19.2.12

Sensação de Quo Vadis


Queremos causas, coisas para lutar, coisas para fazer juntos, outra via ficamos aqui sentados a ver qual o macaco que culpamos. Falta-nos causas, coisas que acreditamos até ao ponto de nos perdermos nela. Temos falta de pertencer.


A vida tem que valer o suor e eventualmente algum sangue. A vida tem que ser mais que acordar e cumprir o dia, depois deitar-se, cansado do dia. É preciso conseguir e conseguir juntos, que o conseguir só tem um estado de prazer curto. Conseguir juntos, à grande, perdura a sensação ébria. Conseguir grande diminui a depressão de ser simples humanos. Precisamos conseguir...e grande.

14.2.12

Show!

Artista: Martin Klimas

13.2.12

Um dia num minuto

Imagem: Antoni Tàpies

Na sexta-feira pode-se assim dizer que estive com todas as amostras da sociedade num só dia. É tipo contar a história social do país em poucas imagens. De manhã e à tarde trabalhamos nas escolas da periferia e ouvi um rol de problemas reais, histórias de deixar uma pessoa sem apetite, desde das miúdas de 13, 14, 15 anos engravidadas por um estupor qualquer, ou pelos coleguinhas, passando pelos problemas profundos dentro de casa de um menino cujo pai enche a cara e resolve partir a cara de todos dentro de casa, até ouvir um menino de 14 anos a contar com todos os detalhes os preparativos de uma gang para meter um balázio num outro gang. A caminho de casa, na zona média, oiço pela rádio as subidas de combustível e consequentemente de toda vida e ponho-me logo a fazer contas e a adivinhar que tempo de apertos se avizinham. Por fim estou na noite glamourosa da cidade a assistir o desfilar de roupas, sapatos e acessórios arrojados, homens de fato, mulheres de vestidos magníficos, porque ao que parece o país comemorava a assinatura de mais um donativo de dinheiro do Estado americano e o pessoal teria andado em alguma recepção em alguma repartição do Estado ou hotel caro da cidade.

O país anda assim, entre a quase obrigação de se congratular pelas conquistas diplomáticas, donativos, compactos, pontuações na arena internacional  e a urticária viva e extremamente persistente das dificuldades do dia-a-dia, da falta de tudo e mais alguma coisa e ainda ter que ver e ouvir todos os chico-espertos a justificar que devemos é congratular, apesar de tudo.

9.2.12

Via Fácil

Artista: Phyllida Barlow

Não sei se fico muito contente com a onda de detenções de pessoas importantes no meu país, ou se fico francamente triste. Se por um lado é verdade que repõe-se a confiança nas instituições quando vemos que elas fazem o seu trabalho, indicando claramente que crime não compensa, por outro lado dá uma mágoa enorme ver gente que está junto de nós a ir presa. A Justiça precisa ainda se pronunciar, porque vale o primado da inocência que diz que, todos são inocentes até prova em contrário, mas o simples facto de uma pessoa ser indiciada pela justiça é já uma afronta. Como se sentirão as mães dessas pessoas? Como se sentirão os filhos? Como se sentirão todas as pessoas próximas? Como poderão andar de cabeça erguida após uma afronta dessas?

O facto é que todos sabemos, com ou sem a acção da justiça, que várias pessoas estão a ir numa direcção muito errada. O pior disso tudo é uma certa aceitação social do ilícito. Tenho a sensação que ninguém tem mais paciência para trabalhar longamente para conseguir as coisas, que queremos as coisas no dia seguinte, que queremos coisas demais, maiores que as nossas próprias pernas. Ainda por cima, quem trabalha honestamente, ganha medianamente e não tem uma vida fausta que se vê por aí, quase que é visto como um coitado, que não tem sucesso ou não tem coragem suficiente para fazer determinadas coisas.

Que a tranquilidade regresse as nossas casas, aos nossos bairros, ao nosso país.

7.2.12

Quando Caem as Árvores


Morreu Antoni Tàpies aos 88 anos de idade, um dos mais importantes e influentes artistas do séc.XX, nascido na Catalunia, terra que pariu também Miró, dos pintores que mais admiro na história da arte. Nomes que fazem-nos vibrar. RIP

30.1.12

Um ano tem doze meses

Artist: Georg Herold

De repente dei-me conta que o novo Governo já vai para um ano!

O ano todo não falei de Cultura, nem elogiei, nem critiquei, não disse nada. Se calhar seja pelo facto de uma pessoa ganhar uma certa religiosidade com o andar dos anos. É preciso aguardar com infinita paciência pela manifestação divina. Aprendi, ou foi-me ensinado pelo castigo da espera, a não reclamar dos desígnios das santidades que um dia virão nos mostrar o caminho da glória. É que do reino nada é revelado, se vai ter glória ou não, se vai ter recompensa aos fiéis ou não, se os penitentes um dia terão sombra e água fresca e se na velhice os que escolheram os caminhos das artes terão amparo ou se morrerão mendigos. Nada é dito mas se calhar nada terá que ser dito aos comuns mortais, porque esses não iriam perceber os meandros complicados do palácio.

Dei-me conta que, vangloriamos dos altos títulos mundiais, campeões da democracia e da liberdade de imprensa e no entanto não temos, desde a independência, uma política cultural que dignifique o seu nome. Não há nenhum capítulo da política cultural - da língua, passando pelo património, a investigação cultural, indo à educação artística, falando de financiamento da cultura, até chegar às carreiras artísticas e do ramo cultural - que possa enumerar ganhos substanciais. É a mesma procissão há décadas.

29.1.12

Terra de fartura

Um tanto farto disto.

Farto do Governo e da Oposição a encherem-nos os ouvidos das suas angústias no Parlamento, a fingirem-se de muito preocupados com o país. Combate político, dizem. Eu é que morro um bocadinho de cada vez que oiço descaradas acusações e ainda mais patéticas defesas de honra. Vão se...!

Cansado de ver advogados a usar a comunicação social como palanque para os seus recados com segundas, terceiras e sabe-se lá mais quantas intenções. Quem pode com essa novela de mulher que mandou matar marido, afinal é marido que montou um teatro para incriminar a mulher, uma estória que não pára de dar cambalhotas, de um vida privada, de uma vida que não nos diz respeito e ainda assim insistem em nos dar todos os detalhes sórdidos.

Já não dá mais para ouvir nenhum membro do Governo. Nenhum. A quererem nos impingir um nome para o aeroporto da Praia, em explicações imbecis, como se não tivéssemos convicções e fossem os ministros os encarregados de nos ensinar como valorizar a história. Mais uma vez, vão se...! Não dá! Quem pode com o discurso decalcado de todos os membros do Governo, de ministro a secretários de Estado, todos! Que falta imensa de criatividade e auto respeito.

Não posso mais com estórias de violência e com as autoridades a tentar negá-la, mascará-la, justificá-la. O facto é que dói na pele e está mais perto de nós do que imaginamos. O meu compadre Baluka foi atacada na rua, bem no centro da cidade, às 18h30, por três fedelhos. Que merda!

11.1.12

A Ribalta

Os políticos estão sempre na ribalta, mas por esses dias pelas terras de cá das ilhas estão ainda mais na ribalta, com dois assuntos interessantes. Um, trata-se de um manifesto chamado Acordar Cabo Verde, a circular aqui, que bate nos deputados, outro, tem a ver com a chamada de atenção que o partido no poder faz ao Presidente da República, a pedir-lhe que abranda a voz.

No primeiro caso vou dizer o seguinte, sim, os deputados precisam de umas valentes palmadas no rabo. É claro que há (?) os justos, mas já diz a velha frase, pagam os justos pelos pecadores. Aos deputados pedimos uma coisinha só, que trabalhem, que falem, que actuem, que não sejam o corpo ao qual pertence um braço que se levanta automatimente na plenária. Mas também sou obrigado a concordar com o deputado Abraão Vicente, que é muito fácil mandar manifestos anónimos online, enquanto que o mesmo manifesto podia ter dado entrada na casa parlamentar, por vias normais e com caras. Enfelizmente ainda vivemos como se estivessemos debaixo da PIDE e temos medo de falar abertamente. Outras vezes é só pura conveniência ou falta de, masculinamente falando, tomates. A vida pública é...pública, ou seja de todos nós. Todos usufruem da República, mesmo que não se queira. Quem pensa ao contrário que experimente ir viver numa montanha isolada e verá. No entanto só poucos intervem na República. A política é de todos e é mais que votar. É, pelo menos, ter uma atitude pública digna.

No segundo caso, parece bastante estranho que um partido, em plena democracia, peça ao Presidente da República que se cale. Digam todos em voz alta "Presidente da República" para terem a consciência de que figura tamos aqui a falar. Chega de Presidente corta-fitas! 




4.1.12

Best of

Eco e Narciso


The best of myself is me. I'm the best. I'm even better than myself. I'm the best of the best!

É isso que eu sinto quando vejo um "best of" de um artista em fase inicial de carreira, produzido pelo próprio.

28.12.11

Banco de trás

René Tavares, série "Drawing in Abstract Space"

As crianças estão no banco de trás, adivinhando jogos com as matrículas dos carros que passam, tal qual nós, uma vez crianças, fazíamos, no carro do meu pai. Banco de trás é o lugar reservado às crianças, de onde o mundo passa muito depressa. Estamos na cidade, depois já nas montanhas, de seguida chegamos à praia, calávamos subitamente quando passávamos por um lugar novo, ou uma estrada na montanha, as vezes o carro tinha de ir devagar quando havia perigo, as vezes umas pessoas olhavam para dentro do carro e não sorriam, mas nós estávamos no banco de trás, o lugar que nos pertencia para sempre, onde nada nos podia acontecer. Do banco de trás descobrimos enigmas inimagináveis, como por exemplo que havia mais carros de matrícula par que ímpar, que havia mais carros brancos que azuis e reparamos que tinha um carro sempre parado no mesmo sítio, as janelas já todas cobertas de poeira, talvez o seu dono tivesse tivesse sido raptado. Guardamos os segredos, talvez até pudessem ser precisos, mas eram exclusivamente nossos.

Sigo lentamente, muito interessado nas coisas que os meninos vêem lá fora e os seus jogos de adivinhação. Dão saltos quando descobrem algo novo. Sigo lentamente. Aos poucos os pensamentos quotidianos me voltam à cabeça. Faço contas, calculo o dia de amanhã, passo em revistas os acontecimentos marcantes do dia. Paro numa bomba de gasolina para reabastecer o carro.

26.12.11

Amanhã

Imi Knoebel

As crianças já perderam a conta a quantos brinquedos tem. Tem as estantes cheias! Já nem conseguem se lembrar qual foi o brinquedo que a tia X lhes deu. São tantos! Se lhes perguntar os preferidos, também vão ter um grande dilema, entre o carrinho de pilhas, o jogo engraçado, ou o super-herói. 

É bom que se tenha a possibilidade de comprar tanta coisa hoje. No meu tempo, as escolhas eram menores e no tempo dos meus pais seriam ainda menores. Ter escolha é importante. O triste é ter escolha e não escolher, ir na mesmice, comprar as futilidades que brilham muito, mas que não valem nada, entrar na subtil condução do marketing infantil. Ponham-se alertas pais, através das crianças as casas comerciais fazem de nós o que quiserem. Tenham paciência, que na imensa profusão das lojas há objectos realmente bons. É possível que as nossas crianças não se tornam uns fúteis amanhã. É possível, não é garantido. Há que trabalhar muito, pais.

23.12.11

Feliz Natal...se conseguir.

Foto: Alessandro Citti

É público. Não gosto do Natal, por imensas razões, uma das principais por ser uma pressão comercial insuportável. Quem não puder comprar as prendas todas, fazer aquela festa recheada e vestir roupa nova, fica infeliz. É um conceito que não vou aceitar nunca. Não consigo conceber esta data, que em teoria tinha de ser de humildade, de introspecção, de partilha, de solidariedade e de todos os outros sentimentos de proximidade humana, se esteja a tornar um feroz arrebentar de dinheiro. Até as discotecas vem se tornando o ponto mais alto do Natal, pelo menos na minha cidade, enquanto que antigamente eram um "pecadinho" discreto após o jantar em família. As dezenas de contos que alguns vão gastar, sem ao menos oferecer um saco de roupas usadas a uma organização beneficente, faz-me uma imensa confusão. Dizem que noventa por cento da população é crente. Crêem em quê?

22.12.11

Novelo Mundo

Atsuko Tanaka

Está uma matilha de jornalistas à volta do tribunal, sedentos de sangue. A questão é, qual será o grau de castigo que vão ter os ilustres camaradas apanhados nas teias do crime? E os camaradas são afinal apanhados! Entretanto há dias vi um tipo que tinha estado preso, precisamente por trafulhices relacionadas com o tráfico de drogas, branqueamento de capitais e demais atropelamentos, a passear no seu (novo) carrinho, felicíssimo da vida. Feito as contas, passar quatro aninhos na cadeia, sair com a conta bancária ainda a tilintar e ainda mais a exibir um carrinho bazofu...quase que vale a pena o crime, é tudo uma questão de sacrifícios.

Sacrificar o bom nome é o preço a pagar para estar na alta roda. É claro que uns pagam mais que outros, mas imensa gente tá a precisar dum noitinha na choldra, só para avivar os seus bons valores. Tenho a certeza que o pessoal que sai (e vão sair, pois justiça seja feita) dessas alhadas, pensará uma trinta vezes antes de se enredar outra vez em maus caminhos. Outros nem por isso, é questão já de constituição.

Na França até o Presidente da República não está isento da justiça. No feudo de cá, os políticos estão demasiadamente blindados em relação à justiça. Afinal quem não deve, não teme. Proponho o levantamento imediato de uma data de imunidades em relação aos políticos, porque a política tem muita, mas muita culpa sobre a actual situação vivida no país.

Entretanto o Natal está cada vez mais chocho, ou sou eu que cada vez acredita menos nessa fraude.

21.12.11

Raízes do mal

As vistosas operações policiais sobre os casos de droga e branqueamento de capitais, assunto do dia no país, assemelham-se a uma operação cirúrgica a um cancro maligno, em que é possível remover células já muito doentes, mas não é possível erradicar o cancro. Uma vez alguém me disse que o aumento da eficácia da polícia só tem como consequência o aumento da eficácia dos criminosos, como num jogo de computador, em que o nível de complexidade do jogo vai aumentando. Combater as consequências é por demais importante, mas é preciso investigar largamente os condicionalismos na nossa sociedade que levou/levam à situação actual.

Tenho por mim que uma série de pequenas impunidades, cumulativamente, vai permitindo ilegalidades maiores, até atingirmos um estado de ilegalidade. É possível fazer uma longuíssima lista de ilegalidades toleradas e socialmente aceites no nosso país, desde a calotice pura, até desvios importantes. Façamos uma introspeção grande.

Cegueira selectiva


Continuar a negar a pesada gravidade da situação é uma postura extremamente perigosa. É grave, é grave, é grave!...Fiquei imensamente triste ao ler a primeira página de www.sapo.cv hoje.