17.6.13

Animalidade política

Artista: James Richards

"A unidade estatal é, pois, de natureza espiritual. É nesta vontade espiritual que se consubstancia a unidade do Estado. O território estatal é o espaço sobre o qual esta unidade se estende; a população, ou o povo, é o conjunto dos cidadãos que a a sustentam; e o Poder estatal é a força que deles emana."
Introdução à Ciência Política, António José Fernandes, 1995

Ponho-me a pensar em território-país e território-diáspora, sobre cidadãos-"naturais" (tal como define o registo notarial), cidadãos-emigrantes e cidadãos-imigrantes. Penso se teremos a noção da Nação como um Território imenso, que se estende por todo o espaço onde haja um sentimento nacional marcado, com População nascida, emigrada e imigrada e se o Poder terá isso tudo em conta. Penso se os nossos políticos serão estrategas ou comerciantes a retalho.

15.6.13

Bucólicos

Artista: Valie Export

Em S.Paulo, Brasil, a multidão mostra as garras e a polícia militar mostra os dentes. O povo, contagiado por outros povos, que agora por todos os lados resolveu protestar contra a forma de exercício do poder, nas ditas democracias, saiu à rua, apanha com gás lacrimogéneo, apanha com bala de borracha, mas se mantêm firme. O poder, a dita democracia, através da instituição militar/policial, acorda os demónios da ditadura. E nós por cá, nesse cantinho do mundo, não sei se por sorte ou condenação divina, vivemos na pastorícia paz, o que faz de nós pastores ou, inversamente, gado, alegres e contentes. Aqui não há abuso do poder, jogos malignos de interesses, ou governação prejudicial ao povo e à natureza. Por nós, não passam armas, drogas e tráfico humano. Nem há manobras militares. Aqui tudo se passa na mais pura paz atlântica. Que povo lindo!(?)

6.6.13

À carga!


O projeto de quebra-mar de Ponta Preta, na ilha do Sal, foi aprovado!

É assim que nos dão a notícia. Podia ser, vamos derrubar o vulcão do Fogo, para construir um resort turístico. Ou, vamos acabar com o centro histórico do Plateau, para construir umas lojas baratas. Podia ser qualquer coisa, porque a lógica é que alguns decidem pelos outros, na base de valores imediatos. O que mais me corrói em Cabo Verde, a minha terra amada, é que a Cultura e o Ambiente são dois conceitos absolutamente vilipendiados. A facilidade com que se deita uma árvore abaixo, a ferocidade com que se acaba com espécies, a ligeireza com que se altera a paisagem, a rapidez com que se desmorona um edifício antigo, a facilidade com que se desfaz dos arquivos, a indiferença com que se convive com o lixo e esses argumentos sinceramente muito mal explicados que se usa para construir uma estrutura no meio do mar, contrariando na alma os utilizadores do local, no caso os cultores do espaço, praticantes de desportos náuticos, inclusive campeões mundiais, com o fim tão ridiculamente exclusivo de permitir um banhinho de mar tranquilo a turistas!...Há limites, senhores, há limites.

A questão da Ponta Preta não é se a geodinâmica altera ou não, se ficam mais tartarugas ou não. Nem se é legal ou não. A questão é de cidadania. A questão é que várias alterações vão sendo perpetuadas na frágil ilha do Sal e ninguém fala. Quando um grupo, realmente ferido na alma, protesta, o poder mostra como tem mão pesada. Decide!..O ponto essencial, que as autoridades fingem ignorar, é que para todo o fiel, neste caso os surfistas, que são das pessoas mais religiosas que conheço, quando se deita um lugar sagrado no chão, isso representa uma afronta que não podem calcular senhores. Fiquem atentos à raiva gerada.

5.6.13

Ponto Negro II


A questão do suposto projeto do quebra-mar em Ponta Preta, outra vez! A simples ideia de construir uma estrutura para interromper um fluxo da natureza, é de per si uma ideia assustadora. De cada vez que o homem faz isso, dá merda em algum lado. Concretamente ao caso de Ponta Preta:

Ali faz onda, ó se faz! Faz tantas ondas que é mundialmente procurado por surfistas, windsurfistas e kitesurfistas. Faz tanto que até já produziu os dois maiores títulos mundiais no desporto cabo-verdiano: 1 vencedor de uma etapa da prova mundial de ondas de windsurf, Josh Angulo, e 1 campeão mundial de kitesurf, Mitu Monteiro!!...Mas será tão difícil assim entender isso!! Onde estão os Tubarões Azuis agora? Onde estão o senhores do desporto agora?...

O que querem fazer em Ponta Preta: construir um quebra-mar para facilitar o banho dos turistas!! Onde é que estamos? Que tipo de lógica é essa? De todos os kilómetros de praia que a ilha tem, porquê a insistência exactamente no ponto onde é super valorizado pelo facto de ter...ondas! Ou seja, a luta aqui é entre uma atividade desportiva, limpa, ecológica, rentável, aliás eternamente rentável, e outra atividade invasora, potencialmente destruidora, conjuntural e com uma justificativa económica bastante discutível. A luta aqui é entre velhos senhores sentados num gabinete climatizado, a ver os cifrões a cintilar na imaginação, e uma geração jovem,que pensa diferente,pensa natureza, quer um vida diferente, mais justa, mais ecológica para estas frágeis ilhas. O pior disso tudo é que, arrogantemente, as autoridades não nos informam suficientemente sobre o projeto, não nos explicam que raio de vantagens são essas, não mostram as partes em jogo...é tudo um lodo, que nem passa a luz.

E a cidadania?...Ah Cabo Verde campeão de África, rei da cosmética.

2.6.13

E no entanto..ar

Artista: Ugo Rondinone

Frequentemente tenho a oportunidade de viajar por este meu país, Cabo Verde. Quando vejo, em total silêncio, as dunas da Boavista, ou o imponente vulcão da ilha do Fogo, na sua assustadora paisagem a lembrar a superfície da lua, ou quando subo até o cima das altas montanhas da ilha de S.Nicolau ou Santiago, quando vejo amanheceres de cortar a respiração ou entardeceres a sugerir a presença divina, quando posso parar e observar esta luz do sol, que é a força mais marcante destas ilhas, sinto-me a habitar ilhas maravilhosas, que convidam à peregrinação e à meditação. Cabo Verde consegue ainda marcar este agitado século com lugares de quietude, com povoações que parecem embalados num longo sono e pessoas que olham curiosas e se predispõem a conversar, dar uma indicação, ou até acompanhar o visitante se assim ele desejar. Cabo Verde, fora dos centros urbanos e dos gigantescos aglomerados turísticos, ainda guarda esses tesouros, que se deve descobrir caminhando, em passo lento, para dar tempo aos olhos de apreciar a combinação de natureza e presença humana, para dar tempo de pensar como é interessante atravessar tantas paisagens diferentes, de praias planas e águas limpas, a imponentes montanhas, ou mini florestas, tudo em tão pouca extensão de território.

Clima encoberto

Artista: Amy Bessone

Tarrafal, na ilha de Santiago, meu retiro espiritual, este fim-de-semana estava encoberto. Estranha sensação de uma manta gigantesca de pobreza que vai abafando esse cantinho maravilhoso da natureza. Hotéis fechados e abandonados, casas fechadas, ruas desertas, povo que outrora parecia sereno, com um semblante de inquietação, pedintes, carentes, assediando turistas, pescadores sem peixe, peixeiras sem venda, restaurantes vazios, preços elevados com a intenção de compensar a perda nos negócios, o que causa é mais repulsa dos negócios. Amo Tarrafal, como se fosse a terra onde nasci. Peregrino-me por Tarrafal, mas de toda a vez que vou fico de coração rasgado de ver a degradação, a imponência do mau-gosto, o reinado dos oportunistas. No diálogo ruidoso dos dirigentes e anti-dirigentes desta minha terra, situações vão sendo esquecidas, abandonadas ao definhamento.