14.10.14

Juvenis

Artista: Amdeo Modigliani

Homem, em passo de tanque velho, anda com moça atrelada por todos os lados. Ela nem ladra. Anda com a cabeça levantada, para não ver com os olhos e com o coração não sentir juvenis palpitações.

5.10.14

Bipolares

Artista: Basquiat

"Com o crioulo não vamos longe, não saímos das ilhas"
Germano Almeida, in DN (link)

Segue confuso o debate acerca da Língua Caboverdiana e a posição contraditória de alguns intelectuais sobre o assunto.

Germano Almeida, escritor crioulo, orgulhosamente crioulo, mas que diz que com o crioulo não vamos longe… Acaba por mostrar como alguns intelectuais continuam agarrados a um passado colonial, em dessincronia com a realidade actual de Cabo Verde e do mundo. Exactamente quando há um debate global, promovido  pela UNESCO, acerca da valorização das línguas maternas e da diversidade linguística, que caracteriza toda a sociedade humana, vêm esses senhores defender uma hegemonia linguística...estrangeira! Mas no entanto não se revêm nessa língua estrangeira e nem conseguem se expressar totalmente nessa língua. Enfim, um discurso errante.

Separar a questão da língua, domínio científico de linguistas, da questão das identidades, é uma separação impossível. Quando Germano diz  "Portugal é quase continuação da casa", imediatamente eu me pergunto: “para quem Sr. Germano?”  Para si talvez, que até deve ter um passaporte português e talvez se reconheça no conceito claridoso de "portugueses das ilhas", mas para mim, para milhares de cabo-verdianos em Cabo Verde e para milhares de cabo-verdianos (porque negados o direito de serem portugueses) em Portugal, também não. As experiências dos maltratos nas fronteiras, de ser tratado como gueto,  de ser privado de cidadania, por ser considerado como "imigirante de 3ª geracão", não nos permite celebrar esta “continuação da casa”.

A confusão continua, quando Germano afirma ser "defensor do ensino do crioulo rigoroso, mas o português tem de ser ensinado como uma língua estrangeira, porque não é a nossa língua nacional (...) Mas a verdade é que defender o português é ideia que ganha adeptos, felizmente. Por exemplo, há quem defenda o ensino universitário em crioulo e isso é absurdo.”

Afinal? Estou tonto. Ensino rigoroso e probir a sua expressão nas universidades? Rigoroso sem investigação universitária? Rigoroso como?

Enfim, no auge da bipolaridade intelectual, continua: "Conto uma história em português, mas sou cabo-verdiano e há expressões que só me fazem sentido em crioulo. Por exemplo, ‘catchor de lantcha’, eu não saberia traduzir. Posso pôr ‘és um malandro’, mas...”.

Suponho que, um dos grandes problemas do reconhecimento da Língua Caboverdiana, e por extensão da Cultura Caboverdiana, tem sido essa posição em cima do muro de muitos intelectuais, que são lidos e ouvidos por uma larga audiência. Eu, enquanto cabo-verdiano, não me revejo neles. Não quero mais essa tentativa de nos justificar como “lusitaninhos de segunda”.

A qualidade do ensino em Cabo Verde está na ordem do dia. Ela passa por ensinar o português corretamente, bem como a matemática, mas esse debate não tem como dispensar a língua materna e, por extensão, uma reflexão sobre nossa identidade cultural.

Com o crioulo fomos longe! Com ele, formamos uma nação que ultrapassa em larga escala as fronteiras destas ilhas. A nação caboverdiana se fundamenta na língua materna e não noutra.

Algumas referências:
Sucesso de qualquer modelo de ensino em Cabo Verde passa pela língua materna
Bilinguismo e Aprendizagem de uma língua segunda
Educação Bilingue e Bilinguismo
Debate na televisão pública cabo-verdiana sobre “Bilinguismo em Cabo Verde”
Oficialização do crioulo cabo-verdiano
Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural