24.9.14

Afronarrativas altruístas

(Obrigado autor da foto)

África é o nirvana do ativista social europeu. Excepções sejam feitas, claro, mas o tom geral do ativista europeu que vem pra África é de completude. A declaração "Vou pra África" está para o ativista social europeu, como "Vou pra lua" está para o astronauta. Podes passar a vida toda a cuidar dos pobres da tua terra, ajudar os toxicodependentes, lutar pelos direitos de minorias étnicas marginalizadas no teu país, ou mesmo ajudar pobres pretos desgraçados, que vão dar à costa europeia, mas serás sempre um mero assistente social, voluntário ou mesmo ativista, mas sem aquele txam! Nada como tocar numa criança negra africana...em África! Pobre negro em África é uma espécie de pobreza em negrito, carregado, bold.O ativista social que não veio pra África é comparável ao muçulmano que não foi pra Meca, ou rabino que nunca tocou no Muro das Lamentações. Não importa se é o 1º país de África em IDH ou o 50º, dá no mesmo. Para os teus amigos, no regresso, vai ter o mesmo impacto a frase "Estive em África!". Postar na Internet, fotos com criancinhas pretas, é parte importante do processo. Como toda a narrativa visual, a narrativa da pobreza precisa de um cenário. Não poderás encontrar cenário mais marcante que nos subúrbios de África, qualquer África. Ativista social europeu tem um quê de missionário ou Indiana Jones.

22.9.14

Afronarrativas de péssimo gosto


Enquanto africano, é sempre muito constrangedor quando somos confrontados com a enorme ignorância em relação ao país-continente África. Principalmente quando estamos no exterior. Há um misto de ignorância, arrogância e cinismo, ou ainda uma peninha e solidariedade, verdadeiramente irritantes. O caso da Ébola é bem elucidativo dessa ignorância. Quem receia ir à França, porque em Portugal tem uma epidemia? Pois, viagens foram canceladas para todos os países africanos, Cabo Verde incluído, num total de 54, porque em 5, dos quais 3, tinham um problema sério de saúde pública. Num universo de 1 bilhão de pessoas, morreram 2 mil e foi anunciado o fim de África. Rapidamente se invadiu o Mali com tropas estrangeiras, ou retirou-se Kadhafi do poder, mas em relação ao Ébola assistimos uma pouca-vergonha inqualificável da comunidade internacional. Morreram 500 pessoas na louca travessia marítima e o mundo nem tremeu. O país-continente África continua a sofrer de narrativas muito mal construídas, ou no mínimo terrivelmente parciais. Um Al-Jazeera africano, faz-se necessário. Produtoras e distribuidoras de filmes, com alcance mundial também fazem-se necessárias. Concretizar redes de arte e cultura, tais como Afribuku, FICINE, ArchiAfrica, FESPACO ou Dakart é um imperativo. Criar uma voz, através da comunicação, da arte e da cultura é essencial, para tirar poderes corruptos africanos da sua zona de conforto e para sacudir as ideias feitas no resto do mundo sobre o país-continente África. Há milhões de activistas fazendo por isso. Quem viver verá.