23.9.10

Boing

Em Mindelo. Vim da Praia num Boeing. Trinta minutos de vôo. Parece abrir um amêndoin com uma marreta. É que Boeing só pelo nome é grosso e ilha é sempre pedaço minúsculo de terra. Inglaterra não é ilha porque não é pequena. Mindelo tem um aeroporto, que é internacional pelo tamanho da pista e nacional pelo tamanho do terminal. Mas é lindo, arrumado e calmo, como a própria cidade que acolhe o festival internacional de teatro, Mindelact, de 16 a 26 de Setembro.

Procuro não faltar a um show. E que shows! Mais uma vez, vi Void, de Clara Andermatt com Avelino e Sócrates. Conheci Sócrates, um tipo que tem um percurso que se confunde com o próprio movimento da dança contemporânea em CV. Sócrates tem muitas estórias a contar. Vi um magnífico monólogo brasileiro, num palco sem qualquer cenografia; só o actor, um luz geral e o público; 2 horas (um tantito demais) de pura arte de representação. Vi a peça "Os amantes" uma peça espantosamente atrevida do grupo do CCP-IC, toda ela falada em crioulo, um facto também de notar num grupo de uma instituição cuja missão é promover e divulgar a língua portuguesa. Tenho visto tanta coisa e falado com muita gente. Há discussões existenciais sempre, há festa e novas amizades. O Festival tem um ambiente fantástico, embora muita gente vem queixando da sua degradação.

Entristeço-me amargamente da opiniões da treta que tem havido à volta da extensão do Mindelact à Praia. Está provado que somos um povo leviano, capaz de meter muita energia em discussões estéreis e desmotivantes, enquanto que a realidade demanda por um discurso responsável e construtivo. O que digo a esse respeito é que, é muito benvindo essa extensão, do ponto de vista de consumidor, continua a ser uma extensão e não um festival, é um crescimento saudável do festival e ainda pode até conquistar público para o palco principal do festival, Mindelo, que tanto precisa de visitantes, turistas, receitas, atenção.

Estou em Mindelo, a minha cidade natal, que reconheço a cada pedra que piso, mas que deixo de reconhecer a sua alma saudosista e corrosiva. Também não reconheço esta proibição de andar à noite nas suas belas ruas, porque a violência faz lei. A cada ano que venho, não páro de fazer a pergunta: qual será o teu ritmo certo, Mindelo? Nem massivo-industrial para não perder o encanto pueril, nem pacato como está para não perder a dignidade.

E não poderei parar de amar a minha cidade, contudo.

8 comentários:

Anónimo disse...

Contudo, vocês os nativos do Mindelo e de São Vicente, abandonaram o barco e deixaram-no à deriva, rumo à Praia, à Capital. Inundaram um sítio e esvaziaram o outro lado. Fazer o quê?

Anónimo disse...

lindo!!

Cesar Schofield Cardoso disse...

E no entanto muito nativos de S.Vicente, a viver em S.Vicente, a abondonaram mais tristemente ainda.

O vazio é um estado de alma.

Carlos Silva disse...

Eu estou na Praia mas minha alma em Mindelo. Minha lingua é Mindelo, minha saudade é Mindelo, e meu amigo é Mindelo. Mas concordo com o Cesar os nativos que ficaram abandonaram-no, porque os que partiram estão sempre com MINDELO no coração

Anónimo disse...

Eu concordo plenamente com a extensão do mindelact á Praia e espero que um dia tb se extenda á ilha do Sal e futuramente ás outras ilhas. Porque não? Esta é a minha primeira oportunidade de assistir ao festival e estou muito feliz por isso, já vi VOID, OS AMANTES, ZOO e ADRIANA MATER . Antes só via nas notícias, tv e ouvia comentários de pessoas mas não tinha a noção de quanto agradável é assistir a uma peça teatral do festival mindelact. Acho que os nossos conterraneos estão a ser muito egoistas com essas opiniões acerca da ext. do festival á praia. Concordo plenamente contigo Cesar, tu sim és uma pessoa sábia e que sabe apreciar as coisas. (Criola de Dja d´Sal).

Anónimo disse...

Gostei César! Tens uma capacidade enorme de focar o teu ponto de vista e partilhá-lo. Também sou Mindelense que vive no Tarrafal. Mas adoro Nha Cidade, e também Praia. Agora, tens-nos um pouco sedentos. Agora deste para escrever cada semana...

Anónimo disse...

""“Vamos pintar a Capital” , “Tinta para Todos” ou “Vamos dar cor à Praia” podiam ser slogans estimulantes para a pintura da capital de Cabo Verde" artigo em http://www.asemana.publ.cv/spip.php?article56720&ak=1

Cesar Schofield Cardoso disse...

Estou de férias em S.Vicente e com limitações de acesso à net (e uma boa dose de preguiça) por isso tenho publicado tão pouco. Mas levo na bagagem já muitas estórias para contar.

Até já
César