20.5.14

Reafricanização dos Espíritos

Artista: Aboudia Abdoulaye Diarrassouba

Foi preciso vir um senhor das Nações Unidas, um mandjako, como o próprio teve o cuidado de se etno-identificar, numa suave alusão ao nosso racismo velado, para nos dizer que o nosso afastamento de África é desastroso. Quantas vezes, mas digam-me, quantas vezes já encetamos aqui e ali este debate sobre a África e quanta ignorância e desprezo já vimos a desfilar sobre o mesmo tema?

O Senhor Mandjako, Carlos Lopes de seu nome, Secretário Executivo da Comissão Económica para a África, das Nações Unidas, fez uma estruturada análise, e apontou o dedo para os riscos de: a nossa pesada democracia, assente numa tradição jurídica europeia; o não seguimento da evolução demográfica, em que brevemente teremos uma população enorme de velhos que pesarão o sistema de protecção social; e, a parte quente do discurso, a excessiva ancoragem à Europa. Mostrou por a+b como a nossa teimosa rejeição dos espaço africano pode nos conduzir a uma triste orfandade. É que a nova realidade geo-estratégica global indica-nos que a Europa está em falência e a África está em poderosa ascensão, economicamente falando. Essa realidade já atraiu investimentos de todo o mundo, da China aos EUA, todos se reposicionando. Bem, Cabo Verde em teoria estaria bem posicionado, se o espaço africano fosse naturalmente nosso. Mas não é. O que mais fazemos é rejeitá-lo.

OK, identificado e provado que está a nossa afro-rejeição, tempo de "mudança de mentalidades", que foi aliás o mote da comunicação de Carlos Lopes. É aqui que entra a parte difícil. Virar-se para o espaço africano não vai ser necessário somente passar a pagar as quotas da CEDEAO, ou passar a frequentar as reuniões cimeiras. Essa mudança vai nos obrigar antes de mais à aceitar a nossa posição enfraquecida, complexada e distorcida sobre o mesmo tema. Teremos de aceitar, antes de tudo, que somos brutalmente desconhecedores do continente, das suas enormes capitais, os seus movimentos, as suas dinâmicas e os seus líderes atuais. O "virar-se para a África" não poderá ser só uma questão de pragmatismo, como disse Carlos Lopes. Terá de ser de coração, a fundo, participando, estando, sofrendo junto, fazendo parte na carne e no sangue. Caso contrário estaremos a pensar num edifício com alicerces de barro.

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