21.10.13

Pit Stop

Artista: Sharon Hayes
Ready...
Fim-de-semana é um pit stop. Pit stop é aquela parada que acontece em 6 segundos em que os carros de fórmula 1 põem combustível, trocam rodas e ainda algum pedaço do carro que se tenha danificado. Mas FDS é pit stop em versão longa. Vamos à praia, verificamos o corpinho, testamos uns olhares, vamos ao shopping, sim, essa moda parva também já está cá, mas só que é preciso dizer que sempre fomos ao shopping, que antes era chamado de mercado, feira, sucupira, ya e outros nomes quanto a mim mais calorosos. A diferença agora é que se chama "shopping" que isso do inglês dá aquele toque tal. E a diferença é que no shopping andamos de forma engraçada, com uma certa pose, com um sorriso bobo na cara e fingimos que vamos comprar. Vamos ao cinema 2D e 3D, que essa parte eu gosto, mas o "nós" aqui é realmente bastante restrito. A transformação da cidade também tem a ver com essa delimitação estrita de espaços e essa estratificação clara da sociedade. No entanto na cidade da Praia continua a faltar dramaticamente espaços de qualidade, para um público exigente, em termos de cultura.

Steady...
Dia 18 foi Dia Nacional da Cultura. Foi interessante verificar que um pouco por todo o país os municípios organizaram eventos para assinalar o dia. Ou seja, moda pega e há modas que vêem por bem. Da qualidade já falamos daqui a pouco. 

Go!
Maus sinais vêem das relações Cabo Verde - Guiné-Bissau. De forma completamente artificial, vozes vão plantando a discórdia, entre povos, que na realidade do dia-a-dia, das relações humanas, dos contactos e dos afectos, não vivem na discórdia. A sociedade nos dá ferramentas técnicas e intelectuais, para devolvermos elevação de discurso e ação e não para expressar as nossas próprias frustrações e motivações, que nada tem a ver com o bem-comum. Mas felizmente que, de um lado e do outro da (pseudo)barricada há gente a trabalhar para realçar o que de bom (muito maior do que há de não bom) existe entre nós.

Restart.
Guiné-Bissau, como em Moçambique, países pobres, onde as populações atravessam vicissitudes várias, uma pergunta se impõe: de onde vêem as armas?

13.10.13

Sembène strikes


A quem interessa um “cinema negro”?
Este é o título de um artigo de Júlio César dos Santos e Rosa Maria Berardo, enviado a mim por Janaína Oliveira, minha amiga historiadora, que pesquisa a questão da invisibilidade do cinema negro e cinemas africanos.

As denominações "negro" e "cinema negro", causam imediatamente desconforto. Como causaria desconforto a denominação "cinema branco". O facto é que existe um cinema branco, ou orientado por brancos, ou feitos à medida de brancos, ou, aqui sim problemático, que não incomode os brancos. Olhando para o filme Emitai, do mestre Sembène, que mete o dedo de forma violenta na ferida do colonialismo, ou, digamos as coisas, da escravatura recente, percebemos que a pergunta "a quem interessa um cinema negro?" é uma questão com vários desdobramentos. O filme Emitai de Sembène foi tão cáustico que foi banido do seu próprio país, já independente! Razão para indagar a quem não interessou que esse filme passasse. Emitai é um filme que conta a história que não se quer contar. Traz um episódio bárbaro, esses tantos que aconteceram em todos os nossos países, como os massacres de Pidjiguiti ou Batepá, ou ainda o muito mal contado trabalho forçado em S.Tomé e Príncipe. Vi o filme e acordou-me sobre o facto que, de novo temos dominação europeia nas nossas sociedades. Na minha terra, os donos das maiores empresas são, outra vez, os europeus, o que provoca automaticamente a formação de uma elite que tem uma cor. E uma vez mais o intermediário dessa classe de facto dominante, é uma elite local, subserviente e sustentada por esse sistema, chamado de "investimento externo". No dia-a-dia vou vendo o lento ressurgimento de tensões baseadas na classe-etnia. E oiço comentários que me faz pensar que isso ainda vai acabar mal, outra vez. Pois, Emitai acorda essas consciências e quase que apela para uma militância, quando, uma vez mais fazendo uma crítica cirúrgica das próprias tradições africanas, nos apela a reformular os nossos modos de pensar e estar para melhor enfrentar a hegemonia estrangeira. Pois então, a quem interessa um cinema que acorda fantasmas, ou periga a "tranquila convivência multi-étnica nas nossas sociedades atuais"? A quem interessa manter as memórias vivas? A quem interessa ensinar a história na perspectiva oposta? Para quê mexer nisso tudo?..Talvez devêssemos perguntar ao judeu porque insiste em manter o holocausto vivo, ou o japonês porque mantêm Hiroxima na memória, ou até mesmo o francês porque insiste em lembrar o nazismo.

10.10.13

Like Sembène

Ourmane Sembène precisa nos falar de coisas, mas não coisas quaisquer e sim coisas profundamente engajadas, politicamente engajadas, ideologicamente engajadas. O homem é da geração da "libertação de África", nos vários sentidos que essa palavra pode assumir. É contemporâneo de Cabral, Fanon, Senghor, entre outros nacionalista africanos e lhes é tributário, como atesta na sua declaração, no início do seu filme "Emitai": "Dedico este filme a todos os militantes da causa africana". 

Em Moolaadé, Sembène  precisa nos falar de uma das mais graves violações de direitos humanos da atualidade: a mutilação genital feminina. Essa mutilação se justifica na tradição/religião, da mesma forma como se justificava a morte de jovens Incas, para lhes arrancar o coração para oferecer aos deuses. Ora aí está um bom ponto: tradição e religião não são imutáveis. Quando uma prática não mais serve a nenhum propósito, rejeitamo-la. E é isso que Sembène  faz em relação ao tema, com força, determinação e usando eficazmente a arte. Ora, como fazer arte, com os seus preceitos próprios, de harmonização, de busca estética, de expressividade, etc., e ao mesmo tempo veicular um discurso ideológico, forte e marcado? É aqui que começa o maravilhamento sobre o cinema de Ousmane Sembène.

Sembène em Moolaadé, antes de mais, perscruta a sua cultura ancestral nos seus mais ínfimos significados. Desmonta esses significados diante dos nossos olhos, como um mecânico desmonta o motor de um carro, enquanto nos explica a função de cada peça. É com esse vocabulário de significados que ele constrói um potente discurso, questionando a própria tradição. Tão forte que quem vê fica logo também engajado, numa posição ou noutra. Depois vem o cineasta/artista, na forma como ele constrói a narrativa, plano a plano, não desperdiçando recursos, num método quase teatral, em quadros onde tudo circula na perfeição, que até corre o risco de artificia-los, alternando ritmos e intensidade, ou seja, usando a totalidade da linguagem cinematográfica, demonstra como ele domina o seu métier. Em resumo, ver este filme é uma inspiração para todos que gostam de um cinema socialmente ou politicamente engajado, ao mesmo tempo que vemos uma obra visualmente linda.