8.10.12

Língua materna vs Língua madrasta


Não haverá desenvolvimento verdadeiro sem o desenvolvimento da língua materna, ponto! Exercício diário, vulgo TPC (Trabalho Para Casa) que desde a minha infância são meros cumprimentos de obrigação, em vez de serem entusiasmantes prolongamentos dos ensinamentos nas aulas. E continua. Sempre me angustiou essas questões. Como uma filha a crescer rapidamente, para além da angústia vem-me a revolta. Vejam só este enunciado:

"Ao número anterior, adiciona uma unidade ao algarismo das dezenas e de seguida subtrai um unidade ao algarismo das unidades. Ao número obtido, faz a soma dos dois algarismos. O que verificas?"

Agora adivinhem de que ano escolar estamos a falar...A 3ª classe, o ano em que a minha filha de 7 anos frequenta! E como ela lida com isso? Mal, claro! Porquê? Por causa da língua, caraças!! Como descascamos esse ananás? É assim: antes de resolver o exercício de matemática, sento-me com ela a resolver o problema da língua. Pergunto-lhe, percebeste o que o texto quer dizer? Não. Então vamos por partes, lê um pedaço de frase de cada vez e explica ao papá em crioulo o que quer dizer. Assim, continua. Agora lê a frase toda e liga as ideias. Consegues agora perceber a frase? Sim! Ótimo. Pronto, agora que percebeste a frase, vamos lá resolver o problema da matemática. Qual é o algarismo das unidades? Boa! E qual é o das dezenas? Continua, agora adiciona-os. Pronto!

Esta novelinha acontece com todas as disciplinas, inclusive a disciplina de Língua Portuguesa. Raciocinar na língua materna e fazer a tradução, no sentido de compreender e no sentido de escrever a o resultado. Agora ponho a questão: e os milhares de meninos que sequer têm uma família coesa, quanto mais pais pacientes e com um pouco de metodologia para desembrulhar essa complicação do sistema? Pois, produzir meninos estúpidos ao 12º está plenamente explicado.

3.10.12

Cultura vs Agricultura

Artist: David Adamo

Ser pai é um desafio todos os dias.

Ter o noticiário televisivo ao pequeno-almoço é um avanço notável. Podemos bebericar vagarosamente o café, enquanto tomamos o pulso ao mundo, ao menos ao nosso pequeno mundo local. Passava uma notícia sobre a cultura, sobre o mês da cultura, sobre arte e sobre a grande confusão do que vem a ser arte e do que não chega a sê-lo. A filhota que também parecia se interessar pelas notícias, ou então ficou curiosa pelo facto do papá prestar particular atenção nessa notícia, veio com a fatídica pergunta: papá, o que é cultura? Apanhado, com a boca cheia e sem resposta na ponta da língua, antes que eu pudesse acabar de mastigar e remoer uma explicação para tão complicada pergunta da miudinha, ela complicou ainda mais a questão:

- Sei o que é agricultura, mas cultura não sei!

Ocorreu-me, ainda a ver a notícia, que precisamos de muita coisa no nosso fazer da cultura e uma delas é ter curadores de arte, formados e, fundamentalmente, com experiência em museus e galerias de renome, de pelo menos 10 anos. Chega a ser insultuoso para os artistas, que trabalham anos a tentar perceber o que é isso de arte, que qualquer coisa seja chamada de arte, escancaradamente.

Confesso que esquivei-me à pergunta da minha filha, com as devidas explicações do adiamento da resposta. É uma pergunta complicada, estávamos atrasados para a escola e o trabalho e o papá ia procurar a melhor forma de responder. Está prometido, filha. É importante que ela cresça a saber distinguir muito bem o que é cultura e o que é agricultura.

2.10.12

Afrobias & Outras Particularidades Crioulas

Artist: Matthew Brannon

Menina com cabelo "Afro" é impedida de entrar na escola de freiras, escola essa que é paga com dinheiros públicos. De repente todos espantam-se com o seu próprio ser. Todos se põem de pé, bradando, eu não posso ser assim! Mas é assim, somos assim.

Ser crioulo é um caldeirão a ferver. O feijão ainda está crú, o caldo ainda não está apurado, falta sal, falta ajustar o tempero, a cor ainda varia entre tonalidades diferentes, ninguém consegue dizer ao certo o que vai sair desse lume. Freira com formatação medieval manifesta as suas crenças e todos se espantam. Mas ninguém se espanta que o serviço público passe a missa católica na TV de graça, que bispos tenham afirmações gratuitas acerca do islamismo, realidade já nesse caldeirão crioulo, que os políticos frequentem missas em tempos eleitorais, que os padres tenham mais força que a cidadania e que instituições privadas tenha que ter o nosso dinheiro, público entenda-se, para poderem se manter de pé, mesmo que essa instituição se chame igreja católica, uma das transnacionais mais ricas do planeta. Indignem-se à sério, porra!

Entretanto já vou para 48h sem energia eléctrica em casa e não tenha nenhuma força para me indignar. Somos assim.