30.8.13

Sextavado

Artista: Ericka Beckman

Sexta é dia de agito no quadrante in da society. Sucede a quinta, que por relação íntima é conhecida precisamente por sextinha, e precede o sábado, dia em que gin tonic tem sabor a águas translúcidas verde-esmeralda num dia solarengo e manso de praia. Ideal mesmo para o agito é iniciar na sextinha, com as habituais convocatórias no Feice (batismo crioulo de Facebook). Feice na verdade é a maior revolução tecnológica para o crioulo, depois de trapiche. Não se conhece outro invento na atualidade que tenha mais utilidade que Feice. Numa mesma plataforma pode-se identificar a roupa, o sapato e o penteado que o outro está a usar, sondar as disponibilidades para um flirt, incendiar relações, marcar encontros e pesquisar as tendências da night. Adicionalmente, dá para enviar uma frase de preocupação ecológica ou de auto-ajuda, ou ainda, tangencialmente, expressar o horror pela guerra. Para completar as maravilhas do Feice, tudo fica registado, de fotos, a vídeos, a flagras e a declarações, para análise cuidadosa de segunda a quarta. Domingo não existe.

Sexta é quintessencial para gente chique. É dia de perfume e vestidos em vapores. Dia de lábios, olhares, profusão sensual. Dia de risadas, frases ocas, dia de beat. Segundo as estatísticas, álcool vende sete vezes mais que cultura. Economia alcoólica, assim pode-se dizer, num balanço da semana.

28.8.13

Quarta-Parede

Artista: Ei Arakawa

Reality Show?? Quem deu este nome a esses programas de voyerismo audiovisual, em que metem uns desgraçados dentro de uma casa, fazendo-lhes pressão psicológica, a ver a merda que sai?

Há 50 anos Martin Luther King tinha proferido o discurso "I have a Dream". No mundo já chamado por alguns de pós-contemporâneo, em que a interacção homem-máquina é o grande buzzword, estamos ainda a assistir a episódios de um racismo que vem das estruturas das famílias brancas bem nascidas, dos filhos bem criados e médicos negros, vaiados por serem...negros e cubanos. Esta batalha ainda se trava ferozmente, quando já temos televisões interativas, web sites interativos, carros interativos, telefones inteligentes, casas inteligentes, caixas automáticas interativas e até um eletrodoméstico, que custa dez vezes o salário mínimo cabo-verdiano, que está a desafiar os chefs de cozinha, que faz tudo, do descascar, temperar, ao assar. Amy Jane, minha amiga senegalesa, encheu a boca de uma indignação contida e disse-me que Cabo Verde não respeita a CEDEAO. Minha boca permaneceu fechada da pura constatação.

Entretanto ali na esquina ultimam-se os preparativos para a 3ª guerra mundial, com consequências imprevisíveis para as nossas economias, para a segurança mundial, para o ambiente e para o próprio mundo, já que se prometeu uma força bélica jamais vista no mundo, promessa essa feita num tom de surpresa Kinder. Os senhores do mundo continuam a brincar de Lúcifer, a ver quem consegue primeiro arrebentar com isto de uma vez por todas. As baratas, segundo dizem, serão as únicas sobreviventes a um cataclismo atómico. As baratas esperam a sua vez.

Para terminar, voto na Lizy para regressar à Casa do Líder, versão crioula de reality show. Ela é autenticamente e idiossincraticamente crioula e é uma injustiça que tenha sido expulsa da Casa. Juro!

13.8.13

Música na Rádio II





















[Hip-Hop]

N'ka kre fika ku bo
Pamó n'ka ta amou
Bu txoman di idiota
Ma n'ka kre fazi ku bo
Kuze ki txeu omi ta fazi ku txeu mudjer
Si bu odjan ku nha pikena
Mó ki bu ta xinti?
...

(Tradução pra lusofonia)
Não quero ficar contigo
Porque não te amo
Chamaste-me de idiota
Mas não quero fazer contigo
O que muitos homens fazem com muitas mulheres
Se me vires com a minha namorada
O que sentirás?

(Destaque do autor do artigo)
Mó ki bu ta xinti?

Músicas na Rádio I


[Funaná]
Bu kre rabenta ku mi, bu kre rabenta ku mi
N'pou karu na strada
N'pou dinheru na bolsu
N'dou tudu dokumento
Minina bu kre rabenta ku mi
...

(Tradução pra lusofonia)
Queres acabar comigo...
Pus-te um carro na estrada
Pus-te dinheiro no bolso
Dei-te todos os documentos
Menina queres acabar comigo

(Destaque do autor do artigo)
N'dou tudu dokumentu

Emoções novas no horizonte


Em modo espera. À espera da chuva, da viagem, de acontecer os acontecimentos importantes que se apontam no horizonte. À espera de rever os amigos, me re-encher de emoções novas. Limpando o equipamento, calibrando as máquinas, verificando a afinação dos mecanismos. Testes. Verificação das hipóteses. O céu está carregado de água, que balança, balança e mantêm todos de olhos no céu. Mas não cai. Balança. Todos esperam. Esperam a água, as cheias. Esperam nem pouca água, nem demasiada água. Espero que o lixo não desague no mar, que árvores não caiam, que pessoas não desesperem. Esperamos, esperamos. Emoções novas no horizonte.

9.8.13

Ramadan

Imagem: euronews.com

Feliz por iniciar o meu trabalho com as comunidades africanas imigradas em Cabo Verde. Hoje na Cidade da Praia, centenas (ou milhares) de fiéis muçulmanos marcaram o fim do Ramadão. Fui numa das concentrações, no largo do Estádio da Várzea. Parei em silêncio a observar, ouvir e sentir. Estou longe de ser um fã das religiões, principalmente porque dão azo a maus usos, ou não seriam as grandes barbáries humanas - da inquisição, à escravatura, o nazismo e o terrorismo - todas feitas em nome de Deus de uns, ou contra Deus de outros. No entanto, em qualquer espaço onde se celebra um culto religioso, emana uma espiritualidade, que vem da comunhão de pessoas em gestos fraternos uns em relação aos outros, que até parece que o ar muda. Quem não consegue sentir essa vibração, presumo que não consiga sentir vibração outra nenhuma.

O crescimento do Islamismo em Cabo Verde espanta, não pela sua dimensão, mas porque andamos distraídos e, de repente, quando os fiéis se concentram e mostram a força dos números, vem a constatação: Cabo Verde é também agora um país muçulmano. Quando vejo as benesses que a Igreja Católica usufrui do Estado dito laico, ainda, depois de acabar a escravatura, terminar o colonialismo, questiono-me como será quando o Islamismo for, digamos, 10% da população. E sei que estarei vivinho para testemunhar esse tempo. Só não sei se será de tolerância ou estupidez.