Na ilha de Santiago os rapazes têm carrões. Estamos no tempo em que os rapazes, estando de férias laborais, voltam à terra-mãe, aos seus locais de origem, humilde na sua maior parte, rural, às suas mães, igualmente humildes na maior parte, ainda a exibir uma maneira de estar de lenço atado, roupas e gestos tradicionais, gestos de missa de Domingo, roupas e maneira de estar de trabalhar a terra e vender no mercado. Uma sociedade rural, onde só os carrões destoam na paisagem, pelo luxo refinado dos seus bancos de pele, ou pela extrema elaboração tecnológica dos seus equipamentos. Carrões topo de gama. Rapazes rurais de maneiras, de palavras simples na sua expressão, regressados dos seus árduos trabalhos no exterior, se exibem perante uma mulherada fulminada pelo brilho irresistível de um luxo que as suas preparações e vivências nem conseguem conceptualizar, tal insecto que cai fatalmente nas garras de uma bela flor carnívora.
Na ilha de Santiago os rapazes têm carrões e toda uma sociedade que nem consegue explicar a enorme cadeia de causas e efeitos, que faz acontecer que uma fila de carros de alto quilate pudesse desembarcar numa ilha, rural em sua maior extensão e na sua maior expressão.
5 comentários:
O Estado e os PCA são os primeiros a promoverem esta bazofaria de estomago colado. Qual Dirigente vai andar numa carrinha hoje em dia? Se não for touareg ou Prado nada feito. Mas quem paga a factura é sempre o povão que não tem carrão.
Até rima :)
Sobre o parque automóvel do Estado, eu gostaria de saber quanto custa cada um, não só do preço de aquisição, a juntar o custo de: manutenção periódica, combustível, troca de peças e acessórios, em caso de acidente, o custo de reparação, tudo isto tendo em conta que os custos de Prado são n vezes superiores que de um automóvel normal; só cada pneu do gajo!...
Essa ostentação é não só resultado e má formação, como também falta de respeito pelos que menos tem, a diferença de preço de um carro normal para um "carrão", dava para melhorar a vida a muitas familias, no entanto, solidariedade fica bem apenas nos discursos, depois é ignorada nos actos.
Infelizmente não é SÓ um caso dos nossos emigrantes (provavelmente é o caso de todos os emigrantes, de todas as latitudes, uma espécie de maldição tornado condição. Temos muitos defeitos, lá isso temos, mas este não é exclusivo nosso, não).
Quanto aos carros do Estado (outro problema que tem barbas, e alimenta muito debate gratuito e muita demagogia, não so aí mas em todo o lado - cá em Portugal é um tema na ordem do dia), é a imagem de ostentação exibida, num país pobre, é que dá a ideia de exagero, excesso, senão mesmo 'crime' ou ofensa. Cada tostão gasto deve obedecer a critérios de rigor, oportunidade, e necessidade, logo, feitos com muita parcimónia. Tem de haver algum pudor face às dificuldades e às desigualdades. Não sou contra carros do estado, nem as despesas que eles implicam. Ter um estado é consequência de uma opção nossa, logo, ser estado implica custos que não se compadecem com o olhar mesquinho da contabilidade de merceeiros. Tão pouco com desperdicios e esbanjamentos. Direitos e regalias não podem dar a ideia de privilégios e injustiças. Será que há uma Central de Compras e uma Direcção que se encarregue de gerir a frota do estado, justificando os gastos, controlando os custos, e fiscalizando o uso que deles é feito? Deven haver obrigatoriamente tectos, limites e plafond's (provavelmente há, para compras, consumos e utilização). Estes benefícios devem obedecer a regras claras, transparentes e públicas, e a sua atribuição e controlo deve ser rigorosa, regular, e vertical para dissuadir aproveitamentos, uso indevido e abusos.
Para mim, a questão de fundo é outra. É o modelo/desenho de sociedade que temos, os seus vícios e malefícios que ajudam a perpetuar injustiças e erros, tornando-os coisas "naturais" e até aceitáveis. Não importa que sejam Emigrantes, Governantes ou Residentes. Ele há tanta forma de morrer. Esta, a ostentação, é apenas (mais) uma delas. Entre ter e haver, assim se vai perdendo o SER.
Aprendemos a imitiar os outros, depressa e bem, no que eles têm de pior e de mais trivial. Faz mal, mas sabe bem. Dura pouco mas é intenso. É mais difícil a mesma adesão às coisas essenciais. Não dão "pica". E assim, julgando-nos ricos, nos empobrecemos por dentro, e muitas vezes por fora (já que muito dessa ostentação é artificial e artificiosa).
Ruy Duarte de Carvalho, um grande escritor angolano e um mestre, tem uma expressão feliz que talvez resuma tudo isto: "hóspedes da pobreza do lugar". Com isto leio, que somos capazes, às vezes, de herdar o pior dos outros (a sua pobreza) enquanto o melhor (a sua riqueza e grandeza) escapa-nos podendo estar mesmo ao nosso lado. E no entanto, um dia estivemos lá, hóspedes de um lugar qualquer, e fizemos, para o bem ou para o mal, as nossas opções.
Mas que sei eu da ambição e da vaidade dos outros nestes tempos imbecis de lúxuria fria?
Não vejam nestas palavras algum juizo moral (quem sou eu?), apenas a minha perplexidade perante o mundo, este, nosso.
BFSemana
Gr Abraço
ZC
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