24.6.14

Eu não sonhei com esta cidade

Artista: Andrei Koschmieder

Heis as sementes. Tratamos os chineses à imagem dos produtos que vendem, referimo-nos aos guineenses como o mais inútil dos negros, nigeriano é sinónimo de bandido e todos os outros imigrantes africanos, que não conseguimos identificar a origem, metemos num enorme saco chamado "mandjako". Olhamos com desconfiança os arabófonos e até já afiamos as nossas facas contra o Islão, crescente no nosso solo. Hoje, temos imigrantes do todo o lado, inclusive europeus, dos quais os portugueses são um caso particular. Por um passe de mágica, boa parte do tecido empresarial, das telecomunicações, a banca, a construção civil e uma série de outras actividades, tornaram-se de investimento português. Privilegiar essa fonte de investimento tem uma explicação oficial: aproximação histórica. Só que "aproximação histórica", para além da poesia, guarda uma carga de conflitos. Acordamos os fantasmas de morgado e rendeiro, recuperamos a palavra "patrão", que tem um som colonial e "crioulos", na conversa miúda dos patrões, significa "essa gente difícil de trabalhar". Um "patrão" já teve o desplante de me fazer essa queixa, presumindo que eu era "um crioulo do lado deles". A simples noção de "lado de cá ou lá" é sectária. Mas claro, pagam os justos pelos pecadores. Para o bem da verdade, sinto-me privilegiado por morar numa cidade tão cosmopolita, como vem se tornando a Cidade da Praia, mas preocupa-me imenso as sementes da intolerância, regadas de parte a parte. A formação de guetos na cidade, sendo possível fazer uma geografia exacta de onde cada grupo de imigrantes habita, não será um fenómeno alheio. Um autor refere-se assim aos guetos: "uma forma especial de violência coletiva concretizada no espaço urbano" [ver]...Bem, eu não sonhei com esta cidade. 

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