20.5.15

O Esquecimento de Celeste


"(...) esta leitura das estratégias [do esquecimento] nos permite, por exemplo, analisar os  processos de inclusão e de exclusão, de construção de figuras de referências e identificação das vítimas do esquecimento, num jogo entre exacerbação e amnésia colectiva e aqueles que têm poder de dirigir esta máquina da memorização." Celeste Fortes, antropóloga, via Academia.edu

Não deixe de haver uma ironia potente nessas duas imagens. Nós mostramos o que os portugueses sentiram com a guerra e os portugueses mostram o que nós sentimos com a guerra. Uma é iniciativa da UniCV (Pólo do Mindelo - Cabo Verde), outra é da Universidade de Lisboa (Faculdade de Letras - Portugal). Esta troca podia ser levada ao rigor, em projectos patrocinados pelos Estados, numa espécie de catarse cruzada. Pena que, a Cátedra Amílcar Cabral, situada na Cidade da Praia, a maior cidade de Cabo Verde e (nas narrativas malucas) a mais africana, fique de fora da festa.

18.5.15

Espaços de gratuitidade

(foto ripada aqui: http://viacomit.net/)

"...[espaço público] é utilizado na filosofia política como lugar de representação e de expressão coletiva da sociedade” (Jordi Borja, 2003)

Sempre vi o Festival da Gamboa e todos os outros festivais municipais como espaço público de fruição da cultura. É a economia que circula, mas é sobretudo a troca humana, o espaço de encontro de toda a sociedade, de todas as classes, o espaço de troca e reconhecimento mútuo, que considero o maior ganho desses festivais. Evidentemente percebo a vertente sustentabilidade económica e que é preciso transmitir a partilha dessa sustentabilidade, mas será que, numa sociedade como a nossa, altamente desigual e segregadora, imbuída de muitos problemas de sociabilidade, com uma população muito pobre, não merecia um festival totalmente grátis? Não estaremos, querendo ou não, a promover mais um factor de segregação social? Certamente não será pelo valor económico do bilhete (que mesmo assim é inacessível para muita gente). É pelo valor simbólico. É o muro simbólico.

O Festival da Gamboa é um exemplo de que, com trabalho, tudo pode ser organizado e tornado espaço de qualidade. Há poucos anos, o festival tornou-se num campo de batalha. Salve-se quem puder. A tal ponto que gangs chegaram a trocar tiros no meio da multidão. As barracas ocupavam onde bem entendiam. A tal ponto que muita gente nem sonhava descer ao areal da Gamboa. Tudo mudou. Hoje Gamboa é um festival moderno, agradável e programar Stromae na sua edição 2015 foi um toque de ouro. Agradecemos a municipalidade por recuperar esse enorme espaço de sociabilidade. Mas o que ficou de fora na edição 2015? Ficou de fora o espaço público. A nossa cidade/sociedade é imensamente carente de espaço público. Aliás, operamos pelo contrário. Cada vez mais há mais muros, condomínios fechados, segregação e definição de onde uns vão e outros não vão. E o grande drama é que há espaços que a grande maioria não vai. Há espaços que, sem que sejam pagos, onde também essa grande maioria não vai, pelo seu simbolismo de "reservado". Daí a necessidade de, não só espaço público, mas principalmente de promoção do espaço público, com a finalidade de promover o encontro de classes, a normalização das relações sociais, a cultura da tolerância e da diferença, etc., etc. 

A questão que se impõe é, quanto custa fazer o festival grátis e quanto custa não fazê-lo grátis? Ou, quanto custa não ter um espaço público, capaz de meter toda a cidade lá dentro?



6.5.15

Pasa sabi vs Kau mau

(imagem a partir de foto de A Nação)

A política cabo-verdiana tem desses momentos patéticos de contagem de cabeças, de atirar a culpa uns aos outros e de fazer afirmações básicas, sem que se possa fazer uma leitura mais ampla, num contexto histórico, ou sociológico, das transformações que vem ocorrendo na nossa vida política. Pela primeira vez, pois, pasmem-se trabalhadores de todo o mundo, pela primeira vez em Cabo Verde, as organizações sindicais saíram à rua no 1º de Maio, em marcha de protesto, no lugar dos passeios-convívio e lá vem os meninos dos partidos a contar as cabeças, a clamar fiasco, a atirar culpas uns aos outros, o que dá um tom infanto-juvenil à nossa política.

Os meninos do partido fartam-se de culpar uns aos outros dos males da nossa política, sem ao menos admitirem que fazem parte de uma classe dirigente pobre, que insiste na infantilização das pessoas, que nunca se esforçou para engajar verdadeiramente as pessoas na política, preferindo ao invés adoptar uma postura, seja paternalista, seja assistencialista, seja incriminatória. Tem algo mais profundamente infantil que visitas de deputados aos círculos para ouvir chorinhos? Conhecem algum deputado que se põe ao lado da causas sociais, ao invés de se submeterem à disciplina partidária?

1 de Maio 2015 é um marco na luta dos trabalhadores em Cabo Verde. Finalmente rendemo-nos às evidências, de que: ninguém cuidará dos interesses dos trabalhadores, senão eles próprios; estamos em tempos de neoliberalismo feroz, em que o capital, mais uma vez, está acima das pessoas. Mais facilmente se apoia uma banco de ir à falência, que um grupo de trabalhadores de ir ao desemprego. O que se chama de "flexibilização do mercado de trabalho" é uma retórica disso mesmo. A marcha de 1 de Maio poderá não ter tido adesão massiva, mas simbolicamente foi importante e marca uma mudança na forma de fazer política em Cabo Verde, assumindo ainda uns poucos a sua parte da responsabilidade de construir uma sociedade melhor. Pois, uma pequena manifestação, carregada de significados.



30.3.15

O truque da informação

(obrigado autor da foto)

Informação é um dos fundamentos da democracia. É o elo que mantem a confiança entre eleitor e eleito. A coisa funciona assim: nós (eleitores) delegamos-te (eleito) o poder de decidires sobre a condução da vida pública, na condição de nos informares em permanência. Numa empresa funciona da mesma forma, diga-se de passagem. Pegando do caso em curso sobre os novos Estatuto dos Titulares dos Cargos Políticos (ETCP) e as polémicas que tem gerado, pergunto, como funciona a informação pública em CV? 

Através da comunicação social (CS), que em CV é livre. Livre?? Basta uma rápida pesquisa sobre os donos da CS para ficarmos bem esclarecidos. Como receptor, sinto-me defraudado com a CS em CV. É verdade que foi pela CS que o escândalo dos ETCP rebentou, mas (GRANDE MAS) veio já enviesado: cada um explora a coisa, segundo o interesse que representa e nenhum informa a fundo sobre todo o processo.

Através de fóruns e debates. Há muitos e isso é salutar. Mas salutar pra quem? Será que esse nível de comunicação é bem segmentado, segundo o nível de instrução da população? São debates ou são exposições? Sobre o ETCP, como funcionou a comunicação desde o jurista, até chegar ao analfabeto?

Relatórios e contas. Aqui reside o truque maior. Cabo Verde é um verdadeiro exemplo quanto ao disponibilizar de informação pública. INE é um campeão; idem BCV; o portal do Governo não fica atrás; o Parlamento tem lá tudo...Mas será isso informação? Mais, será isso conhecimento? Pois, informação disponibilizada não é comunicação enquanto não for recebida por todos (todos é todo!) e for compreendida, ao ponto que qualquer um (qualquer um significa todos!) possa formar um juízo sobre o assunto. O discurso que os políticos tem usado, especificamente sobre os ETCP, até com insultos aos cidadãos, é que: andamos a falar de coisas que não conhecemos (pois!); a informação é disponibiliza e só quem não quer, não têm acesso. Caro político, a coisa é ao contrário: cabe a si levar a informação até ao seu representado e faça o favor de garantir que ele percebe tudo, tintin por tintin.

28.1.15

Jovem confuso


Não existe conceito em Cabo Verde mais confuso que "jovem". Principalmente quando é usado no sentido político. Aliás, é um dos vocábulos favoritos dos nossos políticos e a pergunta é: porquê?

A população em CV é maioritariamente jovem. A idade média da população é de 27 anos! A malta dos 15 aos 34 anos representa 39% da população, faixa essa oficialmente jovem. E desculpem, não é elogio nenhum, pelo contrário, continuar a ser tratado de "jovem quadro", "jovem colaborador", quando já se passou dos 40. Os políticos adoram a palavra por uma razão óbvia: representa a maioria dos eleitores. Mas igualmente representa a maioria das necessidades da população, em termos de emprego, habitação e acessos no geral. Em CV "jovem" não é uma particularidade; é a própria população. Portanto, o discurso devia ser emprego e não emprego jovem, habitação e não habitação jovem, oportunidades e não oportunidades para jovens. Assim, essa repetição exaustiva da palavra, parece-me um paternalismo, às vezes uma vitimização e provavelmente um esquivar das questões de fundo. Políticas de verdade para jovens, são políticas de integração no mercado, não de "emprego jovem", ou de acesso ao crédito, ou programas de estágios profissionais, ou de realização social. Essa política de papá providencia já não se adequa.