10.10.13

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Ourmane Sembène precisa nos falar de coisas, mas não coisas quaisquer e sim coisas profundamente engajadas, politicamente engajadas, ideologicamente engajadas. O homem é da geração da "libertação de África", nos vários sentidos que essa palavra pode assumir. É contemporâneo de Cabral, Fanon, Senghor, entre outros nacionalista africanos e lhes é tributário, como atesta na sua declaração, no início do seu filme "Emitai": "Dedico este filme a todos os militantes da causa africana". 

Em Moolaadé, Sembène  precisa nos falar de uma das mais graves violações de direitos humanos da atualidade: a mutilação genital feminina. Essa mutilação se justifica na tradição/religião, da mesma forma como se justificava a morte de jovens Incas, para lhes arrancar o coração para oferecer aos deuses. Ora aí está um bom ponto: tradição e religião não são imutáveis. Quando uma prática não mais serve a nenhum propósito, rejeitamo-la. E é isso que Sembène  faz em relação ao tema, com força, determinação e usando eficazmente a arte. Ora, como fazer arte, com os seus preceitos próprios, de harmonização, de busca estética, de expressividade, etc., e ao mesmo tempo veicular um discurso ideológico, forte e marcado? É aqui que começa o maravilhamento sobre o cinema de Ousmane Sembène.

Sembène em Moolaadé, antes de mais, perscruta a sua cultura ancestral nos seus mais ínfimos significados. Desmonta esses significados diante dos nossos olhos, como um mecânico desmonta o motor de um carro, enquanto nos explica a função de cada peça. É com esse vocabulário de significados que ele constrói um potente discurso, questionando a própria tradição. Tão forte que quem vê fica logo também engajado, numa posição ou noutra. Depois vem o cineasta/artista, na forma como ele constrói a narrativa, plano a plano, não desperdiçando recursos, num método quase teatral, em quadros onde tudo circula na perfeição, que até corre o risco de artificia-los, alternando ritmos e intensidade, ou seja, usando a totalidade da linguagem cinematográfica, demonstra como ele domina o seu métier. Em resumo, ver este filme é uma inspiração para todos que gostam de um cinema socialmente ou politicamente engajado, ao mesmo tempo que vemos uma obra visualmente linda.

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