18.5.15

Espaços de gratuitidade

(foto ripada aqui: http://viacomit.net/)

"...[espaço público] é utilizado na filosofia política como lugar de representação e de expressão coletiva da sociedade” (Jordi Borja, 2003)

Sempre vi o Festival da Gamboa e todos os outros festivais municipais como espaço público de fruição da cultura. É a economia que circula, mas é sobretudo a troca humana, o espaço de encontro de toda a sociedade, de todas as classes, o espaço de troca e reconhecimento mútuo, que considero o maior ganho desses festivais. Evidentemente percebo a vertente sustentabilidade económica e que é preciso transmitir a partilha dessa sustentabilidade, mas será que, numa sociedade como a nossa, altamente desigual e segregadora, imbuída de muitos problemas de sociabilidade, com uma população muito pobre, não merecia um festival totalmente grátis? Não estaremos, querendo ou não, a promover mais um factor de segregação social? Certamente não será pelo valor económico do bilhete (que mesmo assim é inacessível para muita gente). É pelo valor simbólico. É o muro simbólico.

O Festival da Gamboa é um exemplo de que, com trabalho, tudo pode ser organizado e tornado espaço de qualidade. Há poucos anos, o festival tornou-se num campo de batalha. Salve-se quem puder. A tal ponto que gangs chegaram a trocar tiros no meio da multidão. As barracas ocupavam onde bem entendiam. A tal ponto que muita gente nem sonhava descer ao areal da Gamboa. Tudo mudou. Hoje Gamboa é um festival moderno, agradável e programar Stromae na sua edição 2015 foi um toque de ouro. Agradecemos a municipalidade por recuperar esse enorme espaço de sociabilidade. Mas o que ficou de fora na edição 2015? Ficou de fora o espaço público. A nossa cidade/sociedade é imensamente carente de espaço público. Aliás, operamos pelo contrário. Cada vez mais há mais muros, condomínios fechados, segregação e definição de onde uns vão e outros não vão. E o grande drama é que há espaços que a grande maioria não vai. Há espaços que, sem que sejam pagos, onde também essa grande maioria não vai, pelo seu simbolismo de "reservado". Daí a necessidade de, não só espaço público, mas principalmente de promoção do espaço público, com a finalidade de promover o encontro de classes, a normalização das relações sociais, a cultura da tolerância e da diferença, etc., etc. 

A questão que se impõe é, quanto custa fazer o festival grátis e quanto custa não fazê-lo grátis? Ou, quanto custa não ter um espaço público, capaz de meter toda a cidade lá dentro?



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