28.5.12

As trevas

É perfeitamente inaceitável a situação da energia em Cabo Verde. É frustrante. É vergonhoso, por exemplo, quem trabalha com parceiros internacionais, estarmos a repetir a desculpa de que faltou a energia eléctrica. Deve soar até a desculpa esfarrapada. É imoral que nenhum dirigente venha a público explicar, sem tretas, a situação.

Contem-nos a verdade. Os cidadãos estarão dispostos a fazer sacrifícios pelo país, desde que nos contem a verdade. Digam-nos qual é a profundidade do problema. Peçam ajuda de todos, para juntos apontarmos caminhos diferentes, porque claramente que está a gerir o problema não está a fazê-lo de forma correcta, pelo menos na parte de informação.

É lamentável.

2.5.12

Tempo de soltar os gases

Artist: Yuji Agematsu

O fantástico das campanhas eleitorais é ver muita gente a revelar-se. Estalam os vernizes, baixam as máscaras, descascam-se camadas e camadas de hipocrisia, o pessoal solta-se!!

Este jornal vai descobrir que um fulano em país x deu um golpe, está nas malhas da justiça e é um elemento destacado de partido A. Aquele outro jornal vai descobrir que sicrano em país y é acusado de mafiosidades n e m e é um elemento destacado de partido B. De palmadinhas nas costas o pessoal passa a expressivas demonstrações públicas de mal-dizer. Perdem-se os modos e o palavreado vira mais rasca. Dizem-se coisas que, em tempos normais, embrulhava o estômago a qualquer um, mas em tempos de campanha defecar em público é amplamente tolerado. Até as mãezinhas, pobres progenitoras que tanto sofrem para nos trazer ao mundo, muitas vezes ainda tem que ouvir esse e aquele mal-criado, filho de uma... na sua imedição de palavras a lhes faltar o respeito! Os jornais vão se tornar impossíveis. Os comentários nos fóruns online vão ser puro esgoto digital. Toda a conversa, nas esquinas, nos cafés, em qualquer espaço, tendencialmente descerá a níveis impróprios.

É tempo dos políticos soltarem-se daquela moldura que ostentam um mandato inteiro, de deixarem os seus serzinhos humanos virem ao de cima e de revelarem muitas vezes uma educação não propriamente... esmerada. Quem não gosta dessa merdaria pegada, que hiberne. Vai ser assim.

25.4.12

Desemprego Psicológico

Se não temos o maior Primeiro-Ministro do mundo, está lá perto. Ele acerta sempre e desta vez foi em cheio. Disse que o desemprego em CV é psicológico. Para além de contribuir decisivamente para a ciência económica, a afirmação é justa, pelos seguintes:
  • Não ter emprego mexe a sério com a cabeça de um fulano. É mesmo lixado. Só quem nunca esteve uns meses parados não sabe o quanto isso é psicologicamente uma afronta.
  • Ter trabalho semana sim, semana não, como milhares de homens e mulheres por esse país fora, não contribui para a confiança e força psicológica de ninguém.
  • Estar empregado e ter medo de perder o emprego, por outras palavras se chama "precariedade de contratos" e isso mexe com as estruturas de qualquer mente.
  • Estar empregado e sofrer pressões de toda a ordem dos empregadores já levou muito gente ao desespero. Já vi colegas, mesmo ao lado de mim, a fracassarem psicologicamente. A depressão por causas profissionais é um problema de saúde pública, a que ninguém se prenuncia.
  • Estar empregado, ralar-se uma vida toda e depois ver uns miúdos do partido a ascenderem aos cimos das hierarquias, em passes de mágica, é de deixar qualquer bom profissional louco.
  • Não ter condições de facto iguais na criação do auto-emprego (pomposamente chamado de "empreendedorismo")  e na protecção jurídica dos negócios, é, do ponto visto psicológico, uma desmotivação e tanto.

Sem querer, ou se calhar querendo, o PM acertou mesmo!

24.4.12

Excelência, Ministro da Cultura

Artistas: Ayreen Anastas & Rene Gabri

Toda a sua grande entrevista no jornal A Nação podia ser resumida numa única frase: "A verdade é que ainda não temos nada!".

E não há mal nenhum em ainda não ter nada caro Ministro. Um ano não é tempo de ter mais do que planos e projectos e intenções e possibilidades e conjecturas e uma série de outras construções teóricas, quando está tudo por fazer. Que me perdoe, caro Ministro, mas ao contrário do que diz, a casa não tinha nada! Senão como explicar tantos retiros, inclusive em locais remotos como S.Nicolau, tantos fóruns, tantas remodelações, uma orgânica (ainda secreta) nova, tantos projectos e tantas intenções? Se a casa tivesse já alguma coisa concreta, e bem feita segundo diz, então seria só dar seguimento e melhorar, sem que se sentisse esse timeout. Todos os dossiers abordados pelos jornalistas - do ensino, da língua, da carreira artística, dos direitos de autor, do financiamento, etc. - foram remetidos para planos, projectos, estudos e outras construções teóricas. Isso traduzido por míudos é: não ter nada ainda.

Não há mal nenhum em dizer que a casa está toda partida e é preciso refazê-la. Fico feliz de ter um Ministro da Cultura que fala de um modo estratégico (apesar de alguns atropelos com o turismo, o entretenimento e a confusão entre artista/ministro), mas é preciso abandonar esse discurso da negação, que não há problemas, e esse discurso do super-poder, que tudo vai ser diferente depois de si. Humildade precisa-se e não megalomania ou utopia, que essas coisas são para o artista e não para o gestor da coisa pública, por natureza escassa.

23.4.12

Castelos no ar

Imagem: Hans Haacke

Nós somos os campeões mundiais de construção de castelos no ar. Todo o povo tem um talento, pelo que é conhecido no mundo. Nós devemos ser (re)conhecidos pela nossa capacidade de construir castelos no ar.

Os nossos castelos são sempre grandes, tem tudo, água, luz, Internet e sistema de vídeo-vigilância. Têm infindáveis corredores, quartos, salas, saletas, salões, grandes janelas e formidáveis portais. Estão integradas com a natureza e têm vistas fantásticas. Quando terminadas, nalgum tempo sempre impreciso do futuro, vão trazer grande felicidade e prosperidade para a comunidade. Só temos de ter, e muito, é fé!

17.4.12

Flowing

photos by luka klikovac

13.4.12

Ah Guiné!!

Para quando vão se pacificar as almas nesse país?

10.4.12

Cacofonia

'cacophony' sound installation by studio nomad
 
Chegou a hora de pagar, a duras penas, o resultado de anos de políticas públicas viradas para o betão e para o asfalto. Toda a governação do PAICV foi marcada por grandes (?) obras públicas, umas bem impressionantes até, como a estrada fantasma, Circular da Praia. Tudo foi feito no pressuposto que grandes empreendimentos estrangeiros vinham aí, que íamos fazer negócios da china e que por milagre todos iam ficar ricos e gratos por essas escolhas à partida contestáveis. O resultado concreto agora é que, grupos privados ganharam muito dinheiro, os investimentos não vieram, ficamos com uns elefantes brancos de luxo e as populações continuaram na mesma, com tendência a piorar.

É claro que os propagandistas de serviço vai sair logo com os argumentos de índices de democracia e mais outros prémios que vão nos animando, como criancinhas que se animam facilmente com um doce. A situação real, no terreno merece uma outra conversa, porque afinal estamos a falar de vidas de pessoas. A situação é perfeitamente inaceitável, quando se vê para um determinado esbanjamento e má aplicação dos dinheiros públicos. É urgente um pensamento mais humanista na governação, sob pena de agravarmos as já graves situações de pobreza, desemprego, violência, prostituição, crimes, droga e o olvidado grande flagelo do alcoolismo.

Chegou o momento de dizer CHEGA! Com a actual subida de preços dos combustíveis a níveis píncaros, adivinhando já uma complicação generalizada ao nível dos preços, não percebo como podemos ficar caladinhos. CHEGA! Chega de moleza desse povo que tem uma capacidade quase masoquista de apanhar. Reduzam as despesas da Administração Pública, gorda, corrupta, inoperacional e sem escrúpulos. Acabem com os chupadores de dinheiro, Electra e TACV. Vigiem a pouca vergonha dos sugadores do Estado, os dirigentes bundões e sem ponta de sentido de Estado. Façam imensas outras coisas, façam o que quiserem, mas poupem o cidadão de mais apertos.

ALGO ESTÁ MUITO ERRADO!

19.3.12

Brincar com o fogo.

Depois, tudo desaparece e abre-se o espaço náuseo da ausência. Desaparece a azáfama do correr atrás, fotografar, filmar, gravar, falar, perder noites, entusiasmar-se, finalmente mostrar, brindes, sorrisos, abraços, amizades, promessas de eternidade, juras, lágrimas de separação. Tudo desaparece e só resta o chão seco da (re)criação.

A profissão da criação artística comporta riscos que nenhuma seguradora poderá um dia avaliar. Os riscos são sentimentais e emocionais. O risco da depressão é bastante forte. O risco da decepção e da frustração. O risco da extrema euforia que caracteriza certos momentos de muita emoção - os momentos com o público, os jornalistas, o foco da atenção - para depois se seguir o nada, o vazio.

A profissão da criação artística trabalha com a matéria mais inflamável de todas, que é a emoção. Tanto pode aquecer como queimar descontroladamente. E acontece extinguir-se também. Um artista é um profissional que brinca com fogo.

13.3.12

Regressar

Se fosse religioso ia agradecer a Deus pelo incrível périplo que fiz entre Mindelo, Brasil, S.Tomé e Príncipe e Lisboa, num espaço de 6 meses. Como não sou agradeço a congregação de todos os bons espíritos que me conduziram a isso. Em termos de balanço humano, ainda vou passar os próximos 6 meses a avaliar. Só sinto que foi mais que o meu peito podia comportar.

Mindelact tornou-se uma tradição, uma espécie de fonte de purificação artística anual. O teatro será a arte mais humana de todos, porque é directo, de humano para humano e isso tem consequências grandes no nosso espírito. Cineport em João Pessoa, Brasil, com todas as trapalhadas, foi um momento de conhecer novíssimas pessoas e horizontes que vão além do alcance da vista. No entanto, Brasil ainda parece um território complicado de entrar, de tão vasto que é. A Bienal de S.Tomé foi a experiência humana mais marcante do ano. Por um lado o drama da pobreza, por outro o conhecer pessoas de coração limpo que já se tornaram parte do meu círculo reservado. Lisboa, que foi a continuação da Bienal de STP, mais algumas exposições em galerias, foi um ponto alto de encontro entre várias pessoas que, se tivessem a consciência disso, podiam mudar o mundo. Lisboa é um dos mais importantes centros culturais africanos do espaço de língua portuguesa, mas falta assumi-lo.

Enumerar nomes seria injusto para os esquecidos, mas seguramente terei ganho umas boas dezenas de novas amizades de alto valor. É uma sorte.

Terminei um ciclo, o que é uma sensação transcendental na criação artística. Já iniciei um outro com o intuito de saltar de patamar, evoluir, aprender a falar uma língua superior.

19.2.12

Sensação de Quo Vadis


Queremos causas, coisas para lutar, coisas para fazer juntos, outra via ficamos aqui sentados a ver qual o macaco que culpamos. Falta-nos causas, coisas que acreditamos até ao ponto de nos perdermos nela. Temos falta de pertencer.


A vida tem que valer o suor e eventualmente algum sangue. A vida tem que ser mais que acordar e cumprir o dia, depois deitar-se, cansado do dia. É preciso conseguir e conseguir juntos, que o conseguir só tem um estado de prazer curto. Conseguir juntos, à grande, perdura a sensação ébria. Conseguir grande diminui a depressão de ser simples humanos. Precisamos conseguir...e grande.

14.2.12

Show!

Artista: Martin Klimas

13.2.12

Um dia num minuto

Imagem: Antoni Tàpies

Na sexta-feira pode-se assim dizer que estive com todas as amostras da sociedade num só dia. É tipo contar a história social do país em poucas imagens. De manhã e à tarde trabalhamos nas escolas da periferia e ouvi um rol de problemas reais, histórias de deixar uma pessoa sem apetite, desde das miúdas de 13, 14, 15 anos engravidadas por um estupor qualquer, ou pelos coleguinhas, passando pelos problemas profundos dentro de casa de um menino cujo pai enche a cara e resolve partir a cara de todos dentro de casa, até ouvir um menino de 14 anos a contar com todos os detalhes os preparativos de uma gang para meter um balázio num outro gang. A caminho de casa, na zona média, oiço pela rádio as subidas de combustível e consequentemente de toda vida e ponho-me logo a fazer contas e a adivinhar que tempo de apertos se avizinham. Por fim estou na noite glamourosa da cidade a assistir o desfilar de roupas, sapatos e acessórios arrojados, homens de fato, mulheres de vestidos magníficos, porque ao que parece o país comemorava a assinatura de mais um donativo de dinheiro do Estado americano e o pessoal teria andado em alguma recepção em alguma repartição do Estado ou hotel caro da cidade.

O país anda assim, entre a quase obrigação de se congratular pelas conquistas diplomáticas, donativos, compactos, pontuações na arena internacional  e a urticária viva e extremamente persistente das dificuldades do dia-a-dia, da falta de tudo e mais alguma coisa e ainda ter que ver e ouvir todos os chico-espertos a justificar que devemos é congratular, apesar de tudo.

9.2.12

Via Fácil

Artista: Phyllida Barlow

Não sei se fico muito contente com a onda de detenções de pessoas importantes no meu país, ou se fico francamente triste. Se por um lado é verdade que repõe-se a confiança nas instituições quando vemos que elas fazem o seu trabalho, indicando claramente que crime não compensa, por outro lado dá uma mágoa enorme ver gente que está junto de nós a ir presa. A Justiça precisa ainda se pronunciar, porque vale o primado da inocência que diz que, todos são inocentes até prova em contrário, mas o simples facto de uma pessoa ser indiciada pela justiça é já uma afronta. Como se sentirão as mães dessas pessoas? Como se sentirão os filhos? Como se sentirão todas as pessoas próximas? Como poderão andar de cabeça erguida após uma afronta dessas?

O facto é que todos sabemos, com ou sem a acção da justiça, que várias pessoas estão a ir numa direcção muito errada. O pior disso tudo é uma certa aceitação social do ilícito. Tenho a sensação que ninguém tem mais paciência para trabalhar longamente para conseguir as coisas, que queremos as coisas no dia seguinte, que queremos coisas demais, maiores que as nossas próprias pernas. Ainda por cima, quem trabalha honestamente, ganha medianamente e não tem uma vida fausta que se vê por aí, quase que é visto como um coitado, que não tem sucesso ou não tem coragem suficiente para fazer determinadas coisas.

Que a tranquilidade regresse as nossas casas, aos nossos bairros, ao nosso país.

7.2.12

Quando Caem as Árvores


Morreu Antoni Tàpies aos 88 anos de idade, um dos mais importantes e influentes artistas do séc.XX, nascido na Catalunia, terra que pariu também Miró, dos pintores que mais admiro na história da arte. Nomes que fazem-nos vibrar. RIP