão sendo esquecidas, abandonadas ao definhamento.

22.5.13

A começar o dia...

Artista: Nevin Aladağ’s 

O quotidiano presenteia-nos com delicadas e deliciosas passagens e, dependente do estado de espírito, são irritações ou são toques de mágica. 

Assim iniciei o dia. Fui lá na loja do imigrante. Sempre correcto, sempre solícito, calmo a ouvir o cliente e sempre com uma solução, ou então aflito se não puder ajudar. Precisava tão-somente cortar o meu SIM Card, para que pudesse se adaptar ao meu novo telemóvel. Eu era o primeiríssimo cliente, ainda o dia tinha ares de madrugada. Eles lá têm uma tesoura especial que corta o cartão assim, trak! E pronto. Quanto custa? Oh não, não cobramos nada por isso...mas deixa ficar 20 escudos, para não azarar o dia! 20 escudos, para os que não sabem, só compra um rebuçado. Saiu de mim, uma leve e massageante risada. Saquei dos 20 escudos, não vá ser eu o responsável por um mau dia no comércio. E despedi-me, remetendo-me no quotidiano, sorrindo, dia bem começado.

14.5.13

Funcionários Polimórficos


Tanque cheio, gasolina, são comandos transmitidos automaticamente aos moços da bomba, que são chamados de bombeiros (denominação curiosa em tão inflamável zona), por trabalharem numa bomba, duh! De tanto repetir esses comandos, por anos, todos os meses, já nem se vê para a cara desses bombeiros, figuras também discretas, que normalmente só emitem o som do sim senhor e do obrigado. Até que, hoje, autómato, absorto nas minhas intricações mentais, sou surpreendido por um deles com a oferta: senhor, o senhor gosta de perfume americano? Eu...um tanto trazido à terra de repente, ahn? Repete ele, o senhor gosta de perfume americano? Eu, meio irritado e meio divertido pelo inusitado, rapaz, nem gosto de perfume americano!...Ok, desculpa, segue a bombagem da gasolina. Viro a cara para o lado, para poder sorrir da momentânea transformação do funcionário da estação de combustível em vendedor ambulante clandestino. No fim da bombagem, pago, tomo o troco, pronto para arrancar, mas intuitivamente reparo que o preço afixado no painel e as moedas que tinha recebido, não batiam. O preço terminava em 4 e recebi 550 escudos redondos. Conferi e faltavam 16 escudos. Terminou a piada! Em tom severo, digo-lhe, falta-me dinheiro! Senhor, não tenho 16 escudos. Em tom autoritário, vai arranjar e traz!! Deu-me 20, perdeu 4. Para trás deixo um moço, que tanto pode ser bombeiro, vendedor de rua ou claramente mau funcionário.

Preto Ladino Perdendo a Compostura

foto sacada da página FB do Flávio

Flávio Hamilton, para quem não conhece, não é só um dos maiores atores cabo-verdianos da atualidade; é simplesmente um grande ator em toda a parte do mundo. Flávio, ilustre cidadão do Porto, Portugal, esse país que insistimos que é o nosso país irmão, apesar dos pesares, acaba de me indignar profundamente com o relato na sua página de Facebook, que ele intitulou "ACERDA DA DOR DE PELE", onde conta como foi barrado à porta de um bar conhecido pelo nome de "Plano B". Mesmo insistindo que o explicassem o porquê, foi tão simplesmente deixado à porta como um indigente...

Ora, aqui neste ponto desperta em mim o bicho da revolta. É preciso ter mais tento nas palavras, ouvi sempre. É preciso deixar passar essas coisas estúpidas, ouvi sempre. Pois!!!, foi precisamente essa a educação que recebemos da catequese e fomos os melhores alunos da história. Os pretos mais bem sucedidos da ladinização. Os obedientes, os que até vieram a se tornar aliados dos colonos na sua subjugação de outros povos. Os tementes a Deus  os recatados e prudentes. Por essa via, é como ainda nos continuam a estuprar. Nem eu, nem o meu mais profundo ser, pode aceitar o racismo, nem lá, nem cá, ainda mais quando vejo a desfilar debaixo do meu nariz um retorno maciço de "nossos irmãos" à minha terra, infelizmente para os bons, muitos vem com os seus comportamentos de merda, com as suas declarações de merda, com as suas insinuações miúdas. Que me perdoem os bons, porque os tenho e são de casa, mas nessas situações só mesmo uma boa dose de má-criação para expressar o quanto esse assunto mexe comigo. Porque perco a compostura!

30.4.13

Geração Ética

Artista: Annette Kelm

Num instante a terrinha passou de uma província periférica, para país, de plenos direitos, inserido num mundo formidável e cruel, em iguais medidas. Num instante, já não somos mais aquele belo povo exótico, a quem se dava o nome de Morabeza.

Talvez seja de bom-tom, o que nas sociedades minúsculas se costuma dizer, que fiquei consternado ao ver conhecidos meus a entrarem pelos tribunais, algemados, tais animais encurralados. Sim, ficar até fiquei, mas de seguida lembrei-me do quanto mais consternado fiquei, a assistir ao longo desses tempos à transformação de ingénuas pessoas, inofensivos habitantes de ilhas, em maquiavélicos construtores de esquemas, ou de como humildes pessoas se tornaram artificialmente vaidosas. A tal ponto que, ter brandos costumes, roupas simples e trabalhos pacatos, começaram até a parecer ridículos valores. A tal ponto que, não ter um esquema passou a ser sinónimo de falta de inteligência. Mas, ainda bem que é assim, a lei natural reequilibra tudo, repõe o que se tirou, compensa o que se amputou, corrige o que se desviou. Calhou a conhecidos meus apanhar com o martelo da lei. Tinha de calhar um dia e calhou nesses.

Num instante já não somos mais o país das tardes sossegadas. Todos querem correr na frente, mesmo que isso signifique advogar contra o povo, sendo eleito do povo. Da próxima falaremos desses outros tipos de maquiavélicos construtores de esquemas.

25.4.13

Liberdade, disseram.

Artista: Ei Arakawa

Hoje marca o dia de ontem em que todos os utópicos celebraram o retorno à liberdade. Foi necessário que milhares de jovens, dos dois lados da barricada, entregassem a vida, até que os velhos casmurros chegassem à evidência que um povo não se amarra. Lembro-me do nosso músico-poeta, Norberto Tavares, que disse: "amarrem-me as mãos e os pés, mas não podem amarrar-me o pensamento". Foi necessário que uma geração inteira de líderes escolhessem estar nas matas, ou na clandestinidade, vivendo com medo das sombras, no lugar de irem ao cinema, ou fazerem disparates próprias da idade, para que se conduzisse os povos a um estado de liberdade. Liberdade, disseram. E no entanto a liberdade não souberam guardar, pois mal descansaram de combater os usurpadores e já estavam sentados nas poltronas dos usurpadores, mal terminaram os discursos fervorosos e já estavam a construir os discursos falaciosos. Liberdade! Já ninguém(?) vai para a prisão por pensar. Liberdade sim e no entanto mal podemos escolher onde ir, onde trabalhar, onde morar, o que comer, quando comer, o que ter, como ter, como crescer e como levantar-se e dizer, a compreender bem a palavra: liberdade!

11.4.13

Atingida por um raio


Terá a Cidade da Praia sentido que foi atingido por um raio de vários megawatts chamado AME (Atlantic Music Expo)?...Bem me parecia que não.

Pois, aconteceu assim, num flash, o AME. O acontecimento foi de tal maneira grande que não tivemos mãos suficientes para o agarrar. Então, que dizer quando temos reunidos aqui nesta cidade alguns dos maiores produtores da música do mundo, ou influentes jornalistas de grandes meios de comunicação social internacionais, ou até mesmo ministros de cá e do Senegal, nada mais, nada menos que Youssou N'Dour, Ministro do Turismo e Cultura do Senegal e que, por outro lado, tenhamos uma tão pálida presença de músicos e produtores musicais e outros agentes do mundo da música nesse grande evento?! Então?! Chamamos o mundo e não estamos preparados para acolher o mundo?...Cada um terá a sua explicação e até as suas queixas, mas cá por mim o indicador foi: Cabo Verde é tido como um país da música, por excelência. Todos, nacionais e internacionais, são unânimes em afirmar que é desproporcional a quantidade e a qualidade da música CV em relação à dimensão territorial do país. Mas no entanto, desse facto à efetivação de bons negócios para a música CV, vai ainda uma bom bocado. É definitivamente o trabalho chato mas inultrapassável que temos de fazer, nas nossas organizações, na nossa maneira de estar, que tem que passar da boa-camaradagem a parcerias profissionais sérias, sólidas e produtivas. É tal coisa de passarmos do estado da mão-estendida, para meter as mãos e fazermos o nosso próprio desenvolvimento. Mas para isso tudo é preciso abandonar um certo pensamento curto, também, segundo dizem, típico de terra pequena.

14.3.13

Cheiro a Túmulo


De toda a vez que olho para as realezas europeias, simbólicas mas ainda largamente presentes, ainda por cima, para infortúnio dos seus súbditos, a consumirem uma boa parte do orçamento dos seus Estados, o que parece uma contrassenso, porque a República derrubou a monarquia, mas continua a pagar as suas ossadas a preço de ouro, ou quando vejo uma enfiada de velhotes que nem se aguentam de pé no Vaticano a ditarem o que grande parte da população do globo deve e não deve rezar, ou quando sei que ainda os preços das matérias-prima de África se decidem nas bolsas europeias e norte-americanas, que também as artes e a ciência continuam ainda largamente sediadas na Europa e nos US, percebo que a chamada crise não é mais que um terramoto que vai fragmentar essa excessiva concentração de poderes e vai proporcionar novas centralidades. Isso já acontece com a China a comprar as dívidas públicas, ou Angola a comprar ativos europeus, ou o Brasil a liderar a Cultura Digital. Mas percebo que ainda é preciso dispersar mais os poderes e olhar para o (re)crescimento do festival de cinema Fespaco, ou ver para a CEDEAO como uma grande espaço para negócios e intercâmbio, ou mesmo, aqui ao lado, ver para a Bienal de Dakar como um espaço que já devíamos pertencer.

Quando penso nesses vetores sinto-me horrivelmente sufocado no provincianismo barroco destas ilhas, com essa mania que somos os maiores, sem nos darmos conta que isso foi um dedo que nos enfiaram por um buraco acima. 

5.3.13

Empreendedor


Badio é o nome fictício de um condutor badio no Sal. Badio, para os que não sabem, é a denominação dada aos habitantes da ilha de Santiago, tipo carioca para os habitantes de Rio de Janeiro. Para os que não sabem também, cada habitante de cada ilha é famoso por alguma característica. Os badios e as badias são famosos em determinadas profissões e vão a todo o lado de Cabo Verde para demonstrar que são especialistas nessas profissões.

Badio é condutor das famosas carrinhas que fazem a carreira Espargos-S.Maria-Espargos, na ilha do Sal. Eles não dão qualquer chance aos condutores das outras ilhas. São eles os reis da praça. Quase 2h da tarde, em S.Maria, eu tinha uma pressa grande de chegar a Espargos, para encontros de trabalho. Poucos clientes na carrinha. Na verdade eu era o único cliente. Badio faz de tudo para captar clientes. Circula, vai, vem, sai do carro, pega as pessoas na mão, canta-lhes, fala francês, italiano ou seja o que for preciso para dizer "Espargos, Espargos!" (com entoações em várias línguas). Badio vai e vem e eu com tamanha pressa. Disse-lhe, sócio (que é como em Santiago dizemos "companheiro..."), vou ter de sair do carro e apanhar um táxi (que é 10x mais caro). Badio num ápice, por instinto mesmo, replicou, pagas 800 e vamos! Nada contra; poupei 200 em relação ao táxi, despachava-me, Badio, à primeira vista perdia 700, mas...feitas as contas, ele deve ter feito um bom negócio: não ficava 1h a circular por S.Maria à cata de clientes, otimizou assim o tempo, ainda apanhou mais uns 2 clientes pelo caminho e talvez se tenha safado, num dia particularmente difícil, com tantas carrinhas na praça e poucos clientes.

A vivacidade de Badio inspirou-me. Se uma parte dos Caboverdianos fosse assim vivaço e com instinto empreendedor como Badio, estaríamos melhor, de certeza.

21.2.13

Praia Mundi

Artista: Nicholas Byrne

Pai, na minha sala há 2 americanos, 3 angolanos, 1 guineense, 3 portugueses...e 13 caboverdianos. Ahn, um dos caboverdianos é filho de uma russa. Foi assim que Naia se deu conta da multiculturalidade da sua sala de aulas.

Uma das razões porque gosto tanto da Cidade da Praia é porque gosto tanto de gente diferente. E Praia tem qualquer povo que se possa imaginar, com especial predominância de senegaleses, guineenses, nigerianos, mas também imensos portugueses. Sem esquecer os chineses, que parecem se multiplicar por clonagem. Mas ainda há indianos, espanhóis, franceses, italianos, japoneses, brasileiros, de outros países e um pouco de todo o lado. Tenho pelo menos um amigo de cada um dessas origens. O que não gosto é da imensa ignorância, o que leva à intolerância, de uns em relação aos outros. Nós não gostamos de nenhum deles, enchem-nos a terra. Os portugueses não gostam de nós, vivem fazendo piadinhas. Nós não gostamos dos chineses, que são antipáticos, mas também eles não devem morrer de amor por nós. Os guineenses não gostam de nós, que somos armados em superiores, igualmente os senegaleses acham-nos levianos, os franceses nem se misturam, igualmente os espanhóis preferem o seu gueto. Os angolanos tem uma definição concisa de caboverdiano, nós também deles. Regra geral, qualquer africano do continente não nos considera africanos, porque regra geral não nos sentimos africanos. Os europeus não nos reconhecem como africanos, mas tão-pouco nos reconhecem com europeus. Preferimos pertencer a uma raça abstracta que se chama atlânticos. Oiço essa coisa da boca de muito boa gente. Somos uma geração da intolerância, mas com pretensões cosmopolitas. Fingimos nos dar bem, mas não nos damos bem. Sorrisos em face um ao outro e passamos um jantar todo a descascar para cima dos outros. Vice-versa já foi observado também. Eu gosto de eles todos, excepto os seus maus comportamentos. Também eu já fui surpreendido a ter atitudes exemplarmente racistas, mas procuro me adaptar, juro. Mas enfim, gosto tanto deles todos, até porque dão-me motivo para escrever.

Naia vai crescer numa Praia multicultural e nem vai se lembrar da origem dos seus amigos do parque de diversões. Ou pelo menos é a minha esperança.

20.2.13

Notas cotidianas

Artista: Christopher Knowles

Boa educação à moda antiga ainda não tem substituto. Continua válido, elegante e delicioso.

Normalmente saio de casa de manhã bem devagar. Apanho os raios de sol todos, entre a casa e local de trabalho, porque nesses dias tenho o privilégio de ir ao trabalho a pé. Paro, falo com as pessoas, não tenho pressa nenhuma em chegar ao escritório. Nesse pequeno tempo entre um local e outro, acontecem coisas incríveis, boas e más. Aconteceram-me:

Um miúdo, que não deve ter mais idade que a minha filha de 8 anos e portanto devia estar, ou na escola, ou a estudar, ou a brincar, mas não, em vez disso vendia rebuçados na ponta da esquina para ajudar a economia familiar. O miúdo virou-se para mim, abruptamente, e disse: "kant'ora?" (quantas horas?). É exatamente por isso que gosto de sair de casa devagar, para ter calma de espírito para reagir as negatividades do cotidiano. Virei-me para o miúdo, num tom de pai, e disse-lhe: "querido, diz, por favor, diga-me as horas e no final diz obrigado". Obriguei-lhe quase que repetisse a frase e ele timidamente, envergonhado, repetiu. Despedi-me, como um pai. No outro dia, vinha a passar na mesma rotina, o miúdo virou-se para mim e disse: "senhor, que horas são, por favor?". Tive um ataque de sorriso! Disse-lhe as horas e ele aprontou-se: "obrigado, senhor!". O sorriso deve ter ficado incrustado na minha cara o dia todo, espreitei o miúdo ao afastar-me, ele via para mim e sorria, no que podia traduzir-se por: "obrigado senhor, por me ter ajudado a ser um miúdo melhor".

Adoro esses detalhes do cotidiano. 

15.2.13

Ativismo de pacotilha

(donde apanhei não vinha autor, sorry autor)

Ficaria muito contente se o protesto sobre um alegado plano maquiavélico de acabar com a praia da Lajinha, em S.Vicente, fosse um verdadeiro ativismo civil e ambiental. Esclarecimento: ativismo, o verdadeiro, caracteriza-se por um movimento de cidadãos responsáveis, que se organizam, repito, se organizam, torno a repetir, se organizam, para estudar (repararam que disse "estudar"?) um assunto e, constatando clara indicação de lesa interesse público, mais uma vez, se organizam para procurar as melhores formas de protesto, que passam por escrever cartas fundamentadas às autoridades, fazer conferências de imprensa elucidativas, publicar nos jornais, fazer filmes para a Internet, criar petições, fazer vigílias nos locais afetados, e ter a consciência que essas lutas podem durar anos. Já agora, lembrem-se de perguntar aos outros interesses na ilha, o que pensam sobre isso: os operadores económicos, os proprietários de camiões, os comerciantes, etc. Outra coisa, deixar que os políticos tomem frente dessas "batalhas", não conta.

Ficaria muito, mas mesmo muito feliz, se esse protesto representasse um acordar de um sono secular sobre a GRANDE destruição da Baía do Porto Grande, em S.Vicente. Ao longo de décadas, se calhar já vai para um século, essa baía sofreu todo o tipo de exploração selvagem. Começando pela razão da prosperidade de Mindelo, a exploração do carvão. Passando pelas petrolíferas. Ou ainda o grande poluidor Estaleiros Navais. Ou até mesmo o grande Porto. Sem esquecer Caizim, a lixeira marítima. Sem mesmo esquecer a Marina. A Baía do Porto Grande recebe todos os dias que o universo criou, uma carga nova de poluentes, desde de lixo ordinário, a hidrocarbonetos, pneus, esgotos, decapagem, químicos e mais uma data de coisas. É a baía mais poluída do país, apesar de na superfície ser a baia mais linda do país.

Pois então ficaria contente se, finalmente a sociedade começasse a questionar as coisas, num modo geral, a pôr os seus próprios modos de vida em questão, passassem a ser mais ambientalistas e solidários. Que tirasse a bunda do sofá e doassem um pouco da sua energia a causas não remuneradas, que festejassem, mas também batalhassem. É que, ter posições bombásticas é fácil. O difícil mesmo é viver com convicções, como fazendo parte da nossa ação, para sempre.

8.2.13

Tarantino, humano afinal


Já vi todos os filmes do Tarantino (excepto a curta de estreia e um tal de Four Rooms) e vou continuar a ver tudo o que ele faça, porque é dos cineastas que mais me inspiram, mas, à revelia da grande histeria mundial à volta de Django Unchained, eu não adorei o filme.

O que mais se destaca em Tarantino, para mim, é a sua capacidade de surpreender o mais avisado dos cinéfilos. Tinha jurado que não via mais nenhum filme sobre a II guerra, mas com Inglorious Basterds lá fui porque era o meu herói Tarantino. Não perdi a viagem, aliás nunca imaginei ver um tal catarse ao Holocausto. Pois, em Django nada surpreende. O argumento é revelado inteiramente nos primeiros 10 minutos, os personagens são francamente inferiores ao que já nos habituou Tarantino, excepto a monumental interpretação de Leonardo DiCaprio, e até o apoteótico momento de banho de sangue, marca indelével de Tarantino, em Django foi um tiroteio sem piada. Detestei o personagem de Samuel L. Jackson, a quilómetros de distância do maravilhoso Jules de Pulp Fiction ou o todo poderoso Ordell de Jackie Brown. Esse Dr.Shultz que perecia ser a grande promessa do Django, é afinal uma pálida sombra de grandioso Coronel Landa de Inglorious. A pretensão de filme-catarse esvaiu-se completamente na novelinha do amado que vai salvar a amada, numa alusão a um conto alemão também de amado que salva amada, que no final resultou nisso mesmo, numa novelinha. Tarantino domina vários códigos culturais, mas quanto a mim, precisa pensar numa versão melhor de catarse  da escravatura nos Estados Unidos. Terá irritado Spike Lee pela ligeireza de mexer com esses códigos. Até mesmo num aspeto que ele também demonstra grande criatividade, a banda sonora, aqui em Django meteu um rap que parece-me algo forçado. Prefiro a sua cultura funk.

Enfim, sempre na minha pessoalíssima apreciação de um dos melhores realizadores do cinema contemporâneo, Tarantino parece-me estar a atravessar aquele momento na vida de um artista que é preciso repensar a linguagem, afim de evitar a desgraçada imitação de si próprio. Tarantino habituou-nos a uma nova obra-prima a cada novo filme e eu, enquanto fã absoluto, não podia deixar de ficar desiludido por este que considero a sua obra menor, na esteira de Reservoir Dogs, Pulp Fiction, Jackie Brown, Kil Bill I e II, o super-hiper Inglorious Basterds. Bem talvez seja melhorzito que Death Proof, outro tiro ao lado de Tarantino. Que venha o próximo.

31.1.13

Onde cagamos


Segundo o QUIBB 2007, que é o Questionário Unificado de Indicadores Básicos (realçar "Básicos") de Bem.Estar, em todo o Cabo Verde, 27% dos agregados urbanos não tem retrete, ou seja, de cada 100 agregados, 27 cagam na cidade, e 60% dos agregados rurais (porra, 60%?!!) não tem retrete, o que significa que, em cada 100 só 40 propiciam aos seus integrantes um relax, conforto e higiene, dessa infraestrutura essencial numa civilização moderna.

Tendo em conta que todos os municípios agora são cidades, temos a concluir que estamos a cagar as cidades.