22.1.14

Bipolares

Uma das questões que mais me incomoda na nossa Constituição é o fato de não consagrar a nossa língua materna como língua oficial ainda. Na verdade a Constituição é um mero reflexo da sociedade, que adia essa questão. Já ouvi todo o tipo de argumento, em desfavor da oficialização da nossa língua: que não serve para conceptualizar noções complexas da ciência, que é um língua minoritária, que irreconciliável nas suas várias variantes, que é um custo enorme a oficialização, que é um absurdo o ensino na língua materna, que isto e mais aquilo. No entanto, quando se trata de comunicar com eficácia, ou seja, criar empatia no receptor, é a língua perfeita. Que o diga, os políticos, os publicitários e até os encenadores. 

A novidade para mim agora são as eleições para a reitoria da universidade pública, das mais altas figuras da educação no país, em que os slogans vem na língua materna! Sejamos claros, a desonestidade intelectual não se manifesta em grandes crimes, mas sim em pequenos delitos. Ou, se preferirem, em pequenas contradições. Se a própria República (nós) não consagramos a língua materna como oficial (reconhecida pelo Estado), como podem as figuras do Estado usarem essa dualidade? Os entendidos que me esclareçam.

21.1.14

Mamãe África

Foto: Arquivo Histórico Nacional

Ainda notas da Semana da República, agradecendo todo o manancial de informação produzido por esses dias. Promovida pela Presidência da República, tivemos o privilégio de assistir a uma mesa-redonda sobre o legado das lideranças africanas no pós-independências. Quanto a África, heis os meus pensamentos:

É constrangedor a esquizofrenia identitária que continuamos a ter em relação ao continente. Como disse o antropólogo Carlos Anjos, de onde vem essa ideia de uma excepcionalidade cabo-verdiana? Europeus não somos de certeza. Americanos nem tanto. Asiáticos muito menos. Então somos o quê? Atlântidos? Um povo especial?...Já que resistimos à denominação de, simplesmente, africanos.

É bom lembrar que os ideias de nacionalidade, independência e auto-determinação, se afirmaram num quadro de africanidade, ou seja, num momento de identificação clara de civilizações africanas distintas das europeias. Mesmo se devemos tributar ao longínquo Du Bois e outros ativistas negros, as primeiras reivindicações descolonizadoras, é a geração de Cabral e outros eminentes africanos, como NKrumah, Sénghor e outros, que deu o corte radical aos colonizadores. A nossa luta pela independência se fez num quadro de solidariedade africana, tendo Argélia como enorme suporte financeiro, militar, logístico, Guiné Conakry como base militar, ou a própria Guiné-Bissau como palco de guerra aberta. Agora, passados os anos, questionamentos o nosso pertencimento africano??

Sejamos amnésicos, ou mesmo ingratos, mas e a atualidade? Até quando vamos continuar a fingir que uma boa parte da nossa população hoje não é constituída de africanos purinhos, eles sim, sem dúvida nenhuma se são africanos ou não, ou seja os imigrantes? E os seus filhos e netos quando forem cabo-verdianos de direito pleno, também sofrerão dessa dúvida identitária? E o Islão, que é uma realidade no nosso solo? Islamofobia? E todos os fenómenos que passam pelas nossas águas, inclusive o tráfico humano? Um problema "deles"? E as trocas imensas, comerciais e culturais entre nós e "eles", não tem significado?

É mesmo constrangedor esse debate vacilante sobre o nosso continente. Pelo menos o meu continente.

CV.SOCIAL

Foto: Arquivo Histórico Nacional

Terminou a Semana da República, marcada pelas datas 13 e 20 de Janeiro, dia da abertura democrática no país e dia dos heróis nacionais, respectivamente. A semana foi marcada por intensos debates, sobre temas de capital importância para o país, que vão desde o ensino da história, até questões sócio-económicas prementes. Ouvi várias análises, umas sobre as difíceis condições materiais da vida no arquipélago antes da Independência, outras sobre os imensos ganhos do pós Independência. De todas as análises, ficou-me claro dois aspetos, que pessoalmente considero graves e até preocupantes: o reconhecimento que o crescimento económico não está a ser transformado em desenvolvimento social e que nem se sabe como fazer isso; o distanciamento progressivo das elites intelectuais da realidade social, que por sua vez se organiza num voz até com tons de ameaça. Ecoa na minha cabeça a frase do líder da Corrente de Ativistas: "prestem atenção em nós!"

8.1.14

Fotofestivalar e Fotodepender

Imagem do espetacular Kiluanji Kia Henda

Há anos que tentamos abordar o tema da Arte Contemporânea em Cabo Verde, mas continua a ser uma noção bem distante. Atrevidamente já criamos no passado eventos que chamamos de "Arte Contemporânea" a ver se provocava uma reacção, nesta sociedade flácida, mas não provocou, a sociedade continua flácida. Já fomos lá fora, já participamos em eventos chamados, justamente, Arte Contemporânea, vimos maravilhados e de algum modo consternados que, realmente, andamos a margem do que se apelida arte, quanto mais contemporânea.

Razões várias, a começar pela ausência da academia, ressaltando o meritório contributo do M_EIA, mas evidentemente insuficiente para o volume do país. A academia não vai criar talentos, mas vai criar aprimoramento técnico e o imprescindível campo teórico. Da questão da educação, saltam todos os outros: falta de produção, logo a ausência de propostas arrojadas, a inexistência de eventos regulares (bienais, por exemplo), não presença de curadores, historiadores e jornalistas especializados, falta de mecanismos de distribuição e retro-alimentação do sistema, por aí fora.

Neste contexto surge o Festival Internacional de Fotografia de Cabo Verde, com uma proposta tão nivelada por cima, que talvez nos tenha apanhado em contra-pé. Apanhou-nos a todos: autores, produtores e financiadores. Vamos tentar corrigir essa rota? Vamos restabelecer o debate interno? Vamos recuperar as reflexões feitas no Praia.Mov ou no Oiá? Vamos começar agora com as atividades, para quando do festival a gente esteja de pés firmes no chão?

Neste contexto também vem surgindo, da timidez para níveis cada vez maiores de atrevimento, as iniciativas do coletivo online Fotodependentes. O mérito do coletivo, na minha pessoalíssima opinião, é provocar uma "dessacralização" no fazer da imagem. A maioria dos membros do coletivo entraram com a desculpa que não são profissionais, que fazem por atrevimento, que são curiosos...enfim. Dessa timidez nasceu o "passatempo" (mais uma vez uma cautelosa posição) #PROJETO47, que considero particularmente feliz, pela mistura de cidadania, fruição e apropriação do espaço online.

É preciso no entanto pautar que, fotógrafos-artistas são uma categoria diferente dos fotógrafos-profissionais (no sentido comercial) e que esses são diferentes dos fotógrafos-amadores. Cada categoria tem um percurso que é preciso respeitar, mas todos juntos formam uma massa crítica à tão carente produção de imagens neste Cabo Verde que, paradoxalmente, tem milhares de fotografias espalhadas por esse mundo fora. Mas, uma fotografia é uma imagem?

6.1.14

#republika

Que povo, que nação, que pátria? Como, quando e onde nasceu o sentimento nacional? Como a morna e a poesia construíram a nação? Como o batuque e a mazurca guardam os nossos genes? Como se construiu a pátria, o que lha mantêm unida e o que lhe periga a integridade.

‪#‎republika‬ reflecte sobre a comunidade que somos, organizada politicamente. Olha para a Constituição da República, texto que exprime a nossa vontade de nação, os nossos ideais e a nossa imagem do mundo, bem como as nossas contradições, as longas amarras do passado, os traumas e as feridas. Como esse texto, poético porque utópico, condiciona as nossas vidas no quotidiano? Ou, como o que desejamos nos posiciona no mundo?

E futuro? E África?

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