Hoje foi um dia extraordinário, por isso aqui vai um post extraordinariamente (quebrando as minhas próprias regras) longo.
Há dias que são para esquecer, mas há outros que são para registar. Hoje foi daqueles. Tive ao longo do dia conversas que valem conferências. Comecei por fazer parte de uma corrente de e-mails que se entitula "cabo verde tem doutores a mais?". Não tive paciência para esmiuçar o rol de opiniões que estiveram por detrás de tão estranha pergunta, desde o seu emissor original até aos actuais, porque acho que realmente é uma pergunta estranha. Quem foi a pessoa que teve a ideia de chamar ao licenciado de "doutor"? Pois que causou um grande problema de egos e de confusões. Pois que licenciados, vão àquela parte, aprendam uma profissão primeiro e aprendam a ter o coração nessa profissão antes de estarem aqui com doutorices. Que os verdadeiros Doutores, a esses ninguém lhes dá o respeito devido. São pouquíssimos, digníssimos e discretíssimos. Aos doutorinhos, sinceramente!...Reponho a pergunta: "cabo verde tem doutorice a mais?"
À hora do almoço, com outras da pessoas que me ensinam coisas, decorreu uma outra conversa interessante, das perspectivas interessantes da nossa Política Cultural (que não existe). Uns são mais tradicionalistas e acreditam no lema "finkadu na rais" (as frases extemporâneas do nosso magnífico Ministério da Cultura); outros são mais cosmopolitas e são apologistas da "antropofagia" (no sentido cultural usado pelos modernistas brasileiros) e defendem que, aceitar tudo o que vem de fora e tentar estar lá fora, participando das correntes da arte contemporânea, que nos vai passando ao lado, seria uma forma de desencravar a nossa Cultura do profundo conservadorismo que insiste em ficar. Sou dessa corrente. Um povo com a unidade linguística que temos, que canta tanto a sua terra, que se ama tanto, não corre perigo de alienação. Chega de tradição! Vamos, sem medo e timidez, perceber o que está o mundo a fazer e vamos fazer!!!
A conversa ia intensa, mas as horas são implacáveis. Depois do almoço, o cafezinho num dos recantos mais agradáveis desta cidade, a livraria Nhô Eugénio, e lá encontro outra cabeça inventora, de testa franzida e caderno na mão, pensativo, que me sai com esta frase: "a riqueza (a busca da) é um acto de empobrecimento". Depois ele lá construiu toda uma teoria à volta disso e ficou de apresentar uma tese mais conclusiva. Ainda conheci um escritor que vai lançar um livro na sexta, às 18h30, no CCP/IC, que tem um blog com um título curioso: Poesia Distribuída na Rua e dali saquei um poema de José Miguel Silva, entitulado "Morangos Silvestres - Ingmar Bergman" (título, precisamente, de um dos filmes de Ingmar Bergman), que tem tudo a ver com o post de hoje:
Um ser humano é um combinado de egoísmo,
sofrimento e necedade. Não comove ninguém.
Uma pedra não comove ninguém. A beleza
é um acidente banal e pressupõe a morte;
muitas vezes se rodeia de sandice, e se nos fala,
chega a ser assustador. A inteligência, refrescante
como um duche, sabe bem, no Estio; mas agora,
que é Inverno toda a vida, que lugar atribuir
à inteligência? O de criada de servir nos aposentos
da ganância. Não comove, é evidente, ninguém.
A bondade, sim, comove. Mas é tão débil
e tão rara que ninguém a ouve. Não é fácil,
assim, encontrar algo que possamos amar. Eu
tenho procurado, eu juro que não sei o que fazer:
tudo me parece, até a música, produto de uma falha.
Vou por essas ruas ao acaso e não acerto a conhecer
quem me convença que bem outra poderia ser
a vida. Tudo se mostra sob espelhos deformantes,
tudo arde numa estranha aceitação. Francamente,
não consigo perceber. E gostava tanto, mas tanto,
que alguém me demonstrasse que não tenho razão.
Depois do trabalho, na mesma livraria do meu coração, por duas horas ouvi um andado jornalista e um andado economista, discorrendo sobre literatura, sociedade, economia e política. Tive a oportunidade de meter a minha colher, estando a viver um momento em que, são os da minha geração que vão fazer os combates, vão estar em posições-chave e vão tomar as decisões deste país, para a nossa alegria e para a nossa tristeza. Toca-me profundamente a questão das juventudes partidárias, porque estão a perder a oportunidade de fazer uma política baseada em outros princípios que não são, nem os do velho Veiga, nem os do novo Neves, que não consegue dar combate às velhas lógicas deste país.
Enfim, hoje ouvi tanto e pus-me a pensar: o que nos falta não é dinheiro; o que nos falta é usar toda a força da nossa inteligência para transformar a nossa própria maneira de estar e viver. Nada é dado por concluído; concluímos a cada dia.
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