19.11.17

Onde metemos os malditos pobres?



Na Ilha do Sal está em curso uma operação de despejos forçados e arrombamento de casas, sem que isso cause a mínima comoção nacional. É um sintoma bastante grave da insensibilidade da sociedade em relação ao direito à habitação. Para além de ser um assunto de suma importância no quadro dos direitos humanos, despejos forçados e arrombamentos são absolutamente condenáveis, nomeadamente pelas Nações Unidas. É tremendamente mais fácil assentar o pau na população, do que cobrar do Estado as suas obrigações.

O Estado de Cabo Verde tem falhado sucessivamente no desiderato de proporcionar habitação adequada (há uma definição concreta sobre o que significa adequada), especialmente à população pobre. Em Cabo Verde a pobreza é ainda severa. Segundo a INE situa-se atualmente nos 35%, o que significa que cerca de 180.000 pessoas tem menos de 137$ (1.5 USD) diários para a ALIMENTAÇÃO, sendo que esse é o factor essencial de medição da pobreza (INE). No quadro de tamanha pobreza, como podemos "obrigar" as pessoas a morarem condignamente, sem o apoio do Estado, cuja finalidade primordial é dar assistência de vida à sua comunidade? E o que significa apoio do Estado? Significa que projetos de desenvolvimento, nomeadamente do turismo, tem que obrigatoriamente proporcionar opções de habitação, adequadas ao perfil sócio-económico da população. Desde o boom do turismo em Cabo Verde não se conhece um único projeto de habitação com essa preocupação. Todos os economistas do mundo e todos os dirigentes sabem, porque é da cartilha, que onde haja projetos de desenvolvimento, haverá migrações. Incluindo os 35% de muito pobres. Essas migrações são pessoas, homens, mulheres e crianças. São mão-de-obra, mas são também cidadãos à procura de melhores condições de vida. Onde os metemos? Onde serão permitidos se meterem?

Outros aspetos que ressaltam dos despejos do Sal, são das percepções de Estado e de território nacional. As municipalidades pertencem ao aparelho do Estado e cidadãos, independentemente da ilha onde tenham nascido, devem ser protegidos em qualquer ponto de Cabo Verde. Ver Estado como o Palácio do Governo na Cidade da Praia é ignorância e pagar às pessoas pobres para saírem da Ilha do Sal é uma limpeza social intolerável. Mesmo a percepção de "outros" é uma questão que precisamos debater profundamente.

A questão da ocupação do tosco do edifício no Sal não é de legalidade. É das condições a que levaram a essa ocupação, inicialmente, seguido da pior resolução possível a que o Estado podia chegar, do ponto de vista legal (tribunais) e do ponto de vista político (Câmara). Enquanto noutras paragens esse tipo de ações já desencadearam enérgicas reações e teses, aqui ensaiamos os primeiros gestos de linguagem repressiva, nessa área muito específica do conflito entre a pobreza e o turismo.

9.11.17

Quanto custa um Ministro?

(Imagem: Minister of Arts and Culture, da série Dying to be Men, Kudzanai Chiurai)

Quanto nos custa um Ministro da Cultura ao ano? Quanto custará o seu salário + subsídios + verbas de representação + viagens + combustível e manutenção dos dois carrões + perdas? Seis, oito, doze mil contos ao ano? Mais? Alguém sabe? Mas esses valores são elevados ou normais? Digamos que depende.

Para acabar com todos os projetos do anterior Ministério, o atual apresenta números e uma série de argumentação sobre a gestão dos fundos. Noventa e sete mil contos soa a muito dinheiro. À escala de um indivíduo é um valor enorme, mas à escala da economia...depende. São noventa e sete mil contos de perdas ou é um investimento? Como se avalia investimentos na Cultura? De momento é impossível, porque não existe nenhum mecanismo contábil capaz de medir o que se convencionou chamar economia da cultura. Quanto à gestão dos fundos, sim, é sempre uma trapalhada e sem perceber grandes coisas do assunto, só o facto de existir um saco azul no orçamento dos ministérios, que se chama Fundo Autónomo, é caminho para a livre interpretação de cada Ministro sobre o seu uso. Sobre isso nenhum deles estará safo de críticas e até duras críticas.

De um estudo mandado elaborar no anterior Governo, ficou demonstrado que potencialmente o investimento na Cultura estará a render milhões. Não é uma economia direta, é por efeito de multiplicação em torno de eventos culturais. Mas para medir e fazer as contas entre o investimento e o retorno haveria que se introduzir mudanças ao nível de captação e tratamento de dados, nos serviços das Estatísticas, das Finanças e das próprias instituições da administração da Cultura. Esses mudanças não irão acontecer tão cedo, porque já estamos habituados a que medidas de fundo no setor da Cultura, simplesmente não aconteçam. Assim, os investimentos continuam a ser feitos a olho, ou pior, à vontade do Ministro. 

Os Ministros de Cultura fazem coisas grandiloquentes. Um deles fez um filme para si próprio, outro só fez obras em edifícios, o anterior fez o AME, este já pagou vinte e dois mil contos a um realizador estrangeiro, meteu uns tantos na Morabeza e prepara-se para canalizar cinquenta mil contos para remodelar um único edifício no Mindelo. É investimento ou esbanjamento? O Ministro irá esgrimir todos os argumentos, que nos soarão lógicos, em como esse dinheiro servirá para [propaganda] projetar a imagem do país lá fora, mas a questão fundamental é: quanto isso nos custará? Melhor, quanto retornará ao país? Não sabemos! Tudo depende do feeling e da boa-vontade de cada um. É uma nuvem.

Economia, na sua acepção simples, significa gestão dos recursos escassos. Num país já economicamente escasso como Cabo Verde, essa acepção é elevada ao quadrado. Portanto, a questão não é saber dos gastos, mas sim do retorno. Importa é conhecer a economia que isso gera, ou seja, se cria riqueza ou não. Cultura, como Educação, gera dois tipos de valores: os simbólicos e os económicos. Já que está na moda só falar dos económicos, volta-se à pergunta: quanto custa um Ministro? Diria que depende do retorno da sua gestão. Tendo em conta que a tendência é que o seu sucessor arrase todos os seus projetos, o retorno é tendencialmente nulo. Vá, OK, ficam umas coisas.