29.11.09

Sabbath

Como é que uma pessoa pode descrever um espectáculo de Paulino Vieira? Vamos lá ver se encontro as palavras.

Tudo em Paulino é extra-ordinário, ou dito ao contrário, nada nele é ordinário, comum. Antes de mais, estamos a falar de um gigantesco talento musical, que pode tocar qualquer instrumento com a maestria que os solistas o fazem, de um fino compositor e o nosso MAIOR arranjador, ou talvez para ser modesto, o meu maior arranjador de música popular caboverdiana. Ontem, dia 28 de Novembro (este dia vai fazer eco na minha cabeça para sempre), ouvi arranjos, que não tem nenhuma outra comparação em Cabo Verde. Além do mais, a banda eram cordeirinhos guiados por este maestro-pastor: 8 músicos, 8 grandes, entre os quais, Bau e Voginha. Simplesmente lindo, mágico.

Bem convenhamos, o espectáculo cansou-me pra caramba, que não é todo o dia que uma pessoa aguenta aquelas cadeiras vergonhosamente desconfortáveis do Auditório Nacional, por 3 horas! E eu detesto parlapiação em espectáculos musicais, Paulino fala metade do espectáculo. Mas, quem disse que não é preciso sofrer para ter o privilégio de ser presenteado com cada uma das composições que ele, Paulino, escolhe com peso, medida, textura, volume, cor e outros atributos mais?

E por fim, o carácter desse homem, um extravagante por natureza. O meu coração encheu-se de alegria por vê-lo ontem tão incrivelmente feliz, a tirar pulos no palco, a rodopiar e dançar como um louco, a fazer acrobacias com um cabo de vassoura (sim, cabo de vassoura!), a contar piadas, a abraçar os amigos, a agradecer a todos, que como se adivinha, o ajudaram a sair das trevas que ele atravessou (ou atravessa). Da última vez que vi Paulino num palco, era um animal perseguido por fantasmas, tinha os olhos como dois buracos negros, falava de desgraça, ria pouco, embora mantivesse intacto a sua pureza musical. Ontem vi um homem diferente e faço tantas forças que ele possa viver assim feliz para o resto do seus dias.

És uma inspiração Paulino. Que o Universo cuide de ti.

3 comentários:

Anonymous disse...

Parabéns César pelo teu belíssimo texto. Senti a vibe! Dás inteiro o Paulino. Esse que vive hoje (há já algum tempo aliás) numa outra dimensão do real, que nem sempre, a nós comuns mortais, é dado ver ou franquear. Precisamos de guias para lá entrar, e o Paulino é um deles. Misto de ausência e dádiva, iluminação e loucura, visão e cegueira, genialidade e generosidade, sageza e infância, sorriso e melancolia, habitando o mesmo espaço, alucinado e alucinante, que reclama de nós não apenas sentidos, mas um certo sentir incomum. Sei de que Paulino falas. E se foi assim num espaço de multidões, imagina esse Paulino num espaço onde estão apenas 20, 30 ou 50 pessoas. É MUSIMAGIA à solta, um milagre de arrepiar a pele a um paquiderme. Não são só os músicos que se deixam guiar. Por vezes no aparente non-sense das palavras é ele ainda quem nos guia, qual Minotauro no seu labirinto, para onde ele se refugia tantas vezes, no fundo mais fundo da sua alma solitária, crisálida fecunda e fremente, que em momentos raros como o de ontem se transforma na mais exuberante mariposa. Quem sabe se não é na mais tenebrosa escuridão que a Luz se cumpre? Com Paulino arriscamos a ter sempre um pouco mais de Luz.

Mais uma vez obrigado. Aquele abraço.

ZCunha

P.S.- Tenho saudades das tuas fotos.

Cesar Schofield Cardoso disse...

ZCunha, bons bytes te trazem por cá! Quanto tempo!

Pois é, completas o meu pensamento. É essa a sensação, de ser guiado para uma dimensão que não conseguimos atingir sem um roteiro. Obrigado também a ti por partilhares estes pensamentos.

Quanta às minhas fotos, o blog está sem imagem porque tenho andado a pensar num projecto gráfico para isto. E enquanto não acertar na equação não quero colocar por colocar.

(Para quando a prox visita à Praia?)

Abraço

Samira disse...

não tenho palavras para o espectáculo que vi, ouvi e SENTI.

Mas fiquei triste porque o público não retribuiu com uma grandiosa salva de palmas no fim do espectáculo. Não para pedir um encore, como é da praxe, mas sim para agradecer, reconhecer e louvar o(s) artista(s).

sp